Argentina acerta com Brasil a entrega de dados sobre o ‘caso Odebrecht’
Pacto permitirá aos promotores em Buenos Aires interrogar os delatores da trama de propinas montada pela empreiteira brasileira
A Argentina poderá, finalmente, avançar na investigação da trama local do caso Odebrecht. As discordâncias entre promotores argentinos e brasileiros impediram até agora que Buenos Aires tivesse acesso aos depoimentos dos delatores da empreiteira, que são a base da Lava Jato, a maior investigação de corrupção em curso na América Latina. A Procuradoria argentina anunciou na sexta-feira que a partir de agora poderá trocar informações judiciais essenciais com o Brasil, o primeiro passo para ativar as investigações em seu país. A Odebrecht confessou às autoridades nos EUA que pagou 35 milhões de dólares (130 milhões de reais) em propinas a funcionários argentinos para ter acesso a contratos de obras públicas durante o kirchnerismo.
A rede da Odebrecht se estendeu por toda a região e a Argentina era até agora o único país que não havia avançado sobre as conexões legais. O Governo de Mauricio Macri negociou durante cinco meses com Brasília um acordo que permite à Justiça argentina ter acesso aos processos brasileiros onde, acredita-se, estão os nomes de dezenas de ex-funcionários de alto escalão argentinos subornados. O acordo, disse a Procuradoria em um comunicado, “serve [aos promotores] como uma ferramenta colocada a sua disposição para que em suas investigações tenham possibilidade de acessar as informações e provas reveladas no Brasil pelas pessoas que decidiram colaborar com as investigações desse país através de acordos de leniência e delação premiada”.
As provas obtidas não deverão prejudicar as investigações da Lava Jato no Brasil e não afetarão os acordos das testemunhas, ex-funcionários da Odebrecht que realizaram delações premiadas da trama. “Devido a essas restrições, serão os promotores que, dentro dos limites da autonomia própria de sua função, e de acordo com as estratégias e critérios de investigação segundo cada caso, irão avaliar definitivamente a conveniência da utilização da ferramenta de cooperação”, explicou o comunicado da Procuradoria.
Os meandros argentinos do processo Odebrecht são uma sombra que ameaça dezenas de funcionários de alto escalão do kirchnerismo ligados às obras públicas durante as presidências de Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015). Entre 2005 e 2012, a Odebrecht foi a empresa estrangeira mais beneficiada pelo tratamento preferencial a empresas do Mercosul e a boa sintonia dos Kirchner com seus homólogos brasileiros Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016). Em sociedade temporária com outras empresas, a Odebrecht obteve contratos do Estado argentino de 2,55 bilhões de dólares (9,5 bilhões de reais) até 2011, ano da última licitação obtida pela empresa.
A Odebrecht obteve seis grandes contratos durante o kirchnerismo. O primeiro em 2005, quando venceu a licitação para instalar 455 quilômetros de tubulação na rede dos gasodutos San Martín e Neuba. O trabalho nos gasodutos foi ampliado em 2007, quando a Odebrecht instalou com as argentinas Cammesa S.A e Grupo Albanesi S.A 2.100 quilômetros de tubulação ao longo de 15 províncias. Dois anos depois a empresa obteve, com as construtoras locais Roggio, Supercemento e Cartellone um contrato da estatal AySA para a construção de uma usina de tratamento de água. As obras, destinadas à região norte das cercanias de Buenos Aires, custaram 750 milhões de dólares (2,78 bilhões de reais), dos quais 76 milhões de dólares (281 milhões de reais) foram financiados por créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma prática que se repetiria em outros contratos.
A Odebrecht também trabalhou para o setor petrolífero. Em 2009, iniciou a construção de uma refinaria para a estatal YPF, com investimento de 348 milhões de dólares (1,3 bilhão de reais). Um ano depois, a Odebrecht participou do desenvolvimento da Potasio Río Colorado, uma fábrica de fertilizantes na província de Mendoza. O grande salto, entretanto, veio em 2011, quando a Odebrecht e um consórcio de empresas locais, dentre as quais a Iecsa, propriedade de Angelo Calcaterra, primo-irmão de Macri, obtiveram o contrato para o soterramento de 36,5 quilômetros de vias da Ferrovia Sarmiento que corre de leste a oeste em Buenos Aires. A obra, de custo estimado de 3 bilhões de dólares (11 bilhões de reais), teve 50% de seu financiamento através de créditos do BNDES. O Governo de Kirchner pagou 40 milhões de dólares (148 bilhões de reais) por uma tuneladora que só foi colocada em uso no Governo de Macri.
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