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A morte cruza com seu algoz no reduto da resistência a Daniel Ortega

Paramilitares leais ao presidente da Nicarágua tomam a cidade de Masaya, cujo bairro indígena de Monimbó promete não se curvar

Paramilitar vigia estabelecimento comercial em Monimbó
Paramilitar vigia estabelecimento comercial em MonimbóMARVIN RECINOS (AFP)

Se tem uma coisa que a família e os amigos de Josué Rafael Palacios perderam foi o medo. A caminho do cemitério, nesta quarta-feira, 18, o cortejo que carregava o caixão desse carpinteiro de 33 anos passou por um grupo de aproximadamente 50 homens mascarados, postados junto às paredes e cercas de um ginásio poliesportivo e armados com fuzis AK-47. Sob os capuzes, seus olhares desafiadores cruzavam com o olhar perdido de quem chora um morto e a cabeça erguida de quem não tem nada a temer.

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No começo da manhã de terça-feira, Palacios saiu de casa para ajudar os grupos que se preparavam para combater a ofensiva contra Monimbó, o bairro indígena de Masaya (oeste da Nicarágua), reduto da resistência ao presidente Daniel Ortega. Uma localidade com 160.000 habitantes, a apenas meia hora da capital, Manágua, e uma história repleta de façanhas. Esta cidade foi bombardeada por Anastasio Somoza nos estertores da sua ditadura, derrubada em 1979. Na terça-feira, completaram-se 39 anos do anúncio de que o ditador havia fugido do país após negociar com os Estados Unidos. A data que durante anos foi conhecida como Dia da Alegria tingiu-se de amargura.

Cerca de 2.000 seguidores armados de Ortega, entre policiais e forças de choque – que ninguém mais chama de turba e já são amplamente consideradas milícias paramilitares, com uniforme azul e encapuzados –, lançaram-se ao ataque contra o reduto rebelde a partir das primeiras horas de terça-feira. Usavam as mesmas armas longas que portariam um dia depois, ao caminharem triunfais pelas ruas da cidade. O armamento pesado contrastava com o artesanal da resistência. No caso de Palacios, seu pai assegura que só portava uma espécie de revolver caseiro. “Sua mulher insistiu para que ele por favor não saísse de casa, mas ele queria ajudar os rapazes”, contava com voz embargada o pai da vítima, José Ariel Palacios, de 54 anos, a caminho do cemitério. Seu filho levou um tiro no peito e outro no quadril. O corpo permaneceu estendido no chão durante horas. Ninguém podia retirá-lo. Os paramilitares espreitavam.

José Ariel oscila entre tranquilidade e raiva. Apenas 100 metros separam a porta do cemitério do ginásio Lomas de Sandino, de onde os verdugos desafiadores, de arma na mão, observam a passagem do cortejo e agora jogam futebol com total descontração. O pai de um dos mortos nos confrontos – a cifra varia entre quatro e seis – diz que, ao passar por eles, sentiu “um arrepio na pele, uma vontade de pegar uma arma e também matá-los”. Um sentimento de traição também corrói esse carpinteiro de 54 anos ao recordar que nos anos oitenta combateu pelos que hoje agitam uma bandeira que acabou com seu filho. Uma morte que não o impedirá de dizer o que pensa: “Eu não tenho medo deles, porque sei que vou morrer, que todos vamos morrer, mas não desta maneira”.

A tuba, o trombone os trompetes do Entre Amigos, uma banda de chicheros – grupo de instrumentos de sopro com uma sonoridade que recorda os de Nova Orleans –, marcam, ao som de Amor Eterno, a passagem do caixão de Palacios. Há quem timidamente apareça às portas e janelas de suas casas, de tijolo cru e telhas de barro, mas a maioria permanece encerrada.

Masaya vivia uma tensa calma nesta quarta-feira. Na entrada da cidade, horas antes bloqueada a qualquer um que quisesse acessá-la, havia um vaivém de veículos e entregadores de alimentos e bebidas, o que dava uma sensação de aparente normalidade. A imagem se alterava conforme se avançava rumo a Monimbó. Os milicianos de Ortega, de camisa azul e ainda encapuzados, vigiavam a praça central do bairro. Após limpar a zona de rebeldes, varriam o chão com uma AK-47 nas costas e se deslocavam em caminhonetes, lançando vivas, como um exército de ocupação. As barricadas de paralelepípedos, as ruas cheias de vidro e as pichações contra Ortega eram a lembrança deixada pelos rebeldes.

“Operação limpeza”

“Nosso objetivo é a paz”, dizia um homem fornido, encapuzado, que como todos não quis dar seu nome “por uma questão de segurança”. Após consultar um superior, a maioria concordava em falar. “Este é o último reduto que restava, e já o liberamos”, afirmava.

“Não somos paramilitares”, dizia outro, com tom de arrogância e cinismo. “Ortega não teve nada a ver com isso, somos o povo que se levantou para procurar sua liberdade. Não sentimos que estamos fazendo um mal. Delinquentes são os outros. Os que estupram, saqueiam, torturam”, afirmava em referência aos manifestantes da oposição. São as mesmas acusações que os habitantes fazem contra estas forças parapoliciais.

“Estávamos muito preparados”, recorda outro, que diz trabalhar como pizzaiolo, junto a uma caminhonete com um morteiro expropriado dos rebeldes. “Entramos com a polícia”, admite esse encapuzado, “porque os moradores não podiam sair de suas casas”. Seu objetivo era derrubar as barricadas montadas por cidadãos de Monimbó como forma de protesto contra o presidente Daniel Ortega. A operação consistia em atacar as barricadas e depois colocar máquinas pesadas para destruir as trincheiras.

As organizações de direitos humanos da Nicarágua descrevem esse tipo de ação como uma “operação limpeza”, enquanto o chefe da Polícia de Masaya, delegado Ramón Avellán, disse que o ataque à cidade foi uma ordem do presidente Ortega e que “limpariam” Masaya a qualquer custo. “Uma vez feito o trabalho, uma vez limpo, procedemos a trabalhar com gente da prefeitura para que as pessoas ficassem tranquilas”, declara com total normalidade um dos partidários de Ortega, que alega não poder tirar o capuz porque seria morto.

“Apoiamos o Governo, e vamos neutralizar qualquer indício de guerra”, dizia um dos encapuzados, que se identificou como Chispa, de 33 anos. Ele argumenta que os manifestantes por trás das barricadas “mantinham o bairro sequestrado” e que por isso os moradores se “viram obrigados” a intervir, porque o país inteiro estava sitiado. “Não matamos gente, só os capturamos e os entregamos à Polícia”.

“Os moradores estão contentes porque os liberamos. Com esta limpeza as pessoas perdem o medo. A normalização é permanente”, garantia um dos leais a Ortega. Jairo, um eletricista de 39 anos, comemorava a investida dos partidários do presidente. “Finalmente podemos trabalhar”, dizia, na porta da sua oficina. A alguns metros, na pracinha, não paravam de circular caminhonetes cheias de paramilitares ao grito de “Viva Daniel!”.

Os encapuzados dizem que só irão embora de Monimbó e de Masaya quanto tiverem certeza de que todos os redutos rebeldes foram eliminados. Durante a primeira noite, segundo alguns moradores que pediam anonimato, as milícias foram de porta em porta procurando os líderes da revolta, cabeças que, dá-se como certo, recuaram, mas não se renderam. Um dos encapuzados assentia, junto a uma caminhonete: “Não duvidamos de que vão voltar”.

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