_
_
_
_

Os indígenas que derrotaram o Governo brasileiro na Corte Interamericana

Estado brasileiro terá que pagar 1 milhão de dólares para comunidade Xukuru de Pernambuco por violar o direito à terra

Povo Xukuru desce a serra de Ororubá no dia 20 de maio, em memória à data em que o cacique Xicão foi assassinado.
Povo Xukuru desce a serra de Ororubá no dia 20 de maio, em memória à data em que o cacique Xicão foi assassinado.Renato Santana (Foto cedida pelo Cimi)
Mais informações
Os jovens indígenas querem incluir o debate LGBT em sua luta
Peru promove construção de estradas em zonas protegidas da Amazônia
Nação de visionários: comunidades indígenas criam um Governo autônomo na Amazônia peruana

O Cacique Marcos Xukuru mal teve tempo de avisar a todos os membros de sua comunidade sobre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de condenar o Brasil por violar a propriedade coletiva de seu povo. "O nosso território é muito grande, com aldeias distantes. Mandei mensagem aos grupos de WhatsApp para famílias e lideranças que compõem a organização política de nosso território. Mas ainda não chegou a todos".

Também não teve tempo de ler a íntegra da decisão da Corte, que, pela primeira vez julgou um caso de disputa de terra indígena no Brasil. Por isso ficou surpreso ao ser informado pela reportagem do EL PAÍS Brasil que seu povo, que vive em Pernambuco, terá direito a receber 1 milhão de dólares de reparação pela lentidão do Estado brasileiro em devolver suas terras. "Se realmente tivermos direito a 1 milhão de dólares poderemos fazer investimentos coletivos para o povo", afirmou o cacique, em um misto de surpresa e desconfiança da promessa da Corte.

Atualmente o povo Xukuru é formado por cerca de 7.700 pessoas, distribuídos em 24 comunidades na Serra do Ororubá, em uma área de aproximadamente 27.555 hectares, a cerca de 6 quilômetros da cidade de Pesqueira, na região do Agreste de Pernambuco.

Cacique Marcos Xukuru está na Guatemala para acompanhar o julgamento. Pajé Zequinha, cujo filho foi assassinado em 1995, fala ao microfone.
Cacique Marcos Xukuru está na Guatemala para acompanhar o julgamento. Pajé Zequinha, cujo filho foi assassinado em 1995, fala ao microfone.Renato Santana (Imagem cedida pelo Cimi)

Aos 39 anos, Marcos Xukuru cresceu em meio a uma violenta luta por terras, um ambiente onde não há espaço para promessas. Assumiu o cacicado aos 21 anos, após o assassinato de seu pai, o Cacique Xicão, morto a tiros em 20 de maio de 1998. O fazendeiro acusado de ser o mandante do crime, José Cordeiro de Santana, que possuía terras dentro da reserva indígena, se suicidou em 2002, dentro de uma cela da Polícia Federal no Recife, logo após ser preso.

O processo administrativo de reconhecimento, titulação e demarcação começou em 1989, mas acredita-se que a violência tenha sido motivada pela demarcação das terras feitas em 1995, o que, sem apoio do Governo, aumentou os embates entre indígenas e fazendeiros. O próprio cacique Marcus sofreu um atentado em 7 de fevereiro de 2003, que causou a morte de outros membros de seu povo. Em 2005, um agente da Funai, Geraldo Rolim, também foi assassinado em meio aos conflitos. Foi nessa época que se confirmou o título de propriedade formal no registro de imóveis aos indígenas.

A esperança do cacique é que a decisão da Corte Interamericana seja o prenúncio de tempos de paz. "O que almejamos é viver em paz e tranquilidade, que nossos netos possam viver em harmonia no espaço recuperado", afirma o cacique.

Com a condenação da Corte, que é inapelável, o Governo federal terá cerca de um ano e meio para garantir a retirada dos invasores da terra, concluir o pagamento da indenização de melhorias de boa fé a cerca de 45 agricultores que deixaram a região, além da criação de um fundo de um milhão de dólares em nome do povo Xukuru, no prazo de 18 meses.

O caso dos Xukuru foi levado à Corte pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em parceria com as ONGs Justiça Global e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações populares (Gajop). "A expectativa é que a decisão sirva de jurisprudência e precedente para outros casos em tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), como a dos indígenas Guarani Kaiowá e Terena, do Mato Grosso do Sul", afirma Adelar Cupsinski, advogado do Cimi.

Até então, o caso mais relevante levado à CIDH contra o Brasil havia sido o da Comunidade Yanomami, em 1985. Os Yanomani denunciaram a construção de uma estrada em seu território que levou à penetração maciça de estrangeiros e à exploração mineira causadas pela omissão do Estado brasileiro em fornecer proteção adequada para a segurança e a saúde das comunidades indígenas. O caso não chegou até a Corte, mas em 1992 o Parque Yanomani foi finalmente demarcado.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_