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Uma heroína palestina no corpo de uma garota

A adolescente esteve oito meses na prisão depois de esbofetear um soldado israelense. Ahed Tamimi conta em Madri como foi sua experiência

Miguel Ángel Medina
Ahed Tamimi, ativista palestina, durante uma entrevista na sede do El Pais.
Ahed Tamimi, ativista palestina, durante uma entrevista na sede do El Pais.Luis Sevillano

Seus cabelos compridos, exuberantes e encaracolados, e o keffiyeh (lenço palestino) no pescoço já são inseparáveis de sua figura, miudinha, mas poderosa. Enquanto Ahed Tamimi atravessa a porta da Prefeitura de Madri, um enxame de gente — ativistas, curiosos, políticos — a cerca para cumprimentá-la, expressar seu apoio e, sobretudo, tirar fotos com ela. Uma imagem com essa adolescente palestina é altamente valorizada nas redes sociais. "Todos nós temos em mente a bofetada que Ahed deu em um soldado israelense em dezembro", diz a ativista pró-direitos humanos Manu Pineda ao apresentá-la ao público. "Nós a vimos se lançar com tudo contra a ocupação. É uma mulher no corpo de uma menina, ela é uma heroína, é um símbolo, é nossa Ahed”, acrescenta. Grandes aplausos.

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A jovem comemorou seu aniversário de 17 anos em uma prisão israelense, presa durante meses por causa de uma bofetada que deu a volta ao mundo. O eco daquela onda a tornou um verdadeiro símbolo da resistência do castigado povo palestino. O que diante dos soldados foi um gesto de desafio e altivez, em eventos públicos se transforma em um sorriso tímido. Às vezes, parece sobrepujada por tanta atenção. Suas palavras, no entanto, são firmes: "Ser um símbolo cansa e é muito duro, me faz perder parte da minha privacidade como pessoa, por estar sempre exposta, mas nada disso faz com que deixe este caminho e continue lutando para libertar o meu povo, que é a única coisa que podemos fazer ", afirma. Diante do jornalista, olha para baixo e fala com voz suave: "É uma grande responsabilidade falar em nome de um povo que está sob ocupação, e também dá muito medo porque você é um alvo de Israel, podem voltar a te colocar na cadeia, perseguir e até mesmo matar. Mas, apesar disso, não podemos voltar atrás no caminho que estamos seguindo."

Ahed Tamimi, ativista palestina, na sede do El País, em Madri.
Ahed Tamimi, ativista palestina, na sede do El País, em Madri.Luis Sevillano

Tamimi participou nesta sexta-feira da recepção oficial de Mauricio Valiente, terceiro vice-prefeito de Madri. "Obrigado à família de Ahed por seu exemplo de combater a ocupação", disse o vereador. "Queremos mostrar nosso apoio à causa palestina, aqui na Câmara Municipal de Madri". Valiente lembra que "há mais de 300 crianças presas em presídios israelenses, um exemplo da política de Israel contrária aos direitos humanos na Palestina".

Após o ato, mais fotos, mais vídeos, a multidão se aglomera para tocar o símbolo. Pineda consegue sair com ela, se esgueirando até o gabinete de Valiente. Lá ela se senta com sua família, seus pais — "eles têm sido minha força, formaram minha personalidade, me ensinam, me ajudam, me apoiam e transmitiram essa coragem para mim", diz a jovem — e dois de seus irmãos, pois o terceiro está na prisão. Olha para o seu celular e abre o Facebook, responda a algumas mensagens nessa rede social. Agora ela relaxa e sorri. O cabelo cobre o rosto enquanto conversa com os amigos. Logo mais adotará um tom sério, quando entrar no carro oficial — da Delegação da Palestina na Espanha — para prosseguir com uma jornada comparável à de qualquer político de alto nível: recepção do Real Madrid no Santiago Bernabéu, visita à sede do PSOE em Ferraz, entrevista em vídeo ao EL PAÍS e depois encontro com Pablo Iglesias, líder do Podemos.

A jovem, na sede do El País.
A jovem, na sede do El País.Luis Sevillano

Em uma parada, ela fala sobre a visita à Espanha. "Durante esta viagem descobri quanto apoio, carinho e solidariedade os palestinos têm recebido, e isso levanta nosso ânimo", diz. Tamimi não se esquece da situação de crianças e adolescentes na Palestina ocupada: "As crianças não podem ir à escola todos os dias porque existem milhares de postos de controle, há sempre o risco de serem presas ou mortas no caminho", explica. "As crianças na Palestina não têm esperanças e sonhos normais, como outras crianças do mundo. Sempre temos impedimentos para viajar ou para realizar nossos sonhos", se queixa.

A pergunta, que surge durante o Facebook Live no EL PAÍS, é obrigatória. Deixaria a própria filha fazer o que você fez, bater em um soldado? "É claro que eu deixaria que ela fizesse o que eu fiz, mas espero que a geração seguinte à minha não tenha que viver sob ocupação, e tenho certeza de que nossa geração acabará com a ocupação." E conclui: "Tenho esperança de que o futuro vai ser melhor".

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