Putin inicia quarto mandato como presidente da Rússia
Mandatário está no poder há 19 anos, o terceiro maior tempo em 125 anos de história da Rússia e URSS
Vladimir Putin, que controla o poder na Rússia desde 2000, tomou posse pela quarta vez como presidente do Estado nesta segunda-feira, dia 7, em uma cerimônia solene no Grande Palácio do Kremlin, que evoca uma coroação imperial.
A festa – que teve a presença de 6.000 convidados do líder de 65 anos, oriundo dos serviços de segurança soviéticos (KGB) e determinado a devolver à Rússia o papel de grande potência que teve a União Soviética – foi precedida por protestos de cidadãos. Embora minoritários, esses protestos cobrem uma ampla geografia e incorporam jovens, muito jovens e também setores altamente qualificados da população, preocupados com os crescentes obstáculos impostos em nome da segurança à modernização do país em um mundo globalizado.
Putin, que chegou à cerimônia em uma limusine russa, foi reeleito presidente em 18 de março com 76,6% dos votos. Entre a cerimônia de hoje e a tomada de posse de maio de 2012, foram realizadas a intervenção militar da Rússia na Ucrânia em apoio aos separatistas daquele país e a anexação da península da Crimeia, eventos que marcam uma linha divisória na evolução pós-soviética da Rússia e em seu posicionamento no sistema de relações internacionais.
Desde 2014, as relações entre Moscou e os países ocidentais têm sido marcadas por uma escalada de sanções e contra sanções, bem como pela ruptura de muitos laços institucionais (as duas cúpulas anuais entre a União Europeia e a Rússia, por exemplo), a desconfiança e o distanciamento.
Putin não é isolacionista e o que deseja é alterar as atuais regras do jogo para devolver à Rússia o coprotagonismo nas grandes decisões do mundo. À exclusão do G8 (clube internacional tão valorizado na época de Boris Yeltsin e no início da época de Putin), o chefe de Estado respondeu afirmando-se em outros espaços e com outros parceiros, como os Brics (o clube dos emergentes); a China, em suas fronteiras orientais; a Turquia e o Irã, no sul. Com estes dois últimos países, a Rússia coordena sua intervenção na Síria e seu retorno como potência militar no Oriente Médio. Às discrepâncias com o Ocidente causadas pela política do Kremlin na Ucrânia juntaram-se as diferenças pelo apoio de Moscou ao presidente sírio Bashar al-Assad e as acusações de interferir nas eleições norte-americanas.
Alimentada com retórica nacionalista (a Rússia estava “de joelhos e se levantou”), a política externa de Putin tem custos financeiros e sociais para o empresariado e a população, embora a sociedade nem sempre perceba a relação entre as duas coisas. Uma pesquisa do Centro Levada indicou que 82% dos russos apoiavam Putin em abril (frente a 17% que não o faziam). O chefe do Governo, Dmitri Medvedev, no entanto, tinha uma aprovação de 42% (e 57% contra) no mesmo período. Mas, de acordo com o centro de pesquisas TSIOM, a confiança em Putin caiu desde as eleições e passou de 58,9% em janeiro para 47,1% em abril.
Com a mão direita sobre a Carta Magna, Putin jurou na cerimônia “respeitar e defender os direitos e liberdades das pessoas e dos cidadãos, cumprir e defender a Constituição da Federação Russa, defender a soberania e a independência, a segurança e a integridade territorial do Estado, e servir ao povo com lealdade”.
Na avaliação de seu último mandato, 45% dos cidadãos disseram em abril que Putin não garantiu uma distribuição justa da renda no interesse dos cidadãos comuns e 39% afirmaram – em uma pesquisa realizada pelo Centro Levada – que os recursos perdidos durante as reformas não foram restituídos à população. De acordo com a mesma pesquisa, a lista de desejos para o novo mandato é liderada pelo aumento de salários e aposentadorias (39%), seguido de saúde e educação acessíveis (25%), desenvolvimento econômico, estabilidade da moeda, menos dependência dos preços do petróleo. Em quarto lugar ficou a luta contra a corrupção.
Depois da tomada de posse, na presença do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kiril, Putin indicará seu candidato ao posto de chefe de Governo. A maioria dos analistas acredita que sua escolha recairá novamente sobre Medvedev, um homem que demonstrou lealdade ao atual chefe de Estado ao ter exercido a função de presidente entre 2008 e 2012, depois de Putin ter esgotado os dois mandatos presidenciais de quatro anos que na época a constituição russa permitia.
Quando Medvedev ocupou a presidência, a constituição foi modificada para ampliar o mandato do chefe de Estado de quatro para seis anos e permitir que a mesma pessoa fosse presidente mais de duas vezes, desde que os mandatos não fossem consecutivos. Se a lei fundamental não mudar de novo, Putin inicia hoje seu último mandato. Se for levado em conta que sua chegada aos postos-chave do Estado aconteceu no verão de 1999, quando Boris Yeltsin o nomeou primeiro-ministro tendo como pano de fundo a guerra contra os separatistas do Cáucaso, Putin já está no poder há 19 anos e, pela duração da sua permanência no poder, é o terceiro colocado nos últimos 125 anos de história da Rússia e da URSS, depois de Nicolau II (1894-1917) e Stalin (1922-1952), à frente de Leonid Brejnev que liderou o país de 1964 a 1982. Nicolau I (czar de 1825 a 1855) e Alexandre II (de 1855 a 1881) são os recordistas do século XIX. No entanto, hoje muitos duvidam que Putin esteja pensando realmente em se aposentar.
O analista Konstantin Gaaze, do Centro Carnegie de Moscou, escreve que “nos próximos anos o presidente Putin tentará nos convencer (e convencer a si mesmo) de que está disposto a se aposentar em 2024 e que procura um sucessor. Mas infelizmente todas essas conversas, rumores, insinuações significativas não serão mais do que uma cortina de fumaça. Isso já é percebido pela maneira como o presidente se comporta com os membros do Governo durante os debates da reforma e das variantes de desenvolvimento do país”. Na ordem do dia estão aumentos e novos impostos, e também o aumento da idade de aposentadoria (que atualmente é de 55 anos para as mulheres e 60 para os homens) para aumentar os recursos do orçamento, que sofreu com a queda dos preços do petróleo em comparação com a época dourada em que ultrapassou os 100 dólares o barril e que também sofre com a dificuldade de obter empréstimos nos mercados internacionais (devido às sanções ocidentais) e a necessidade de apoiar e satisfazer o empresariado patriótico também afetado pelas sanções.
De acordo com Gaaze, o presidente prefere falar com os ministros fortes dentro de um Governo dirigido por uma figura frágil e, se isso continuar, “levará à decomposição do nível superior do Executivo e parte das funções reais do Governo passarão aos serviços de segurança. Esses serviços já têm um peso hipertrofiado na política russa, por exemplo, nas restrições e no controle do ciberespaço. A decisão judicial de bloquear o serviço de mensagens instantâneas Telegram, no entanto, não pôde ser implementada até agora e foi objeto de uma manifestação de protesto em 30 de abril que teve mais participantes do que a de 5 de maio convocada pelo oposicionista Alexei Navalny contra a posse de Putin em Moscou no âmbito de uma ação que trouxe cerca de 20.000 pessoas para as ruas em diferentes cidades do país. Entre as características da manifestação contra o bloqueio do Telegram, destacaram-se as reivindicações dos direitos dos cidadãos à liberdade de informação, a indignação pelo caráter arcaico da decisão e pela incompetência das autoridades ao colocá-la em prática.
Há seis anos, uma onda de protestos precedeu a posse de Putin. Em Moscou, seus integrantes eram mais numerosos do que na jornada de 5 de maio e sua ação na capital terminou com severos julgamentos que impuseram penas de prisão a várias dezenas de pessoas. Agora, os manifestantes são mais jovens e incluem alunos do Ensino Médio. As fotos dos meninos e meninas presos ou agredidos durante as manifestações empanaram a festa da posse, mas desta vez não haverá contraste com a caravana que leva Putin ao Kremlin pelas ruas vazias da capital. O mais preocupante das manifestações de 5 de maio em Moscou é o papel desempenhado na repressão por pessoas que se apresentam como cossacos e defensores do regime e que empurraram, maltrataram e bateram em manifestantes com chicotes. Entre os presentes na manifestação em que Navalny foi preso havia membros do Tsentralnoe Lazachie Voisko (Destacamento Central de Cossacos), que tinham recebido apoio financeiro da prefeitura de Moscou para treinar para dissolver concentrações de caráter político. A informação foi dada pelo canal Chudesa OSINT, do Telegram.
Segundo essa fonte, de 2016 a 2018 a organização recebeu três contratos de treinamento do Departamento de Política Nacional e Relações Inter-regionais da Prefeitura de Moscou para realizar treinamentos com o objetivo de manter a ordem pública, garantir segurança em concentrações maciças na cidade. Trata-se de uma “nova tecnologia” que as autoridades estão utilizando, semelhante à dos “titushki” da Ucrânia, segundo disse o cientista político Gleb Pavlovsky a um correspondente do serviço informativo “The Bell” que investigou o caso. “Titushki” é o nome que receberam os civis ucranianos que colaboravam com os órgãos de segurança contra os manifestantes que protestavam contra o regime, normalmente mediante algum tipo de relação hierárquica ou de pagamento. Na época soviética, indivíduos à paisana que colaboravam com a KGB dissolviam manifestações de dissidentes.
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