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Coluna
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Trump surfa na onda nacionalista dos Estados Unidos

Para americanos, velho modelo esquerda-x-direita não traduz mais o espírito do tempo. A dicotomia globalismo-x-nacionalismo vem ocupando seu lugar.

Oliver Stuenkel
A já icônica foto do Trump no G7
A já icônica foto do Trump no G7JESCO DENZEL (AP)

Quando a icônica fotografia de Angela Merkel encarando Donald Trump durante a recente Cúpula do G-7 viralizou nas redes sociais, muitos observadores ressaltaram a estupidez da decisão de Trump de impor tarifas punitivas contra seus aliados. Para o jornal liberal progressista The New Yorker, por exemplo, "America First" (A América Primeiro, slogan utilizado por Trump na campanha) "na verdade significa A América Sozinha". Poucos se deram conta de que eleitores de Trump adoraram a foto. Para seus fãs, serve como prova de que ele está disposto a defender os EUA contra a globalização que eles tanto temem. Breitbart, site de notícias ultranacionalista popular entre defensores de Trump, colocou a imagem em sua homepage sob o título: “Cúpula do G7: Trump dá aula magna sobre A América Primeiro aos globalistas.” John Bolton, um dos principais assessores de Trump, a compartilhou no Twitter: “Os outros países membros do G7 têm a expectativa de que os EUA serão sempre o cofrinho deles. O presidente deixou claro hoje: não mais.” A estratégia está surtindo efeito. A taxa de aprovação de Trump está subindo, e o político republicano Mitt Romney, crítico do presidente, recentemente disse acreditar que Trump será reeleito em 2020.

Trump soube magistralmente identificar e aproveitar a transformação na política norte-americana, que não funciona mais segundo o velho modelo esquerda-x-direita. De fato, a divisão entre globalistas e nacionalistas é cada vez mais relevante hoje em dia. Para muitos observadores, foi uma surpresa ver um número expressivo de norte-americanos, que tinham apoiado o autodeclarado socialista Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata, votarem em Donald Trump nas eleições gerais. Se todos os eleitores de Sanders tivessem transferido seus votos para Hillary Clinton, ela seria presidente hoje. Esses eleitores, porém, não viam os candidatos segundo os parâmetros clássicos de esquerda-x-direita -- em vez disso, pareciam identificar mais semelhanças entre Sanders e Trump do que entre Sanders e Clinton. Os globalistas, como Clinton, acreditam que a globalização geralmente produz benefícios para todos e não ameaça a soberania nacional. Eles costumam considerar as fronteiras nacionais como um obstáculo ao progresso. Os nacionalistas, como Sanders e Trump, por sua vez, acreditam que a globalização é uma ameaça à soberania nacional e desejam fronteiras nacionais mais fortes. Para eles, os governos nacionais devem proteger o país contra influências negativas do exterior, como produtos importados que põe em risco a indústria americana.

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No entanto, embora não se possa ignorar a tendência, aceitar a divisão entre nacionalistas e globalistas traz riscos profundos, porque cria uma falsa exclusividade entre os dois grupos, como se as pessoas tivessem que escolher entre a pátria e o mundo. Essa perigosa dicotomia permite aos nacionalistas retratar o globalismo como um sistema dominado por bancos e conglomerados internacionais opacos, que minam o estado nacional e a própria democracia. Os nacionalistas podem atacar os globalistas e questionar sua lealdade: quem garante que eles defenderão a pátria em tempos de conflito? A divisão sugere implicitamente que os globalistas estão menos comprometidos com o interesse nacional. Caricaturar o globalismo como uma alternativa liberal, capitalista e antidemocrática ao nacionalismo rende votos, enquanto a defesa de instituições internacionais, como a ONU, a OMC ou a União Europeia, desperta bem menos interesse.

Ainda assim, quem apoia a globalização também é parcialmente responsável pela ascensão dos nacionalistas. Como ressalta Dani Rodrik, professor de Harvard, a maioria dos economistas sempre procurou falar apenas as consequências positivas do livre comércio, minimizando seu impacto negativo sobre grupos específicos. Um palestrante-padrão do Fórum Econômico Global de Davos, por exemplo, raramente reconhece que questões como manipulação cambial, desequilíbrios comerciais e perda de empregos são reais e que as importações de países onde os direitos trabalhistas não são protegidos trazem sérias questões relativas à justiça distributiva. Da mesma forma, os críticos do livre comércio têm certa razão quando argumentam que empresas multinacionais e grandes investidores às vezes determinam a agenda das negociações comerciais internacionais, resultando em acordos que beneficiam desproporcionalmente o capital em relação ao trabalho. Consequentemente, os defensores da globalização perderam parte de sua credibilidade, e os argumentos de Trump contra a globalização têm atraído muita atenção.

Outro problema é que muitos globalistas tratam os eleitores de Trump como caipiras desinformados. Nas redes sociais, seus adversários frequentemente pintam Trump como uma criança. Uma foto adulterada em Photoshop, que ficou popular no Twitter, mostra o presidente dos EUA em um carrinho de bebê durante o G7. Outra exibe cadeiras destinadas a cada um dos sete líderes do grupo. Detalhe: a dos Estados Unidos é um banquinho para bebê. No entanto, muitas vezes passa despercebido o fato de que essas imagens reforçam a percepção, entre os eleitores de Trump, de que eles não estão sendo levados a sério e de que seus adversários são arrogantes e alheios às suas preocupações.

A dicotomia "globalista x nacionalista" também está definindo cada vez mais a atuação dos EUA no mundo. Não por acaso, Trump pediu a readmissão da Rússia, liderada pelo líder nacionalista Putin, ao G7, e a única pessoa que o presidente dos EUA elogiou em seus tweets durante a cúpula foi o novo primeiro-ministro da Itália, líder de um governo nacionalista eurocético, a quem chamou de "um sujeito realmente ótimo".

Só que Trump, ao agir dessa forma, não está apenas expressando suas próprias convicções. Ele está traduzindo em ação o Zeitgeist presente nos EUA já há algum tempo. Em vista do viés nacionalista de significativa parcela da população dos Estados Unidos, parece altamente improvável que qualquer futuro ocupante da Casa Branca, durante a próxima década, possa adotar uma agenda pró-livre comércio tão entusiasticamente como os antecessores de Trump. Com os Estados Unidos cada vez mais de olho no próprio umbigo, caberá a outros atores globais - como a União Europeia, a China, o grupo BRICS e nações latino-americanas - garantir que a globalização continue sem o país que um dia foi seu maior defensor.

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