A crise da Turquia não é só financeira e arrasta emergentes como o Brasil
A ofensiva de Donald Trump contra o caudilho turco parece especialmente incompreensível e perigosa
Quase como uma verdade inexorável, o verão no hemisfério Norte costuma trazer sua própria crise. Desta vez, o desabamento da lira turca, em decorrência do crescente enfrentamento entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, pôs em xeque boa parte das moedas emergentes. Do rand sul-africano e à rupia indiana passando pelo peso argentino e pelo moeda brasileira - na segunda, chegou a ser necessário 3,91 reais para comprar um dólar -, todos seguem minuto a minuto os acontecimentos do país euroasiático. Mas a crise da Turquia é muito mais que uma crise financeira.
A Turquia é um país membro da OTAN, com várias bases da Aliança em seu território – incluindo o Quartel-General do Comando Terrestre da OTAN, crucial para as operações militares dos aliados no Oriente Médio. Um sócio estratégico que compartilha fronteira terrestre com o Irã e a Síria e marítima, pelo mar Negro, com a Rússia, e que nos últimos anos serviu como muro de contenção da crise migratória europeia. Sob a presidência de Erdogan, Ancara já protagonizou alguns atritos com a Aliança por sua decisão de comprar o sofisticado sistema de defesa antimísseis S-400, fabricado pela Rússia, com a qual a OTAN se nega a compartilhar informação estratégica de segurança.
Por isso é especialmente incompreensível e perigosa, sob qualquer óptica diferente do populismo e do autoritarismo, a ofensiva de Donald Trump para encurralar o caudilho turco. Tratando-se de uma economia tão dependente do financiamento externo, as sucessivas desvalorizações da lira têm graves consequências econômicas não só para a Turquia como também para a Europa, altamente exposta através de alguns de seus bancos – BBVA, Unicredit e BNP Paribas – ao mercado euroasiático. Outros sócios dos Estados Unidos, como Tailândia, Indonésia e Índia, estão tomando nota do que pode significar a perda do privilégio do acesso isento de tarifas de seus produtos ao mercado norte-americano, como está acontecendo com o alumínio e o aço da Turquia.
No mundo emergente sentiu o movimento de aversão dos investigadores a mercados considerados menos seguros, como o Brasil ou Argentina - ainda que o país vizinho, que já vive uma crise cambial, seja considerado bem mais vulnerável. As autoridades argentinas subiram de 40% para 45% os juros do país enquanto o mercado brasileiro viu o dólar fechar no valor mais alto em um mês quando nem começaram para valer as turbulências advindas da campanha eleitoral para o Planalto.
Se o desabamento da lira prosseguir, restarão poucas opções à Turquia a não ser pedir um resgate financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Tampouco será barato: são necessários muitos milhões para estabilizar uma economia do tamanho da turca, que sofre o “efeito Erdogan”: déficit em conta corrente superior a 7% do PIB; dívida externa de 53,4%; inflação acima de 15%...
Um (novo) programa do FMI implicará que a Turquia deveria aceitar um severo programa de ajuste fiscal e um endurecimento da política monetária, justamente o contrário do que prega Erdogan – “as taxas de juros são o demônio” –, que para isso confiou o comando da economia ao seu genro, mais um fator de instabilidade. Mas há outro detalhe que coloca em risco até mesmo essa opção. Um acordo com o FMI precisa ser aprovado pelo próprio conselho do organismo, no qual os Estados Unidos têm uma maioria que lhe permitiria bloquear o resgate a qualquer momento. E, dados os rumos do atual conflito entre os dois países, não se deve descartar nada.
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