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Cor da moda em Hollywood é o negro

Estreia de ‘BlacKkKlansman’ nos EUA coincide com uma avalanche de filmes de diretores afro-americanos e uma abertura do mercado

Na imagem, John David Washington.
Na imagem, John David Washington.

Além do Oscar de melhor roteiro original, além dos 225,5 milhões de euros (1 bilhão de reais) nas bilheterias mundiais, além de fazer história como vencedor da primeira estatueta a um roteirista afro-americano e a quinta indicação para um diretor negro, Corra! se transformou em um detonador para uma Hollywood à procura da diversidade. E para um público interessado em outras etnias além da caucasiana imperante. Os quase 1,15 bilhão de euros (5 bilhões de reais) de Pantera Negra assim o demonstraram no começo do ano nas bilheterias de todo o mundo. Agora chega a grande onda nos Estados Unidos: o black power está aqui para ficar.

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Sorry to Bother You e Blindspotting são os títulos independentes do momento nos EUA. E BlacKkKlansman não só levou o Grande Prêmio do Júri em Cannes como desde que chegou aos cinemas norte-americanos na sexta-feira se transformou em uma das melhores estreias de Spike Lee, tanto em crítica como em bilheteria, com 10 milhões de euros (45 milhões de reais) em seu primeiro fim de semana. Visando a nova temporada de prêmios, o festival de Toronto será a vitrine perfeita para O Ódio que Você Semeia enquanto Steve McQueen (12 Anos de Escravidão) retorna com Widows e Barry Jenkins (Moonlight) o faz com If Beale Street Could Talk. “Acontece a cada dez anos”, afirmou Lee ao EL PAÍS. O diretor de Faça a Coisa Certa sabe bastante sobre modas. “Toda década alguém me liga para falar da porra do ressurgimento do cinema negro”.

Além de sarcasmo Lee reconhece que dessa vez notou algo diferente. Porque em vez de responder à pergunta de praxe sobre o black power em Hollywood o que recebeu foi uma ligação de Jordan Peele propondo BlacKkKlansman. “E agora tudo o que ele quer, ele pode fazer”, diz Lee sobre o novo status do diretor de Corra! e agora seu produtor em BlacKkKlansman.

Tanto o filme de Peele como o sucesso de Pantera Negra derrubaram os argumentos mais recorrentes na indústria. No lugar de triturar o espectador com temas sociais, os dois filmes abriram a porta para outro tipo de histórias e gêneros. BlacKkKlansman narra a história aparentemente inacreditável, mas real, de um policial negro que se infiltrou na Ku-Klux-Klan na década de setenta. Sorry to Bother You é totalmente surrealista, mistura de realismo mágico e ficção científica centrado na história de um operador de telemarketing negro bem-sucedido por utilizar uma voz de branco. Um filme “provocador, divertido, irreverente e com significado” de acordo com a crítica. Os criadores de Blindspotting, Daveed Diggs e Rafael Casal, também definem seu filme sobre os problemas raciais de Oakland como um buddy comedy. “É uma comédia em um mundo intolerante, com humor, mas sem ignorar o contexto”, dizem os cantores da montagem original de Hamilton. Além de boas críticas (Blindspotting tem 91% de críticas favoráveis no site Rotten Tomatoes) os dois filmes independentes tiveram uma recepção decente nas bilheterias, na liderança nos lucros por sala. E essa é a única cor que Hollywood entende: o verde do dólar.

Pantera Negra foi um soco na boca dos que dizem que os filmes de negros não dão dinheiro. E que não funcionam no estrangeiro. É um argumento que já não poderão utilizar em Hollywood”, diz Lee. E em sua opinião – “como disse bem Cate Blanchet em Cannes”, comenta – a necessidade e a fome por um cinema que reflete a diversidade vai além das fronteiras norte-americanas. “A ascensão da direita radical é um fato mundial, não importa o país do qual estamos falando”, diz Lee. “A pobreza é pobreza e não depende de cores e fronteiras”, acrescenta Casal, branco de pele, descendente de espanhóis e irlandeses, mas criado no coração negro de Oakland. “Atualmente os imigrantes são o bode expiatório”, afirma Lee levando a necessidade de um cinema diverso para além da comunidade negra.

Um reflexo dessa pluralidade é a estreia de Podres de Ricos, a primeira produção de Hollywood dirigida e interpretada por talentos asiáticos. E a diversidade hispânica é cada vez maior na televisão, ainda que no cinema continue sem estar definida. “O que nos mata é a inconsistência”, alerta Edward James Olmos ao EL PAÍS lembrando que ele faz “histórias hispânicas” em Hollywood desde 1981 com Zoot Suit. “E até antes. Mas tudo depende do público. Se nos apoia, continuaremos avançando”.

Lee não exagerou ao falar do cíclico ressurgimento racial. O blaxplotation dos anos 70 foi seguido pelo cinema gângster dos 90 com títulos como Os Donos da Rua reflexo de uma realidade social e cultural. E o império de Tyler Perry marcou o novo milênio, ainda que sua força não tenha atravessado fronteiras. “Depois vieram nove anos de seca”, diz Lee, também membro dessas idas e vindas. Além disso, para cada sucesso como Pantera Negra há um fracasso como Uma Dobra no Tempo, dirigido por Ava DuVernay.

Lee afirma: em 2025 – “se não antes” – os brancos serão minoria nos EUA. “Até mesmo um racista apostará pela diversidade se quiser fazer negócios em Hollywood”, ri o diretor. Como afirma na revista Variety Peele, que prepara seu próximo longa-metragem, Corra! foi um filme de gênero porque ele se interessa pelo gênero: “É o que procuro, na televisão, no cinema... Uma via de escape sem que isso feche nossos olhos ao que se passa no mundo”.

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