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Parada Gay SP 2018
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Porque vou voltar para a Parada LGBTI+ depois de dez anos

Esse ano o tema da Parada é “Eleições” e eu quero estar lá, mas não mais para festejar como no passado

Imagem aérea da av. Paulista em 2017.
Imagem aérea da av. Paulista em 2017.PAULO WHITAKER (REUTERS)

Em 2017, batemos mais um vergonhoso recorde: ano com o maior número de mortes de LGBTs da nossa história. Ao todo, quase 500 pessoas morreram no Brasil. Isso significa que a cada 19 horas uma pessoa foi assassinada simplesmente por ser quem ela é. Recentemente, o estudante Matheusa Passareli, de apenas 21 anos, que se definia como não-binário, ou seja, não se limitava à expressão social de gênero masculino e feminino , foi morto e teve seu corpo queimado em uma favela do Rio de Janeiro.

Neste fim de semana, acontece mais uma Parada do Orgulho LGBTI+, evento que joga luz sobre a homofobia e o mal que ela faz para a sociedade. Sou gay e conheço bem essa triste realidade. Não vou à Parada há mais de dez anos e, pior ainda, quando fui estava mais interessado na festa do que no movimento político que ela representa.

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Minha apatia política em relação à causa LGBTI+ estava relacionada à minha própria história. De certa forma, me sentia protegido, seja pelo armário ou bolha que fiquei por tanto tempo ou pelos meus privilégios, também comuns a outros homossexuais. Sou considerado homem cis, gay, branco e, acredito que por esses fatores da minha “aparência” e “comportamento” perante à sociedade , não sofri a violência física que tantos outros amigos sofreram. Ainda assim, não é exagero dizer, as coisas não foram nada fáceis para mim.

Nasci em São Paulo em uma família católica. Meus pais se separaram quando tinha 12 anos e desde muito cedo tive que ser o “homem da casa”. Apesar de sentir atração por garotos, internamente não queria assumir isso a mim mesmo, pois me colocava a responsabilidade de ser o exemplo da família. Esse “muro invisível” foi difícil de quebrar e consumia bastante da minha energia. Só me assumi gay (para mim mesmo) aos 23 anos e para as pessoas que mais amo somente aos 30.

No ambiente de trabalho, demorei ainda mais e gastei mais energia para esconder quem eu realmente sou. Só fui me sentir livre de verdade para sair do armário aos 35 anos. E olha que eu já era casado há pelo menos 2 anos com meu atual companheiro! Foram muitas confraternizações ouvindo comentários preconceituosos sobre casais homossexuais da novela ou simplesmente não podendo ter uma foto da minha família na mesa de trabalho. Apesar de perceber que em todas essas atitudes havia uma violência velada que tentava me reprimir, não me deixando ser quem sempre fui, por receio de ser prejudicado profissionalmente por apenas uma das minhas “características” como ser humano, me calei por muito tempo.

A grande virada aconteceu em 2017. Estava em uma palestra do grupo de afinidade LGBTI+ da Bayer, empresa onde trabalho atualmente, que abordou confiança e protagonismo. O tema me fez pensar em que tipo de ser humano eu era e decidi que precisava encarar a homofobia e me assumir para todo mundo. A partir desse dia tomei partido completamente. Primeiro, passei a me engajar internamente na empresa sobre pautas LGBTI+ para sugerir e garantir mudanças nas políticas para que todos os profissionais LGBTs da companhia se sintam bem acolhidos ou tenham acesso, especialmente os que não tiveram os mesmos privilégios que eu tive.

Aqui, costumo fazer um paralelo com o trânsito, no qual o pedestre é o que precisa de mais cuidado e atenção dos demais, que têm mais privilégios. Na pauta LGBTI+ enxergo que os transgêneros são os que mais sofrem violência física e emocional desde muito cedo e muitos não conseguem se qualificar ou mesmo ter acesso ao mercado de trabalho, justamente porque, em muitos casos, a “aparência física” é visível aos recrutadores. Minha sorte é que encontrei um ambiente de trabalho aberto a mudar e a discutir a diversidade de maneira honesta e clara.

Esse ano o tema da Parada é “Eleições” e o slogan “Poder para LGBTI+, Nosso Voto, Nossa Voz” e eu quero estar lá, mas não para festejar como há dez anos. Nestes tempos sombrios eu acredito que é importante mostrar minha cara e marcar o que penso, não só por mim, mas pelos milhares de brasileiros que sofrem com a homofobia todos os dias. Nós LGBTI+ podemos até ser uma “minoria de xis porcento da população”, mas somo milhões e estamos espalhados de norte a sul do país. Somos professores, contadores, advogados, policiais, empresários, cientistas, médicos, padeiros, mecânicos, ou seja, profissionais das mais diversas áreas; ricos, pobres, brancos, negros, de qualquer raça ou afinidade religiosa. Juntos temos uma voz forte.

A Parada do Orgulho LGBTI+ hoje representa essa união, essa luta por direitos humanos de todos nós. Em um ano de eleição, fazer com nosso grito seja ouvido é fundamental. Se dentro da empresa que trabalho, com um pequeno grupo articulado de 17 pessoas e com propostas relevantes, já conseguimos mudar tanta coisa e avançar, imagina o que os milhões de apoiadores da Parada podem fazer se estiverem caminhando lado a lado com o mesmo propósito?! Estou com minhas esperanças renovadas e pronto para ajudar a construir um Brasil melhor e diverso.

* Otavio Silva, da área de contabilidade, é um dos porta-vozes da Bayer

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