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Pesquisar e atrair público: os desafios dos museus no Brasil

Empresas preferem financiar exposições "blockbusters", deixando instituições com foco em pesquisa dependentes do dinheiro público

O Museu Nacional em chamas.
O Museu Nacional em chamas.RICARDO MORAES (Reuters)
Gil Alessi

Com os escombros ainda fumegantes, o Museu Nacional se tornou alvo de uma disputa política envolvendo o Governo e a UFRJ. O presidente Michel Temer editou na segunda-feira uma medida provisória que cria a Agência Brasileira de Museus (Abram), que será responsável por reerguer o Museu Nacional. “Caberá à Abram a coordenação deste processo, naturalmente que em parceria estreita com a Universidade Federal do Rio de Janeiro”, disse o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. A reitoria da UFRJ já havia se manifestado em nota sobre o assunto, afirmando que “qualquer medida dedicada a retirar da UFRJ o Museu Nacional representaria ato arbitrário e autoritário contra a autonomia universitária e a comunidade científica do país”. A polêmica reacendeu o debate sobre a gestão do patrimônio cultural no país, e principalmente sobre quem deve pagar a conta.

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A resposta para o debate, no entanto, não é única nem simples. Implica pensar desde o propósito e filiação de equipamentos como o museu até buscar experiências internacionais bem sucedidas que possam servir de baliza. 

“O incêndio no Museu Nacional afeta a quem?”, indaga Cecília Machado, historiadora e museóloga da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. A resposta da professora é dura: “A uma elite intelectual e acadêmica. A sociedade estava afastada dele, bem como dos demais museus de pesquisa. É preciso encontrar caminhos para unir os dois”. As estatísticas confirmam a afirmação de Machado. Com foco em pesquisas de ponta em diversas áreas do conhecimento e com um acervo de valor inestimável, o local recebeu em 2017 pouco mais de 190.000 pessoas. O número de visitantes é considerado baixo quando comparado, por exemplo, com o Museu do Futebol em São Paulo, que conta com um acervo modesto e teve quase 265.000 visitantes no período.

A crítica da professora, no entanto, não é contra este modelo de gestão – o Museu Nacional é administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e financiado com repasses do Governo. Machado tampouco é contra a produção de conhecimento científico. “Este atrelamento entre museu e universidade tem um lado bom e um ruim. Se por um lado tornam-se centros de referência em pesquisa, por outro a universidade não tem finalidade de ação museológica, cujo foco é também a comunicação e difusão deste conhecimento”, explica. Porém, em um cenário de crise econômica, corte de gastos nas áreas de educação e cultura e teto de gastos público este tipo de investimento em comunicação, fundamental para atrair o público e aproximá-lo do acervo, torna-se inviável para as faculdades públicas, diz.

De um lado o país conta com museus de pesquisa com seus acervos importantíssimos e pouco público. Por outro lado, temos os museus “de grande público”, que não se destacam pela produção de conhecimento científico. “Veja, por exemplo, no Estado de São Paulo o Museu do Futebol e o Catavento Cultural e Educacional. São sucessos de público, têm muito apelo popular e uma ótima difusão. Mas praticamente não fazem pesquisa”, afirma Machado. As duas instituições são geridas por organizações sociais ligadas à Secretaria da Cultura.

“O ideal seria que os museus tivessem um equilíbrio entre pesquisa e difusão”

A solução poderia passar por um meio termo entre os dois modelos. "O ideal seria que os museus tivessem um equilíbrio entre pesquisa e difusão”, explica Machado. Isso exigiria maior investimento do poder público e do setor privado na área cultural. Se por um lado aprovar projeto de captação de recursos via Lei Rouanet, por exemplo, não é difícil, conseguir os recursos é outra questão. “O problema é que as grandes empresas só se interessam por financiar projetos e exposições de alta visibilidade. Nenhum banco vai querer financiar a organização de um acervo, ou mesmo a reforma de um prédio histórico”, afirma a professora. O Museu Nacional, por exemplo, conseguiu aprovar seis projetos para tentar levantar recursos via Lei Rouanet. Foram pedidos 17,6 milhões de reais, mas captados apenas 1,07 milhão, segundo reportagem da Agência Lupa.

Na prática, “quem define para onde vai o dinheiro investido em Cultura são os departamentos de marketing das empresas”, critica o professor do departamento de Artes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Cauê Alves. “O modelo ideal seria que os museus não ligados a universidades, como o Masp, a Pinacoteca e o Mube, conseguissem captar verba para pesquisa. E por outro lado, que os museus de pesquisa, como o Museu Nacional, consigam captar verbas para levar exposições para o grande publico, algo que possa ser divulgado mais amplamente”, diz.

Mas esse cenário parece distante. Alves aponta para o aumento do fenômeno de “exposições blockbusters” importadas, enquanto “as pesquisas feitas aqui não se transformam em grandes exibições”. “Vemos cada vez mais exposições que são vendidas como um pacote fechado e que vão de país em país. Como, por exemplo, a exposição do Alfred Hitchcock e do Steve Jobs no Museu da Imagem e do Som”, lamenta.

O longo caminho do Museu Nacional ao Louvre

Do outro lado do Atlântico é possível encontrar exemplos de museus que encontram o equilíbrio entre pesquisa e difusão. Na Europa, praticamente todos os grandes museus são públicos. Como a demanda turística oferece uma receita constante, há um forte apelo para difusão das exposições, o que atrai capital privado. O Louvre, em Paris, por exemplo, teve em 2017 mais de 8 milhões de visitantes. O museu recebeu em 2003 autorização para captar recursos para a realização de projetos. Ao longo dos anos o percentual de dinheiro do Governo destinado à sua manutenção caiu ao mesmo tempo em que as arrecadações privadas aumentaram. Alguns projetos paralelos especiais do Museu, como a renovação do Jardim das Tulherias e a retirada do atendimento de visitantes de dentro da pirâmide de vidro da área externa, são financiados quase que inteiramente com capital privado. No ramo da pesquisa, o museu conta com núcleos especializados de produção científica dentro de cada área de curadoria - arte islâmica, pinturas, esculturas, etc. A instituição também conta com uma escola de ensino superior, chamada de École du Louvre, localizada no próprio palácio, com foco em arqueologia, história da arte, antropologia e epigrafia.

Mas se a realidade dos museus da Europa é distante da brasileira, o México têm um case de sucesso, com seu Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México. O local recebe mais de 2.3 milhões de visitantes por ano (a grande maioria mexicanos). Ele funciona com um modelo semelhante ao do Louvre, sendo gerenciado pelo Instituto Nacional de Antropologia e História, um órgão do Governo, mas conta com auxílio privado para se manter, com doações feitas via um sistema de patronato. A restauração do enorme mural Dualidad, do artista mexicano Rufino Tamayo, foi financiada inteiramente com dinheiro de empresas, assim como as obras de conservação no monólito de Tláloc, uma grande estátua de origem nahua localizada no jardim do museu.

Não há saída fácil para o caso brasileiro. “Temos que insistir para que haja uma continua melhoria do investimento público nos museus, e fora isso, precisamos constantemente formar gestores capazes de encontrar outras fontes de recurso”, afirma Maria Ignez Mantovani Franco, da Expomus - Exposições Museus Projetos Culturais. Ela destaca ainda que a situação dos museus universitários varia muito de acordo com o Estado. “O Museu do Ipiranga, ligado à Universidade de São Paulo, por exemplo, possui uma fundação que pode captar recursos via Lei Rouanet, mas isso depende do ordenamento jurídico de cada instituição”, diz. Além disso, Franco destaca que a USP possui uma “dotação orçamentária mais adequada para isso”. A previsão é que o Museu do Ipiranga reabra em 2022 após passar por extensas reformas.

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