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A República da Wikipedia contra o triunfo da mentira

Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, fotografado em Londres.
Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, fotografado em Londres.Manuel Vázquez

A Wikipedia é o quinto site mais visitado do planeta. Uma enciclopédia mantida por voluntários que dá acesso livre à soma do saber humano. Seu destino lógico era o caos. Mas se transformou em uma das maravilhas da Internet: um fenômeno global que agora se posiciona para lutar contra a pós-verdade. Entramos em sua comunidade através de seu fundador, Jimmy Wales, e dos editores que sustentam sua aposta.

Todos os dias, após a refeição, Lourdes Cardenal se senta diante do computador e não se levanta até às seis da tarde: hora de seu café com leite e torrada com geleia de laranja amarga. Agora está trabalhando em um artigo sobre a Assíria: ampliando-o e acrescentando referências. Ela mesma o escreveu em 13 de setembro de 2004. Foi uma de suas primeiras contribuições à Wikipedia em espanhol, a filial da popular enciclopédia online que nem os mais otimistas apostaram que chegaria tão longe: não só continua existindo, 17 anos depois de sua criação, como é o quinto site mais visitado do planeta, atrás somente do Google, YouTube, Facebook e o buscador chinês Baidu. Professora que deixou de exercer a profissão após se casar e amante das artes, Cardenal começou a editar com 63 anos. Hoje tem 78 e é uma das wikipedistas mais veteranas e caprichosas. “Não somos sábios”, defende com entusiasmo. “Simplesmente vivemos com a vontade de que outros aprendam o que nós aprendemos”. Para não se esquecer, em um papel escreveu a longa lista de assuntos sobre os que escreveu: desabrigados, monastérios, cerâmica, roupa, zarzuelas (obra de origem espanhola em que canções e ritmos instrumentais se alternam com diálogos)... Não concebe sua vida sem a Wikipedia. E jamais teria imaginado que esse hobby tardio a levaria em 2015 aos salões do Teatro Campoamor de Oviedo para receber o Prêmio Princesa de Astúrias de Cooperação Internacional, que reconheceu o valor dessa “enciclopédia livre, poliglota e editada em colaboração” que tantas alegrias lhe deu. “Nós voluntários continuamos trabalhando por nossa própria satisfação. A Wikipedia é um fenômeno assombroso. Eu acho que nem mesmo Jimmy Wales acredita no que se tornou”.

Jimmy Wales (Huntsville, Estados Unidos, 1966) tinha apenas três anos quando sua mãe comprou uma enciclopédia para crianças. Quando aprendeu a ler, passava horas consultando os artigos ilustrados com fotografias em preto e branco. Era fascinado por esses 22 tomos que seus pais guardavam na estante da sala. Em 1994, após terminar a universidade, Wales se mudou para Chicago para trabalhar em uma empresa financeira – era um operador da Bolsa meticuloso e certeiro, mas não muito agressivo, de acordo com seu chefe –, e quatro anos depois foi para San Diego começar uma nova vida: utilizou suas economias para lançar um portal na Internet. Lembrem-se: estamos nos anos noventa, no mundo antes do Google, e nessa época o Yahoo era o rei. O negócio ia razoavelmente bem, de modo que Wales decidiu experimentar e, ao mesmo tempo, realizar um sonho de infância: queria criar uma enciclopédia online que se chamaria Nupedia. Contratou Larry Sanger, um doutorando de Filosofia que havia conhecido em um fórum na Internet, para que gerisse o projeto e em março de 2000 começaram a trabalhar: pediam artigos a especialistas, que depois submetiam a um processo de sete passos que, superadas todas as revisões, publicavam na Rede em sua versão definitiva. O método de trabalho habitual nas enciclopédias clássicas. O objetivo era que, com o tempo, a Nupedia se sustentasse com rendimentos publicitários. Mas, após um ano de trabalho, o balanço não era exatamente promissor: existiam 21 artigos publicados e 150 nos rascunhos. Algo precisava mudar.

“Uma enciclopédia livre é uma ideia inspiradora. A Wikipedia é o que a Internet deveria ser”

Sanger se inteirou, graças a um amigo, que existia uma ferramenta de software chamada wiki que permitia escrever e editar de maneira colaborativa. E decidiram tenta a sorte: a Wikipedia nasceu em 15 de janeiro de 2001. Em um mês já haviam superado os 1.000 artigos e não demorariam a aparecer edições em francês, espanhol, italiano, alemão, russo... Hoje têm 301 idiomas – entre eles, catalão, basco e galego –. Quase duas décadas depois, Wales ainda lembra que o tráfego se multiplicava a cada mês e ele mesmo precisava instalar os servidores. Se um projeto tão utópico – acesso livre à soma do conhecimento humano em um só lugar e mantido por voluntários – triunfou, acha, é porque “uma enciclopédia livre representa uma ideia inspiradora e emocionante. É um sonho materializado: é isso o que a Internet deveria ser. Além disso, editar a Wikipedia é divertido. Se você passa algumas horas do domingo pesquisando e escrevendo um artigo, você vai dormir sentindo que o mundo é um pouco melhor”.

Wales é uma das personalidades de maior destaque da Internet. O pai de um dos grandes tesouros da Rede. Um compêndio do conhecimento livre que tem mais de 15 bilhões de visualizações por mês, mais de 47 bilhões de artigos e 72.000 editores ativos. Um movimento que perdura graças ao esforço, à dedicação e à capacidade dos voluntários, e que se orgulha de sua diferença: em suas páginas não há publicidade, sua única forma de financiamento são as doações. Também é, como gosta de afirmar a imprensa anglo-saxã, o único membro não multimilionário do clube dos fundadores dos sites que monopolizam a atenção mundial – Mark Zuckerberg, Larry Page e Sergey Brin, Jeff Bezos…—. Vestido com uma camisa azul, jeans pretas e chinelos Vans, olha pela janela e afirma: “Aqui em Londres existem muitos banqueiros que ganham mais do que eu jamais ganharei, mas minha vida é 10 vezes mais interessante. O sucesso da Wikipedia não está somente em sua popularidade: é a demonstração da bondade e da colaboração coletivas. Além disso, graças a ela posso conhecer quem eu quiser, participar de projetos muito estimulantes e ter voz para opinar sobre assuntos que me importam, como a liberdade de expressão”.

Lourdes Cardenal, de 78 anos, fotografada em Valladolid. Veterana editora da Wikipedia em espanhol, sua primeira incursão na enciclopédia foi com um artigo do pintor Édouard Manet.
Lourdes Cardenal, de 78 anos, fotografada em Valladolid. Veterana editora da Wikipedia em espanhol, sua primeira incursão na enciclopédia foi com um artigo do pintor Édouard Manet.Manuel Vázquez

O norte-americano mora em Londres desde 2012, quando se casou pela terceira vez com Kate Garvey, ex-assistente de Tony Blair, e nos recebe nos escritórios de sua nova aventura, a WikiTribune – que, apesar do prefixo, é uma iniciativa totalmente independente da Wikipedia –, localizada em um imponente arranha-céu projetado por Renzo Piano às margens do Tâmisa. Agora Wales quer aplicar a fórmula Wikipedia às notícias: na WikiTribune, que ainda está em fase de testes, os artigos serão submetidos a uma revisão tanto por parte de jornalistas profissionais como por membros da comunidade. A ideia, frisa, é não desperdiçar a “inteligência coletiva” relegando-a aos comentários no final da página. Ele o chama de jornalismo de evidência. “Fico perturbado com a ideia de que vivemos em um mundo da pós-verdade. É uma loucura. O modelo de negócios dos veículos de comunicação está há muito tempo sob ataque e até os jornais sérios enfrentam o dilema de fazer jornalismo de qualidade, que é muito caro, ou contratar jovens para escrever conteúdos virais, que é muito barato. É preciso encontrar novos modelos”.

Não devemos esperar escritórios como os do Google, dizem. “Somos uma associação sem fins lucrativos”, diz John Lubbock, responsável de comunicação da Wikimedia UK, entidade ligada à Fundação Wikimedia, organização que sustenta a Wikipedia e outros projetos irmãos menos conhecidos como o Wikicionario, Wikiviagens, Wikiversidade e Wikinoticias. Criada por Wales em 2003, com sede em San Francisco e 302 funcionários espalhados por todo o mundo, a fundação, dirigida por Katherine Maher – Wales já não está no dia a dia, mas faz parte do conselho de direção e continua fazendo o tradicional discurso conhecido como o estado da Wiki na conferência anual Wikimania –, se nutre de doações para realizar suas atividades: no exercício de 2016-2017 arrecadaram 91 milhões de dólares (350 milhões de reais) e aproximadamente 90% de suas contribuições vêm de particulares que dão, em média, 15 dólares (60 reais).

O poder da Wikipedia reside na Wikipedia: a comunidade tem controle total do conteúdo

Efetivamente, o escritório da Wikimedia em Londres se localiza em uma rua próxima a Tate Modern e é um retângulo pouco fotogênico que termina em vitrôs e exibe o desgastado carpete de praxe. Para isso estamos em solo britânico. Tem uma pequena sala de reuniões e o restante do espaço é ocupado pelas mesas de seus nove funcionários. “Aqui fundamentalmente nos dedicamos a apoiar os projetos da Wikimedia e a comunidade, a arrecadar dinheiro, pois nosso financiamento vem de uma verba da Wikimedia e fundos próprios, e a estabelecer projetos de colaboração com instituições culturais e educativas”, diz Lubbock. No começo, criar um novo artigo na Wikipedia e modificar um existente era tão simples como apertar o botão de “Editar”. Não era preciso sequer se registrar. “Agora somos uma comunidade enorme e existem mais regras”, afirma. “É necessário uma certa aprendizagem. Por isso, cada vez organizamos mais oficinas para não se perder na Wikipedia”.

Em cima, Rubén Ojeda, coordenador de programas, e Virginia Díez, diretora de comunicação da Wikimedia Espanha. Atualmente, a associação tem 165 sócios. Embaixo, Miguel García, 'wikipedista' espanhol de 26 anos.
Em cima, Rubén Ojeda, coordenador de programas, e Virginia Díez, diretora de comunicação da Wikimedia Espanha. Atualmente, a associação tem 165 sócios. Embaixo, Miguel García, 'wikipedista' espanhol de 26 anos.Manuel Vázquez

“Pobres novatos”, costumam repetir com um sorriso de lado os colaboradores mais experientes. Por que não se pode criar a biografia de tal pessoa? Por que apagaram a correção que fiz? Solicito a intervenção de um bibliotecário! Essas são mensagens habituais nas páginas de discussão da enciclopédia que, entre suas normas de bom funcionamento, relembra os veteranos que não sejam hostis com ninguém em geral e com os novos em particular. Há muito trabalho a fazer. Evidentemente, nem sempre são razoáveis —esta plataforma colaborativa não é alheia às disputas, mas carece da toxicidade que campeia em muitos fóruns de Internet. “Acho que, em geral, temos um ambiente saudável, porque nunca dissemos: ‘A liberdade de expressão da Wikipedia não tem restrições. Expresse o que quiser’. Sempre tentamos que houvesse um comportamento adequado”, afirma Wales. E quem vela tanto pela qualidade do conteúdo como pela harmonia da comunidade são os próprios voluntários. A enciclopédia tem uma complexa hierarquia de usuários que têm certos direitos de edição e gestão das páginas. Por exemplo, só os verificados, ou seja, aqueles que realizaram um mínimo de 50 edições, podem editar páginas que foram semiprotegidas para evitar vandalismo, e os bibliotecários, a principal figura encarregada da manutenção da ordem na Wikipedia em espanhol —isso pode variar em função da edição— são escolhidos por votação. Entre suas atribuições estão a de apagar ou restaurar páginas e bloquear outros usuários. O poder da Wikipedia está na Wikipedia. A comunidade se rege por uma série de políticas e convenções obtidas por consenso e não responde a ninguém: a Fundação Wikimedia apenas presta suporte técnico e faz a redistribuição dos recursos, mas não intervém no funcionamento diário nem exerce qualquer tipo de controle sobre o conteúdo. É uma república independente. O próprio Jimmy Wales teve seus altos e baixos com os empoderados editores quando quis mudar sua data de nascimento: a entrada diz que ele veio ao mundo em 8 de agosto de 1966, mas na realidade foi dia 7 à noite. Quando tentou corrigir a data, os wikipedistas se opuseram, e aí começou um debate que levou anos até ser resolvido. E na verdade não faltavam motivos para os usuários: havia um documento oficial respaldando a data errada e apenas o testemunho de Wales defendendo a correção. De fato, foi ele quem se encarregou de elencar os princípios que os voluntários veneram acima de todas as coisas: os artigos devem ser bem escritos, neutros em seus pontos de vista e apoiar-se em fontes confiáveis e verificáveis.

Não tem explicação. É um vício. Um vírus. Quase um estilo de vida. Os wikipedistas sempre estão pensando no artigo seguinte. E não vivem o hoje como o resto dos mortais: quando surge uma notícia, eles estão a postos para introduzir as novidades na enciclopédia (e para conter os trolls com vontade de se divertir), que é atualizada em ritmo vertiginoso. Poucos minutos depois de receber a moção de censura, Pedro Sánchez já figurava como presidente do Governo da Espanha. Julen Lopetegui chegou a ser nomeado treinador do Real Madri antes do anúncio oficial e editores veteranos tiveram de conter o entusiasmo de quem se adiantou aos acontecimentos —em todas as entradas da enciclopédia há um histórico e uma página de discussão na qual se pode consultar todas as mudanças e, em muitos casos, os acalorados debates que suscitam. “Talvez seja extremo, mas recorro à Wikipedia para me informar de fatos recentes em vez dos jornais, porque lá encontro uma história com começo, meio e fim. E, sem dúvida, quando viajo me organizo com a Wikipedia: consulto o que tenho de visitar, e se detecto que falta algo importante, completo”, relata Miguel García, jurista de Valladolid de 26 anos e editor desde os 15. “No ano passado estive em Atenas e reparei que não havia artigo em espanhol sobre o Antigo Palácio Real. Como assim? Se fica na praça Sintagma, onde ocorreram as manifestações contra os cortes durante a crise! Na hora coloquei mãos à obra”.

Escritórios da Wikimedia UK, associação ligada à Fundação Wikimedia, organização que sustenta a Wikimedia e outros projetos 'wiki' menos conhecidos.
Escritórios da Wikimedia UK, associação ligada à Fundação Wikimedia, organização que sustenta a Wikimedia e outros projetos 'wiki' menos conhecidos.Manuel Vázquez

Lourdes Cardenal também organiza excursões com seu marido, Nicolás —ele tira as fotos—, para visitar desertos, um dos temas que os apaixona. E na Wikimedia Espanha —aqui a associação tem dois funcionários, Rubén Ojeda e Virginia Díez, e 165 sócios— se impuseram o desafio de que não haja sequer um município espanhol sem foto na enciclopédia: na última viagem percorreram a província de Cuenca. Restam apenas 650 municípios para que declarem a missão cumprida. “A Wikipedia é uma rede social do conhecimento: uma maravilhosa experiência humana construída a partir do altruísmo. Não somos robôs grudados no computador, no fim acabamos nos conhecendo e fazendo amigos. Essa é a mágica. Jimmy Wales poderia ser um Mark Zuckerberg, mas preferiu fazer as coisas de outra forma. Se fosse uma iniciativa do Google, seria diferente: seria uma enciclopédia convencional do século XXI, mas nada extraordinário”, argumenta García.

Em março passado, em uma entrevista durante o festival South by Southwest em Austin (Texas), Susan Wojcicki, diretora executiva do YouTube, anunciou que se aliariam à Wikipedia para lutar contra a proliferação de teorias conspiratórias e desinformação nesta plataforma de vídeo do Google. Algumas semanas depois, o Facebook também comunicou que seus engenheiros estavam trabalhando com a enciclopédia para frear as fake news na rede social. Dois gigantes tecnológicos recorriam a uma organização sem fins lucrativos, de orçamento apertado e sustentada pelo esforço de voluntários, para tentar resolver uma crise grave.

A notícia foi recebida na comunidade wikipedista como um elogio a seu trabalho: ficavam para trás os tempos em que se questionava a fidelidade de uma enciclopédia que, ainda que imperfeita, se esforça para melhorar a qualidade de seu conteúdo. Outro triunfo para a história da Wikipedia, onde ainda ressoa o veredito da prestigiosa revista Nature, que, depois de uma análise rigorosa, concluiu que os artigos científicos da Wikipedia não deixavam nada a desejar aos da canônica Encyclopaedia Britannica: “Nossos revisores encontraram uma média de quatro erros por entrada da Wikipedia e três nas da Britannica”.

“O ‘wikipedista’ médio é um homem ocidental, de 28 anos, solteiro e sem filhos. Falta diversidade”

Para Wales é uma boa notícia que esse tipo de empresa avalie as milhões de páginas da Wikipedia. “Somos uma entidade sem fins comerciais e com um enorme recurso público que todos, pessoas físicas e jurídicas, podem usar. Nosso conteúdo é livre. Pedimos a nossos leitores que doem e creio que essas companhias se beneficiam do trabalho da comunidade também devem dar sua parte”.

O patrimônio wikipedista é muito útil para o Google, que obtém da enciclopédia boa parte das informações que nos oferece em seu Gráfico de Conhecimento —o quadro que aparece à direita em determinadas buscas e que se, por exemplo, procuramos “Clara Campoamor”, nos permite ver de uma só vez seus dados biográficos, principais livros e personalidades relacionadas—; para assistentes de voz como a Siri da Apple ou a Alexa da Amazon, que encontram na Wikipedia a resposta para as perguntas que lhes são feitas, ou para todos aqueles que trabalham com inteligência artificial e precisam treinar seus algoritmos. Segundo Katherine Maher, diretora executiva da Fundação Wikimedia, estão diante de uma grande oportunidade. “Não queremos depender das doações de uma única companhia, mas seria realmente importante para nós obter um compromisso de apoio em longo prazo de diferentes empresas, porque estamos criando um fundo que garanta o futuro da Wikipedia inclusive caso a Fundação Wikimedia deixe de existir”.

Em teoria, a Wikipedia não deveria funcionar. Seu destino lógico era o caos. Mas, na prática, existe. Para vislumbrar seu futuro, porém, Wales elenca várias tarefas pendentes. “Precisamos continuar cultivando uma comunidade saudável, porque de outra forma desapareceríamos, e temos de nos adaptar às mudanças tecnológicas. Quando começamos, os smartphones não existiam e agora 50% de nosso tráfego é feito por esses dispositivos, que nos trazem muitos leitores, mas nós também queremos editores. E não é tão simples escrever um artigo do celular. Isso é um desafio”. A diversidade é outro ponto fraco: menos de 20% das voluntárias da Wikipedia são mulheres. “Estamos tentando corrigir o desequilíbrio e não só por correção política, mas por qualidade e diversidade de conteúdo. O wikipedista médio é um homem ocidental de 28 anos, solteiro e sem filhos, e portanto muitas realidades lhe são alheias. Precisamos de uma comunidade variada para cobrir a totalidade da experiência humana”, justifica.

Carmen Galdón Corbella, responsável do grupo feminista de edição de conteúdos Cuarto Propio, e María Sefidari, experiente editora, vice-presidenta da Fundação Wikimedia e fundadora da Wikimujeres, grupo que pretende reduzir a diferença de gênero na enciclopédia livre.
Carmen Galdón Corbella, responsável do grupo feminista de edição de conteúdos Cuarto Propio, e María Sefidari, experiente editora, vice-presidenta da Fundação Wikimedia e fundadora da Wikimujeres, grupo que pretende reduzir a diferença de gênero na enciclopédia livre.Manuel Vázquez

Desde 2015, a Wikimedia Espanha organizou 33 jornadas de edição coletiva —chamadas em espanhol de editatonas, do inglês edit-a-thon, combinação dos termos edit e marathon— para reduzir a distância de gênero e melhorar os conteúdos sobre as conquistas das mulheres nas ciências, literatura e informática. Na versão em espanhol, as biografias femininas ficam em 20% —a média global está em 17%. Em 8 de março passado, bem a tempo da efeméride, Adrián Estévez concluiu os 100wikidays, o desafio que talvez melhor ilustre o fervor wikipedista: escreveu um artigo por dia durante 100 dias consecutivos. Em seu caso, sobre escritoras que não tinham página na Galipedia, a edição em galego da enciclopédia livre, como Anaïs Nin, Alfonsina Storni e Pilar Millán Astray. María Sefidari, vice-presidenta da Fundación Wikimedia e voluntária desde 2006, acabou sua maratona exausta. Ela escreveu e traduziu artigos de mulheres notáveis como a bioquímica Rita Harradence e a antropóloga de Donostia Begoña Aretxaga. Ainda não sabe se vai repetir a dose. “Foi difícil”, lembra. “Mas é preciso aproveitar este recurso, único na Internet, para lutar contra os preconceitos e, sobretudo no caso das mulheres, contra inibições internas que nos levam a nos perguntar: ‘Quem sou eu para escrever sobre determinado tema?”.

Todas as terças-feiras. Das 18h30 às 20h30. O grupo de trabalho Quarto Próprio se reúne em um dos laboratórios do centro cultural Medialab-Prado, em Madri. Sua missão? Queremos que haja referenciais femininos na Wikipedia. Porque faltam”, explica Carmen Galdón Corbella, fundadora dessa iniciativa que nasceu em 2015. Seu núcleo duro é formado por oito membros —o coletivo é aberto a homens e, de fato, há três meses o professor de língua e literatura Jesús Eloy Pérez Alonso vai (quase) todas as terças: está cobrindo lacunas na categoria de autoras de romances juvenis. “Aqui realizamos uma leitura colaborativa de todos os nossos artigos. Comemoramos e nos aplaudimos quando publicamos”, relata Mónica Fernández. Quarto Próprio criou as biografias da matemática María Pazos e da fotografa Paula Anta, e retocou a de Amparo Barayón para que seus méritos —foi pianista e ativista— figurassem antes que a profissão de seus pais e seu casamento com o escritor Ramón J. Sender. Depois que acumularem mais experiência de edição, confessam, aspiram a se debruçar sobre entradas mais espinhosas como patriarcado, feminismo ou violência machista que, na opinião delas, não recebem o tratamento devido na enciclopédia. “Pensamos muito sobre os artigos de mulheres que escrevemos para que sejam impecáveis e para que não possam nos dizer que não são interessantes ou enciclopedicamente relevantes. Editar é relativamente simples, mas depois você se depara com os bastidores humanos e os jogos de poder que também existem: esta enciclopédia é um reflexo da sociedade”, afirma Galdón Corbella. “A Wikipedia pega porque permite a você ver sua contribuição coletiva. É emocionante e empoderante saber que você pode escrever a história”. Ou, pelo menos, reescrevê-la.

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