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A encruzilhada da oposição venezuelana

Eleições presidenciais do próximo domingo dividem o antichavismo entre a abstenção e queimar o último cartucho eleitoral para tentar tirar Maduro do poder

Florantonia Singer
Simpatizantes do oposicionista Henri Falcón, nesta segunda-feira, em Caracas.
Simpatizantes do oposicionista Henri Falcón, nesta segunda-feira, em Caracas.Cristian Hernandez (EFE)
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“Para votar na oposição devo votar em Falcón ou no pastor?”, pergunta Yaneth Casares numa fila para comprar comida em um supermercado de Caracas. Depois de ouvir a explicação de que a oposição se dividiu, que um grupo conclama à abstenção enquanto outro, minoritário, aderiu a Henri Falcón, e que as eleições não têm o respaldo da comunidade internacional, a mulher de 40 anos, desempregada, nascida e criada no bairro popular do Petare, com quatro filhos e cada vez mais dificuldades para alimentá-los, responde: “Continuo tão confusa quanto antes. Nenhum candidato me inspira confiança, mas acho que prefiro votar, e será nesse tal de Falcón. Quem dera acontecesse um milagre e as pessoas não continuassem apoiando a falta de vergonha deste Governo, do qual já estou cansada”.

Na reta final para as eleições presidenciais na Venezuela, há muita confusão e pouco clima eleitoral. Uma campanha que se desenrolou com poucos comícios e muitos solavancos é a antessala da votação de 20 de maio, o momento em que finalmente, após cinco anos de conflito e de agravamento da crise, Nicolás Maduro fingirá se submeter ao escrutínio dos cidadãos, num pleito convocado e antecipado por ele, sepultado por dezenas de irregularidades em seu processo e para o qual suprimiu a participação da coalizão opositora MUD e de vários partidos políticos, além de cassar os líderes mais fortes.

Essa encruzilhada dividiu o eleitorado. Os principais institutos de pesquisa apontam uma participação um pouco acima de 50%, que poderia ser considerada baixa para uma eleição presidencial, mas suficiente para deixar Maduro em boa situação no meio de um processo fraudulento. Nos setores populares há uma maior disposição a votar, enquanto que na classe média, reduto da oposição, a abstenção ganha mais força.

Griselda Reyes é encarregada de procurar voluntários nos municípios mais opositores e de classe média-alta de Caracas – Baruta, Chacao e El Hatillo. A equipe que ela está montando irá fiscalizar os votos dados a Henri Falcón, respaldado por partidos minoritários de oposição, como o MAS, o Avanço Progressista e uma fração do COPEI. “Não milito em nenhum partido, mas gosto da proposta de Henri Falcón. A vida toda eu votei, exceto na Constituinte de Maduro, e sei que quanto maior é a abstenção, maior a chance de armação. Acho, além disso, que o voto é um direito nosso e a única ferramenta que temos para tirar este Governo.”

Para Reyes, a falta de respaldo da comunidade internacional não tira legitimidade de Maduro, pois o Governo continua mantendo relações comerciais com outros países e recentemente inclusive reatou relações diplomáticas que haviam sido rompidas. Ela reconhece que as condições não são as melhores, mas afirma que Falcón tem mais de 96% das mesas cobertas com fiscais e suplentes para cobrir eventuais faltas dos voluntários. O objetivo deles é denunciar três situações vistas como o principal risco: a instalação dos chamados pontos vermelhos de propaganda chavista que perturbem a votação, o voto assistido e a substituição de membros das mesas por aliados de Maduro.

“A classe média alta tinha muita relutância porque o candidato não cumpre as expectativas, porque foi chavista, por causa da fraude. Mas, à medida que os dias passarem, aceitarão a ideia de que não há uma proposta para depois de 20 de maio por parte do setor abstencionista. Muitos irão votar para tirar Maduro, não por Falcón.”

Protestos antes e depois de 20/5

Carlo Julio Rojas é ativista e membro da Frente Amplo pela Democracia, composta por integrantes da sociedade civil, sindicatos, universidades e Igreja, e que junto com a MUD e a organização Sou a Venezuela, de María Corina Machado, convocou a população a não participar da “farsa eleitoral”. Nesta semana, a Frente voltou a insistir na suspensão da eleição, como também fez o chamado Grupo de Lima. Rojas não critica quem vai votar, admitindo que nenhum dos lados da oposição – nem os abstencionistas nem os pró-voto – tem um itinerário claro para o futuro.

“Em 21 de maio nos veremos todos nas filas para comprar comida e nos protestos pela água, pela luz, contra a fome. Dá raiva. A situação crítica que estamos vivendo vai desencadear em uma eclosão social para a qual será necessária uma condução política por parte dos líderes da oposição, que precisam ir às ruas com o povo. É preciso protestar contra os problemas do povo. E sei que há medo, e olha que já fui preso duas vezes por protestar, mas a raiva precisa ser superada”, diz Rojas.

Os protestos decorrentes do descontentamento serão o estopim para tirar Maduro do poder, afirma Rojas. Em abril foram registrados quase 1.000 manifestações em todo o país. Elas não pararam neste mês, e ainda por cima o setor universitário iniciou paralisações nacionais escalonadas, protestando contra a precariedade salarial. O ativista diz que no domingo estará observando o processo para documentar a fraude. Outros setores do Frente convocaram a população a se dirigir às 12h às igrejas usando o boné com a bandeira venezuelana, um símbolo dos protestos.

Para Víctor Márquez, presidente da Associação de Professores da Universidade Central da Venezuela, a mais antiga instituição acadêmica do país, e um dos principais porta-vozes da Frente, o caminho depois de 20 de maio passa por desconsiderar Maduro como presidente e promover uma rebelião popular, que a seu ver incluiria a ativação do confuso artigo 333 da Constituição, segundo o qual todo cidadão é obrigado a restabelecer a vigência da Carta Magna e do Estado de Direito quando ameaçados.

“Não fazemos um chamado à abstenção, isso seria uma opção quando há uma eleição sob parâmetros normais. O que chamamos é a não convalidar a farsa eleitoral, pois aqui o cidadão não terá a possibilidade de escolher. O Governo quer usar o voto para se legitimar. Em 21 de maio as instituições precisam dar um passo à frente para desconsiderar o presidente. Devemos tomar a rua novamente, e há outras ações vinculadas com a desobediência civil, como o não pagamento de impostos, que também podem ser aplicadas.”

Sem garantias e com o Google

Em 1º. de março, os candidatos Henri Falcón, Nicolás Maduro, Javier Bertucci e Reinaldo Quijada assinaram um acordo de garantias eleitorais para o pleito presidencial, com a intenção de reduzir a vantagem do candidato governista e oferecer um mínimo de controle sobre o processo organizado por um Conselho Nacional Eleitoral que é aliado do chavismo e foi acusado de fraude pela empresa operadora de urnas eletrônicas Smartmatic, depois do processo que deu origem à Assembleia Constituinte.

No processo, o próprio Falcón denunciou o favorecimento ao Governo e o descumprimento dos acordos. Maduro, em troca de votos, ofereceu "presentes", na verdade bonificações em dinheiro, através da chamada carteirinha da pátria, entregues a mais de 12 milhões de venezuelanos – o principal e perigoso mecanismo de coação nas mãos do Governo. O presidente também tem feito pronunciamentos em rede nacional durante inaugurações de obras, como ocorreu recentemente no Hotel Humboldt, e usa recursos públicos e o logotipo de instituições na campanha. Javier Bertucci, o candidato evangélico que poderia tirar votos de Falcón, também denunciou que prefeitos governistas boicotaram sua campanha.

Nenhum dos candidatos reuniu multidões em comícios. A campanha termina nesta quinta-feira, após vários momentos incômodos ao longo do caminho. Maduro foi alvo de objetos atirados e recebeu vaias em suas caminhadas, por isso recorreu à presença virtual e inundou com propaganda as redes sociais, o YouTube e os sites de maior tráfego, usando a plataforma de publicidade Google Adwords, que nas últimas semanas teve uma movimentação frenética. Falcón distribuiu sardinhas em seus atos públicos e em alguns comícios e sua equipe usou cédulas de baixo valor, inúteis no atual processo hiperinflacionário, como papel picado, para atrair as pessoas. E Bertucci percorreu o país e os templos evangélicos dando sopa como brinde.

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