“A esquerda não é credora moral pelo padecimento do Holocausto”
O que pensam os judeus que romperam com sua comunidade para defender Bolsonaro
"A ASBI pensa em iniciar um curso de vergonha na cara para judeus de esquerda". É este o tom das postagem no Facebook da Associação Sionista Brasil Israel (ASBI), um grupo ainda pequeno, de 4.500 membros, mas que faz barulho na rede social. A entidade foi criada no segundo semestre de 2017, após uma polêmica palestra de Jair Bolsonaro no clube Hebraica Rio —em que o candidato fez comentários depreciativos sobre minorias— expor uma divisão da comunidade judaica. Crítica ferrenha dos partidos de esquerda, a associação afirma representar "uma farta parcela" de judeus que não se sentem representados pela ideologia de esquerda que tomou conta das "escolas, movimentos juvenis e entidades judaicas como a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e seus associados", tradicionalmente conhecidos pela defesa dos direitos humanos e valores progressistas.
Nas postagens da entidade, Roger Waters, um dos fundadores da banda Pink Floyd, que em um show recente fez falas contrárias a Bolsonaro, é chamado de antissemita e comunista, militantes de esquerda são acusados pelos desenhos de suásticas, e comunismo e nazismo são considerados ideologias semelhantes. "Os judeus que apoiam o PT e a esquerda deveriam ter aula de vergonha na cara ao se filiarem a partidos dúbios, que contemporizam com (...) regimes hediondos enquanto filiam-se ao BDS contra Israel", afirma uma postagem da Equipe ASBI, em relação ao movimento global Boicote - Desinvestimento - Sanções (BDS), que visa pressionar Israel a cumprir o direito internacional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em relação ao povo palestino. "Se for para atacar os judeus, vale tudo, inclusive posar com humanitarismo a favor de palestinos, que tiveram todas as chances de ter seu Estado mas preferiram acreditar que os judeus seriam eliminados e agora explodem bombas em praças públicas, ainda reprimindo com todo rigor gays, mulheres, etc., enfim, fustigando as minorias que a esquerda tanto defende por aqui", critica a associação.
O EL PAÍS conversou com Félix Soibelman, diretor jurídico da ASBI, e autor da grande maioria dos textos da entidade na rede social, sobre o que defendem os judeus que romperam com sua comunidade para apoiar a candidatura do ex-capitão do Exército.
Antes era quase natural pensar que por terem sofrido o Holocausto os judeus, para serem solidários com todos aqueles que sofrem igual exclusão, deveriam ser de esquerda
Pergunta. Por que as eleições 2018 levaram a uma divisão na comunidade judaica no Brasil?
- P. Resposta. A divisão aconteceu porque grande parte da comunidade judaica passou a rejeitar a esquerda como credora moral pelo padecimento do Holocausto, isto é, por não concordar com que a esquerda seja a porta-voz e representante do cabedal de direitos humanos que seriam a antítese da exclusão e segregação que vitimou seis milhões de judeus. Antes era quase natural pensar que por terem sofrido o Holocausto os judeus, para serem solidários com todos aqueles que sofrem igual exclusão, deveriam ser de esquerda, como se só ela pudesse promover a inclusão social. Os judeus perceberam que a inclusão social da esquerda é seletiva, pois todas as minorias nele estavam incluídas, menos eles. Perceberam ainda que enquanto a esquerda defendia gays e a libertação da mulher, unia-se a todas as ditaduras do Oriente Médio onde estas classes são imoladas, assassinadas, oprimidas. Quando o governo de Dilma Rousseff recusou o embaixador de Israel porque este apoiava assentamentos em territórios palestinos, os judeus brasileiros constataram haver dois pesos e duas medidas, pois o governo petista sempre aceitou embaixadores de todas as sociedades islâmicas ditatoriais, repletas de atrocidades, como Síria, Irã, Líbia etc. Compreendendo assim, perfeitamente, que no caso só existia uma coisa diferente, como explicação: o fato de serem judeus e Israel o país judaico, ou seja, antissemitismo puro e simples.
A esquerda ataca os judeus disfarçando sua crítica como antisionismo. Distorce o sionismo identificando nele o mesmo que os antissemitas antes atribuíam aos judeus nas teorias conspiratórias que resultaram no Holocausto
- P. P. E neste contexto, qual a posição da ASBI?
- R. Nossa posição é de apoiar escancaradamente aquele que é o único que não fica com meias palavras, declara apoio amplo a Israel e que reconhecerá Jerusalém como sua capital: Bolsonaro. Já não é tempo de cordura, e neutralidade. Veja o presidente da Conib, [Cláudio] Lottemberg. Ele foi defender o alinhamento com [Geraldo] Alckmin, partido dos ministros [José] Serra e Aloisio Nunes, que nada mudaram neste sentido. Outra vez esta entidade, a Conib, pretendia uma posição de neutralidade pela qual os judeus apenas acabam tomando na cara. Logo, se Bolsonaro vencer, teremos salvo a comunidade judaica de uma vez mais não ter coragem afirmativa, teremos nos posicionado firmemente ao lado do candidato que foi amigo dos judeus e seremos a voz mais forte da comunidade, sua verdadeira representação. Não teremos, pois, que fechar fissuras, porque a maioria estará agradecida. Mas estaremos sempre abertos ao diálogo.
P. Por que na sua opinião o candidato do PSL é o que melhor representa os interesses desta parcela da comunidade judaica?
R. A esquerda ataca os judeus disfarçando sua crítica como antisionismo. Distorce o sionismo identificando nele o mesmo que os antissemitas antes atribuíam aos judeus nas teorias conspiratórias que resultaram no Holocausto: ser agente de dominação financeira, espoliação dos povos e supremacismo. Logo, quando a esquerda coloca os palestinos como vítimas, deformando a história, ajudam a criar um mecanismo pelo qual se pode zerar a conta da consciência europeia pela culpa por terem produzido o Holocausto, oportunizando a volta do discurso de ódio ao judeu, mas agora disfarçado pelo humanitarismo. Bolsonaro, na contramão de toda esta esquerda, já vinha se manifestando como grande admirador de Israel e amigo dos judeus. Esta foi a causa da aproximação entre Bolsonaro e os judeus brasileiros.
P. Qual o perfil dos membros da ASBI?
R. Há pessoas de todos os níveis intelectuais na ASBI, desde aquelas mais simples a professores universitários, escritores e jornalistas, sendo composta por judeus e não judeus que são simpáticos à causa do sionismo e contrários às diretivas da esquerda. São, na maior parte, pessoas adeptas do liberalismo econômico, que, ao mesmo tempo, cultivam respeito a todas as religiões, porém sem perder o espírito crítico contra o fanatismo.
P. Qual é a relação da ASBI com as igrejas evangélicas?
Para os evangélicos não há a substituição de uma fé pela outra, uma sucessão de pactos, mas sim uma integração, continuando os judeus com sua legitimidade e Israel como a terra messiânica
R. A Teologia da Substituição foi a doutrina pela qual a Igreja Católica Apostólica Romana, e também a Ortodoxa, entenderam que a aliança entre Deus e os judeus, descrita no Velho Testamento, estava substituída pelo novo pacto em Cristo. E os seguidores de Jesus sucederiam aos judeus, numa nova aliança. Segundo Agostinho, os judeus teriam passado a ser o povo que continuava a existir apenas como prova viva da culpa pelo assassinato do mito fundante daquela nova religião, o cristianismo. Daí nasce o ódio ao judeu e os tormentos infindos a que esse povo foi submetido. Tal ódio foi aproveitado por Hitler até culminar no Holocausto. Já os neopentecostais, estes que se denominam evangélicos, não acolheram a exegese da Teologia da Substituição. Para os evangélicos não há a substituição de uma fé pela outra, uma sucessão de pactos, mas sim uma integração, continuando os judeus com sua legitimidade e Israel como a terra messiânica. Logo, são grandes amigos dos judeus, e amantes de Israel. A ASBI abriu seus braços a estes que, muito mais do que os lobos humanistas em pele de cordeiro da esquerda, são os verdadeiros amigos dos judeus, dentro e fora de Israel.
P. A ASBI defende os direitos humanos?
R. Claro que defende, porém, sem que essa defesa esteja comprometida com a esquerda, como se os direitos humanos fossem uma causa dela, logo ela que só espalhou ditaduras totalitárias mundo afora e se mancomuna com outras contra o Ocidente, com a maior venalidade moral possível. Defendemos inclusive o direito dos palestinos terem um Estado e isto consta em nossos estatutos, porém não comandado por um grupo assassino, criminoso e terrorista como é o Hamas, com o qual o governo brasileiro, por sua Constituição, deveria ser proibido de se relacionar, o que inclusive poderia ser objeto de uma ação em sua Suprema Corte.
P. A bandeira do fictício "Kekistão" (símbolo da extrema direita, que imita a bandeira da Alemanha nazista) apareceu em uma manifestação em São Paulo. Como vocês lidam com o apoio de grupos neonazistas a Jair Bolsonaro?
Nunca ouvimos Bolsonaro fazer este tipo de incitação e a associação de seu discurso à atitude de loucos neonazistas é um factoide
R. Respondo com outras perguntas: qual a avaliação, pela esquerda, do fato de que a tentativa de assassinato de Bolsonaro tenha sido cometida por um ex-membro do PSOL e se declare como esquerdista? Este tipo de atitude deve-se ao fato de que os líderes da esquerda brasileira em repetidas vezes afirmaram que o povo deveria armar-se para a luta, que sem derramamento de sangue não haveria redenção; que o bom burguês deveria se fuzilado? Nunca ouvimos Bolsonaro fazer este tipo de incitação e a associação de seu discurso à atitude de loucos neonazistas é um factoide, que ganha dimensões maiores na estratégia de classificá-lo como fascista, com uso irresponsável, leviano, deformado e barateado desta palavra. O que a esquerda e a mídia querem é generalizar para construir um espantalho. São as "estratégias desonestas do desespero", que a falta de caráter, na derrota, imprime.
P. Mas Bolsonaro fala em "metralhar a petralhada", que gays precisam apanhar para deixar de ser gays, já fez falas machistas e racistas, isso não é um problema para você?
R. Primeiramente, a resposta sobre metralhar a petralhada foi dita num contexto de troça, e, como é típico do PT, o partido quis tomar a afirmação como colocação literal, não sendo a primeira vez que faz isto fingindo-se de desentendido. Reconheço a inconveniência da brincadeira, porém, diferentemente dos líderes de esquerda brasileiros que, como dito acima, afirmam seriamente que sem sangue não haverá redenção e que se deve matar burgueses, Bolsonaro nunca fez disto (a violência e o fuzilamento) uma estratégia verdadeira de poder, como eles abertamente pregam ser a deles.
Quanto às falas racistas, estas nunca existiram e a denúncia contra Bolsonaro por suposto racismo foi rejeitada no STF. Nós da ASBI inclusive promovemos um abaixo-assinado que obteve mais de 35.000 assinaturas, para nos manifestarmos contra a denúncia da Procuradora Geral, que gerou esta ação no STF. Novamente Bolsonaro manifestou-se de forma espontânea, porém politicamente inconveniente e grosseira ao referir-se ao peso de um quilombola em arrobas para expressar que era gordo e nada fazia. Logo, saltaram-lhe em cima afirmando que era racista, o que se desmente pelo fato de que diversos afrodescendentes o apoiam, inclusive o recém eleito deputado “Helio Negão”, o mais votado do Rio de Janeiro.
A respeito de ser machista, é realmente curioso que as duas mulheres mais votadas do Brasil, Janaína Paschoal e Joice Hasselman, sejam suas apoiadoras entusiastas e companheiras de partido. O fato é tratado como se não existisse, como curioso caso de “feminismo seletivo”. A verdade é que tudo que Bolsonaro disse das mulheres foi que a atual legislação que lhes dá maiores garantias, faria com que ele, se fosse empresário, preferisse ter empregados homens e fez uma brincadeira sobre “fraquejada” ao fazer uma filha mulher, cujo amor que a ela tem já é fato nacionalmente conhecido (“a pequena Laura”).
Sobre os gays, a afirmação nunca foi de que gays devem apanhar nas ruas, como, de forma mendaz, querem metamorfosear o que ele externou, mas sim que se tivesse um filho gay lhe daria surras, acreditando que o homossexualismo é questão de educação. A afirmação foi realmente ignorante, uma vez que não se sabe até hoje qual é a verdadeira causa do homossexualismo. Não faz sentido, no entanto, crucificar Bolsonaro por uma posição circunstancial e equivocada que já abandonou há muito.
P. Há oportunidades de novos negócios entre Brasil e Israel que poderiam ser incentivados em um governo de Bolsonaro?
R. Ainda que se expandam as relações comerciais e bilaterais de todo tipo é necessária uma disposição supraideológica de estabelecer parcerias e cooperação ampla. O desejo de se alinhar com os países árabes, agradando-os, é sempre um fator de inibição desta relação. É certo que o espectro político tensionado não ajuda o aspecto comercial. Não somos especialistas nesta área para darmos uma resposta precisa, mas já ouvimos, na surdina, que alguns investidores jamais montariam negócios aqui pela atitude de Governos brasileiros anteriores. Esperamos que isto acabe no governo de Bolsonaro.
P. Qual vai ser o foco da ASBI pós-eleições?
R. É muito mais difícil depor um Governo do que uma mentalidade. A ascensão de Bolsonaro não significa sepultamento daquilo que combatemos. Logo, seguiremos vigilantes, esclarecendo, articulando, polemizando, laborando e tentando interceder pela comunidade judia em todos os sentidos. Repetindo o já dito acima, pensamos que ser a voz mais forte dela, no caso de vitória de Bolsonaro.
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