Amar demais não é amar
Codependente é a mãe do jogador compulsivo que paga as dívidas do filho. Ou a pessoa que volta várias vezes com o cônjuge que a humilha. Sente que quer ajudar o outro, mas só aumenta seus problemas.
Sin ti no soy nada [sem você não sou nada] é uma conhecida canção da banda espanhola Amaral. Também seria um título adequado para um livro que falasse sobre uma das maneiras mais destrutivas de se relacionar com o parceiro: a codependência emocional. Uma forma de se entregar ao outro que, no imaginário romântico, é entendida como o amor mais grandioso. Tão grandioso que pressupõe autoimolação. Uma pessoa codependente se envolve em um tipo de sentimento que não corresponde ao amor, apesar de parecer que sim. Trata-se de um sentimento enorme e incontrolável, que não nasce de um afeto ou desejo sadios por alguém, mas de uma carência dolorosa: “Necessito que você necessite de mim”, como resume a psicóloga Cayetana Egusquiza.
Eliminar condutas de codependência não significa abandonar o outro. Implica distanciar-se para voltar a se unir
A especialista em terapia familiar sistêmica destaca como um dos traços fundamentais dessas pessoas seu “afã por salvar, esquecendo-se de si mesmas e antepondo as necessidades e problemas do outro aos próprios”. Os codependentes vivem uma vida que não é deles, sacrificando suas necessidades e desejos, e isso lhes provoca um sofrimento e um estado de ansiedade que transtorna suas rotinas. Costumam chegar à consulta com problemas de sono, ansiedade, dificuldade de concentração, alterações alimentares. Anulados como indivíduos com necessidades e desejos pessoais, tornam-se obsessivos. E acabam desenvolvendo condutas de controle em relação a quem desejam manter-se ligados.
É difícil para essas pessoas colocar limites, mesmo que o cônjuge o prejudique. É a mãe do jogador compulsivo que paga as dívidas de jogo do filho, ou a pessoa que volta várias vezes com um parceiro que a submete a contínuas humilhações para alimentar seu ego. Essa eterna recaída no abuso, uma tendência evidentemente prejudicial, tem um porquê: “O codependente tenta se sentir necessário e útil, e isso é mais fácil de conseguir ao lado de alguém com problemas; esse tipo de personalidade tem dificuldade de se afastar de uma relação problemática porque, mesmo que machuque, ativa sua função de salvador”, explica Egusquiza.
A simbiose é perfeita: um codependente e alguém com problemas ou transtornos psicológicos são duas peças de um quebra-cabeças que se encaixam perfeitamente. Em vez de se beneficiar da união, ambos alimentam suas disfunções. “O codependente é uma figura fundamental para alimentar a conduta problemática de seu protegido”, ilustra a psicóloga. “Longe de ajudar —como é sua intenção—, mantém o problema ativo.” No caso da mãe que paga as dívidas do filho, ela acredita que está ajudando quando na verdade está favorecendo que o filho não assuma as consequências de seus atos e, portanto, não enfrente o problema. Ele precisa dela para que se encarregue material e emocionalmente de sua vida; ela necessita que ele continue necessitando... Um enredo perverso.
No tratamento de pacientes com adições, os psicólogos costumam atender seu entorno afetivo mais próximo para detectar relações com pessoas codependentes que entorpeçam, sem ter consciência, a cura. Em alguns casos de maus-tratos repetidos no casal, sejam físico, sejam psicológicos, também pode ocorrer essa situação de codependência da vítima, quando esta é incapaz de cortar o vínculo.
Não se deve querer mudar o outro, mas modificar nossa forma de nos comunicar e de agir com ele
Mas, além desses casos graves, há muitas formas de permanecer envolvido em relações abusivas por medo do abandono. É o que a psicológica Silvia Congost chama de “enganche tóxico”. Ou seja, acreditar que não se pode viver sem a outra pessoa. Para a especialista, a codependência pressupõe “a incapacidade de romper uma relação quando se sabe que é necessário fazer isso” porque lhe provoca mais sofrimento do que bem-estar. Cayetana Egusquiza afirma que qualquer pessoa, em algum momento da vida, pode cair em um episódio de dependência leve, mas diz que há um fator de risco em pessoas cuja infância se desenvolveu em uma família com “padrões disfuncionais: vícios, transtornos psicológicos, abusos ou negligência emocional... Ou pais que não puderam prestar a atenção adequada por alguma circunstância”.
A saída passa por enfrentar o problema. “Deixar de racionalizar e de justificar; é preciso entender de onde vem e o que mantém ativa essa necessidade de ser necessitado e concentrar-se no autocuidado”, explica Egusquiza. É importante ter claro que eliminar condutas de codependência não significa abandonar o outro, muito pelo contrário. Implica saber impor distância, de forma que cada um comece a cuidar do que é seu. Que se torne responsável pelos próprios atos e suas consequências. Para desativar a codependência não é imprescindível, portanto, romper a relação: basta manter o foco em si mesmo. “Não se deve querer mudar o outro, mas modificar nossa forma de nos comunicar e de agir com ele; assim a relação mudará”, assegura Egusquiza. Até que ponto, se verá. Mas que seja um lugar melhor, sem dúvida.
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