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China fecha a torneira do crédito à Venezuela

No ano passado o país não recebeu recursos dos bancos institucionais chineses, que observam com preocupação a deterioração de sua crise econômica e política

O presidente chinês, Xi Jinping, cumprimenta seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.
O presidente chinês, Xi Jinping, cumprimenta seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.LEO RAMÍREZ (AFP)

A China interrompeu abruptamente a concessão de empréstimos à Venezuela, coincidindo com a deterioração da crise econômica e política do país latino-americano. Pela primeira vez em praticamente uma década, do ano passado até agora os bancos institucionais chineses não deram novos créditos a Caracas, um indicador que, de acordo com as fontes consultadas, responde à crescente preocupação do gigante asiático com a sustentabilidade de seus investimentos e a capacidade do Governo de Nicolás Maduro de devolver o que foi emprestado.

Por meio do China Development Bank (CDB) e do Eximbank, a China concedeu à Venezuela empréstimos no valor de 62,2 bilhões de dólares (aproximadamente 234,26 bilhões de reais) entre 2005 e 2016, de acordo com o relatório anual do centro de estudos Diálogo Interamericano, tornando-se o principal credor de um país que viu fechado seu acesso aos mercados financeiros internacionais. Caracas, que prometeu pagar os empréstimos em remessas de petróleo, encontrou sérias dificuldades para cumprir suas obrigações nos últimos anos diante da queda dos preços do petróleo e do declínio da produção de sua petrolífera estatal, a Petróleos de Venezuela (PDVSA).

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Em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da China afirma que a cooperação financeira entre os dois países “é completamente legal” e “funciona sem problemas”. No entanto, um alto funcionário do CDB, que preferiu manter o anonimato por causa da sensibilidade do assunto, afirmou a este jornal que “acompanhamos com preocupação tudo o que está acontecendo na Venezuela e estamos agindo de acordo com a situação”.

A entidade em que trabalha reduziu rapidamente sua exposição ao país: 5 bilhões de dólares emprestados em 2015, 2,2 bilhões de dólares em 2016 e zero em 2017. Tampouco foram divulgadas novas operações neste ano, mas os especialistas duvidam que existam. “Dificilmente será enviado mais dinheiro à Venezuela, a menos que as coisas mudem muito”, explica um gerente familiarizado com as operações do Fundo de Cooperação China-América Latina.

As dificuldades da Venezuela em pagar os empréstimos à China podem ser percebidas pela queda do valor do fornecimento de petróleo por parte da PDVSA ao país asiático: se em 2014 foram enviados a Pequim barris de petróleo no valor de 14,371 bilhões de dólares, em 2016 o número caiu para 5,803 bilhões de dólares, de acordo com dados da própria empresa.

A China, apesar do fato de que a crise na Venezuela ter começado muito antes de 2017, não deixou de conceder novos empréstimos à Venezuela até aquele ano. Margaret Myers, coautora do relatório do Diálogo Interamericano, explica que as autoridades chinesas “tinham alguma esperança de que, por meio de consultas com o Governo venezuelano ou financiando a produção de petróleo, poderiam ajudar a resolver a situação no país ou pelo menos manter o status quo. No entanto, não foi esse o caso. Desde 2016 e especialmente em 2017, perceberam que a melhor opção é simplesmente esperar e ver como a situação se resolve”.

Caracas tem empréstimos a reembolsar à China no valor de 19,3 bilhões de dólares. Pequim demonstrou flexibilidade com o Governo de Maduro e concedeu-lhe um período de carência de dois anos em 2016, no qual o isentou temporariamente de pagar o principal da dívida e exigiu apenas o pagamento de juros, um prazo que já expirou. O mais provável, segundo a agência Reuters, é que esse acordo seja estendido, o que daria algum oxigênio às autoridades venezuelanas. O CDB, o Eximbank e o Ministério das Relações Exteriores não quiseram dar sua versão sobre a renegociação ou extensão desse acordo, que deveria ser formalizado imediatamente.

“Eles não têm outra escolha”, diz Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim e sócio da Fundação Carnegie, em referência ao papel de Pequim. “Você só pode fazer duas coisas se o seu credor não puder pagar: reestruturar a dívida ou anunciar sua inadimplência, e esta segunda opção é muito difícil de acontecer entre dois países”. Para o especialista, a única saída dada a atual situação é o perdão de parte da dívida, algo que a China não considera no momento porque implicaria o reconhecimento tácito de que parte de sua estratégia como investidor no estrangeiro resultou em fracasso. “[Pequim] vai tentar todas as alternativas possíveis até finalmente reconhecer que deve aceitar esse perdão”, diz Pettis.

No entanto, isso não significa que a China vá renunciar a tudo que foi investido na Venezuela na última década. Para Myers, embora as autoridades chinesas estejam cientes da deterioração da situação, farão todo o possível para manter a estrutura desses empréstimos e continuar com os contratos firmados. “O objetivo é manter intacta sua influência no setor petroleiro do país com quem estiver no poder nos próximos anos”, afirma.

Brasil e Argentina, principais destinos do financiamento chinês

A China reduziu substancialmente seus créditos para a América Latina em 2017 em comparação com os anos anteriores, principalmente devido à falta de novas transações com a Venezuela. O gigante asiático passou de emprestar 21,2 bilhões de dólares em 2016 para apenas 9 bilhões no ano passado, segundo os cálculos do Diálogo Interamericano. Desse montante, Brasil e Argentina receberam 91%.

No Brasil, como em 2016, a Petrobras recebeu a grande maioria dos recursos destinados ao país (cerca de 5 bilhões), apesar de continuar envolvida em vários casos de corrupção. A petrolífera estatal recebeu ao menos seis empréstimos de bancos institucionais chineses nos últimos três anos, que são pagos com remessas de petróleo. O Brasil, com um total de 42,1 bilhões de dólares, consolida-se como o segundo destino dos empréstimos chineses na última década, atrás apenas da Venezuela.

A Argentina obteve créditos no valor de 2,9 bilhões de dólares em 2017. A imensa maioria servirá para financiar a modernização da ferrovia San Martín (2,4 bilhões) e a construção do parque fotovoltaico de Jujuy (331 milhões). Os recursos foram concedidos depois de o Executivo de Mauricio Macri ter dado o aval à construção –também financiada pela China– das duas usinas hidrelétricas na província de Santa Cruz, um megaprojeto que fora acordado por sua antecessora, Cristina Fernández de Kirchner, e que o novo Governo submeteu a uma análise assim que chegou ao poder. A sombra de seu cancelamento colocou em cheque o restante dos projetos acordados (havia uma cláusula pela qual todos caíram se as barragens não fossem construídas) e complicou as relações bilaterais. De fato, a Argentina não recebeu um único euro dos bancos institucionais chineses em 2016, o primeiro da era Macri.

Para o embaixador da Argentina em Pequim, Diego Guelar, a China é "um parceiro impecável em termos de respeito e enormemente aberto, disposto a renegociar projetos que já estavam fechados". O diplomata acredita que o gigante asiático "está fazendo um processo de aprendizagem" em sua relativamente recente abertura ao exterior como investidor e que seu papel na região será consolidado durante a próxima década. "A China é atualmente a potência de fora da região mais importante em toda a América do Sul. Os Estados Unidos e a Europa deixaram de sê-lo, isso é um fato consumado", afirma.

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