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Coluna
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Esse triste silêncio dos 50 milhões de jovens brasileiros

O país atravessa uma crise grave, que ameaça seus princípios democráticos e as liberdades conquistadas com duros sacrifícios, e esse sangue jovem parece adormecido

Kadmiel Pereira, de 19 anos, um dos jovens da série de reportagem 'Primeiro voto' do EL PAÍS Brasil.
Kadmiel Pereira, de 19 anos, um dos jovens da série de reportagem 'Primeiro voto' do EL PAÍS Brasil. Ed Ferreira

Há 50 milhões de jovens no Brasil, e seu silêncio é triste e assustador. O país atravessa uma crise grave, que ameaça seus princípios democráticos e as liberdades conquistadas com duros sacrifícios, e esse sangue jovem parece adormecido. Uivam as sirenes dos alarmes do ódio, e na rua emudecem as vozes dos jovens que deveriam querer um Brasil que ouça sua voz, com maior espaço para seus sonhos, que sempre são os de liberdade e de felicidade.

O paradoxo é que, segundo um estudo da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) da Presidência da República, 9 de cada 10 jovens brasileiros “acreditam ter capacidade de mudar o mundo”. E gostariam de mudá-lo. Sabem, entretanto, que não conseguirão fazer isso sozinhos, e sim pelas mãos de quem ponha fé neles, sem vontade de manipulá-los nem intoxicá-los, deixando que expressem o melhor de si mesmos.

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Talvez os jovens se calem porque sabem que os mais velhos, que são os que deveriam aproveitar sua capacidade de querer melhorar o mundo, perderam a fé neles. Quando se acredita neles, esses jovens se entregam e respondem com o entusiasmo dos que ainda não foram poluídos pelo veneno do pessimismo.

Pôde-se ver isso, por exemplo, dias atrás, na Sicília, onde milhares de jovens, crentes e agnósticos, se entusiasmaram com um discurso do papa Francisco, que aos seus 80 anos soube tocar as melhores fibras dessa multidão à qual o futuro pertence. “Não olhem a vida pela janela. Não se coloquem na rabeira da História. Sejam os protagonistas”, disse-lhes, eletrizando-os.

Alertou a não ficarem parados nem mudos, a “sujar as mãos”, já que, citando Pirandello, recordou-lhes que “a vida não se explica, vive-se”. E é justamente em tempos de crise, observou Francisco, que os jovens “não devem se resignar e devem empreender o caminho”.

Por que não se veem no Brasil líderes capazes de dizer a esses milhões de jovens, com autoridade e credibilidade, que deixem de olhar a vida pela janela? Que saiam à rua para oferecer o que eles ainda não perderam, como sua fé no futuro, sua convicção de que são capazes de mudar o mundo, se os deixarem, se tiverem espaço, se forem ouvidos, respeitados, amados?

Leio que muitos desses jovens brasileiros se preparam para votar no mês que vem em candidatos a presidente que colocam sua fé na violência das armas, que querem amordaçar os direitos e as liberdades que os jovens cultivam mais que os mais velhos, porque fazem parte da sua essência. Os jovens deveriam, no entanto, abominar as correntes com as quais a intolerância das ideologias pretende atá-los.

Não por caso, segundo o relatório do SNJ, o conceito mais valorizado pelos jovens brasileiros, depois do estudo, é a “liberdade de expressão”, a possibilidade de poder manifestar o que sentem e amam, assim como o que condenam e desprezam. Se é assustador saber que há jovens dispostos a votar em candidatos alérgicos aos valores que eles mais amam, é também que não haja líderes capazes de entusiasmar esses milhões de jovens, reconhecendo seu direito, como fez o papa Francisco, de “sujar as mãos”, de perder o medo de errar, desde que sendo fiéis ao que acreditam e amam.

Ao Brasil, neste momento crítico para sua democracia e seu futuro, não faltam jovens com vontade de abrir novos espaços de liberdade, de semear nos caminhos do país mais marcos de diálogo que cadáveres de desilusão e de medo. O que falta são líderes que não os condenem a serem abandonados. Falta-lhes quem faça profissão de fé no que o coração de todo jovem ama antes de ser envenenado pelo cansaço dos que perderam a fé em si mesmos.

Esses líderes que preferem os jovens “olhando a vida pela janela” acreditam só na caricatura do medo com a qual se disfarçaram. Tomara que os jovens, sobretudo os que irão pela primeira vez exercer seu direito democrático nas urnas, saibam distinguir o trigo do joio. Saibam desmascarar esses falsos profetas da violência e do pessimismo, que são mais um tropeço que um impulso em suas vidas ainda por escrever.

A esses jovens, que são maioria entre os leitores deste jornal, e muitos leem espanhol, estes versos do grande poeta uruguaio Mario Benedetti que revela suas angústias e seus desejos:

No te rindas, por favor, no cedas.

Aunque el frío queme, aunque el miedo muerda, aunque el sol se ponga y se acalle el viento, aún hay fuego en tu alma, aún hay vida en tu seno…

Abrir las puertas, quitar los cerrojos, bajar el puente y cruzar el foso, abandonar las murallas que te protegieron, volver a la vida y aceptar el reto.

[Não se renda, por favor, não ceda.

Mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda, mesmo que o sol se ponha e se acalme o vento, ainda há fogo em sua alma, ainda há vida em seu seio…

Abrir as portas, tirar os ferrolhos, baixar a ponte e cruzar o fosso, abandonar as muralhas que lhe protegeram, voltar à vida e aceitar o desafio.]

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