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TCM de São Paulo sob ataque: órgão fiscalizador faz ofensiva para provar relevância

Tribunal de Contas do Município se abre para mostrar sua eficiência após presidente da Câmara e aliados de Doria defenderem a sua extinção

Marina Rossi

O Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo quer "mostrar à sociedade" seu papel. Pela primeira vez em quase 50 anos de história, o tribunal está se abrindo ao público e se munindo de dados com o intuito de defender a sua eficiência na análise de licitações e obras geridas pela Prefeitura. Nesta terça-feira, anunciou em uma entrevista coletiva que a cidade economizou, entre 2010 e 2017, 1,1 bilhão de reais em licitações que tiveram seus custos reduzidos após atuação do tribunal. Também informou que a cidade evitou gastar 5,8 bilhões de reais com licitações apontadas como irregulares pelos seus auditores e que, por isso, acabaram sendo revogadas.

Imagem da fachada do prédio do TCM, em São Paulo.
Imagem da fachada do prédio do TCM, em São Paulo.Divulgação
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O presidente do TCM, João Antônio, anunciou também a criação de um aplicativo que poderá ser usado por qualquer cidadão para acompanhar obras e licitações públicas da cidade de São Paulo. Entre 2010 e 2017, o tribunal acompanhou 461 licitações e 589 execuções contratuais. João Antônio disse também a utilização de drones para fiscalizar as obras públicas. Ainda, que a cidade pode evitar o gasto de mais de 82 bilhões de reais em contratos ou licitações apontados como irregulares pelo tribunal, mas que ainda não foram julgados ou a Prefeitura ainda não tomou providências a respeito. Nunca antes o Tribunal, situado em um prédio considerado um exemplo da arquitetura brutalista na cidade, esteve tão aberto a mostrar os resultados do seu trabalho.

Esta abertura pode ser considerada uma reposta à ofensiva que o TCM vem sofrendo, especialmente nos últimos dias. Alvo de críticas de distintas gestões - tanto o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), quanto o atual, João Doria (PSDB), já acusaram o tribunal de travar licitações - agora foi a Câmara dos Vereadores que entrou na queda de braço. Na semana passada, o presidente da Casa e aliado de Doria, o vereador Milton Leite (DEM), defendeu em entrevista à Folha de S. Paulo a extinção do tribunal. "Ou o TCM muda, ou será extinto", afirmou.

Além de ser acusado de "retardar" os projetos da cidade, os que defendem a extinção do tribunal argumentam o inchaço de sua estrutura e orçamentos. Atualmente, o TCM conta com 657 funcionários. Desses, 175 são nomeados (sendo cinco conselheiros) e 168 são auditores concursados. Ainda há outros 309 funcionários. A despesa anual com funcionários é de 200 milhões de reais e a previsão do orçamento neste ano é de 283 milhões de reais.

O presidente do TCM rebate que a estrutura do tribunal é aprovada pela Assembleia Legislativa. E, embora tenha afirmado que não entraria na polêmica com a Câmara dos Vereadores, por "respeitar a posição" do presidente da Casa, provocou: "Enquanto no TCM 26% dos cargos são de confiança, na Câmara dos Vereadores este número chega a 52%", disse. "Provavelmente eles tenham justificativas plausíveis para isso", afirmou.

Na semana passada, juntamente à ofensiva de Milton Leite, o vereador Fernando Holiday (DEM) protocolou um projeto de lei propondo o fim do TCM, passando suas atribuições ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), responsável atualmente por todas as outras cidades paulistas (644, excluindo a capital). Hoje, somente as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro tem um tribunal de contas responsável por fiscalizar somente um município.

Mas, no entender do presidente, somente uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) poderia extinguir o tribunal. "Estamos constitucionalizados", disse. "Não há possibilidade jurídica de alteração do tribunal de contas do Estado sob legislação municipal". Sobre essa prerrogativa, a assessoria de imprensa da Câmara dos Vereadores afirma, por meio de nota, que o presidente Milton Leite "tem um entendimento diferente do adotado pelo tribunal".

A Câmara Municipal também afirma que "Leite jamais sugeriu menos controle externo". E que o vereador defende "mudanças no TCM e pede um perfil do tribunal mais técnico e, ao mesmo tempo, com menos custos". Também disse que "caso o caminho seja pela extinção do órgão, as funções desse tribunal seriam assumidas pelo TCE. Em nenhum momento deixaria de haver fiscalização sobre a Prefeitura, função, aliás, também realizada pelo Legislativo paulistano".

Há na Assembleia Legislativa ao menos uma PEC que propõe a extinção do TCM. De autoria do deputado estadual João Caramez (PSDB), a proposta é de abril 1999, o que mostra que a tensão com o tribunal não é exatamente uma novidade.

João Antônio, que tomou posse como presidente em janeiro deste ano, afirma que considera "normal" o debate e que as críticas não se resumem a apenas um governo. "No próximo governo provavelmente esta tensão voltará novamente", disse. "Há um incômodo sob uma atuação objetiva do TCM", afirma. "O que não se pode é querer pautar um tribunal de contas por um calendário político".

Corrupção nos tribunais

Além de ser alvo de pressões das administrações, muitas das atuações dos tribunais espalhados pelo Brasil também entraram na esteira das investigações por corrupção no país. Em março do ano passado, cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro foram presos. Eles eram investigados por um esquema de lavagem de dinheiro e corrupção praticados por eles em conluio com as empresas que deveriam fiscalizar.

Um levantamento realizado pela ONG Transparência Brasil em 2014 mostrou que dois de cada dez conselheiros responsáveis por julgar a legalidade das contas públicas no país respondem a processos criminais. Na época, o estudo mostrou também que seis em cada dez conselheiros já foram políticos profissionais e que três em cada vinte é parente de algum político.

No Tribunal do município de São Paulo, quatro dos cinco conselheiros foram vereadores - Edson Simões, Domingos Dissei, Mauricio Faria e o atual presidente, João Antônio. O quinto, Roberto Braguim, foi chefe de gabinete do ex-prefeito Celso Pitta. Os conselheiros são indicados ou pelo prefeito, ou pela Câmara dos Vereadores. Recebem 30.471 reais de salário, o que ultrapassa o teto municipal, que é o salário do prefeito, 24.165 reais. Se somar o auxílio-moradia e gratificações, a remuneração chega a 36.512 reais, acima do teto do STF, de 33.763 reais, de acordo com levantamento feito pela Folha de S. Paulo. Atualmente, três dos cinco conselheiros abriram mão do auxílio-moradia: João Antônio, Domingos Dissei e Edson Simões.

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