Mais Escobar, e apenas correto

Meu problema não é já o abusivo ‘déjà vu’ com o personagem e o argumento, e sim que o filme frustra minhas expectativas

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Foi uma das colaborações mais felizes que já existiram no cinema espanhol (caramba… no cinema, sem restrições), a de um diretor chamado Fernando León de Aranoa com o ator Javier Bardem. Intitula-se Às Segundas ao Sol, e sua capacidade de comoção, sua arte, seu compromisso, sua loa à resistência, sua dureza, sua ternura, sua humanidade permanecem intactas para mim depois de tanto tempo e tantas salvadoras revisões. Santa, esse vagabundo barrigudo, sacana e insolente, infatigável sedutor das ruas (claro que acaba transando com a filha adolescente do seu amigo), tão metido como desamparado, profissional da sobrevivência razoavelmente enfurecido, narrador impagável do conto da cigarra e a formiga, genético, rebelde e conscientizado quebrador de luminárias públicas, embora essa atitude tão insensata lhe cause uma ruína ainda maior que a que já tem, com intacta consciência de classe, enganador e digno, dissimulado e generoso, parece-me uma das grandes criações da história do cinema, ao nível do Brando de Há Lodo no Cais e do Newman de A Vida É Um Jogo, três atores magnéticos e extraordinários que beiravam os trinta anos.

Aí você espera com grande entusiasmo o reencontro de criadores tão dotados em um projeto que aparentemente habitava a cabeça de ambos havia muito tempo, mas que por diversas circunstâncias demorou até agora para sair. Chama-se Escobar – A Traição (Loving Pablo, no original), que estreia no Brasil nesta quinta-feira, 23, e mergulha na lendária e infausta existência de Pablo Escobar, o ogro que jorrava ouro e desafiou o Estado – e esteve a ponto de vencer –; o capiau astuto transformado em super-homem da droga e arrogantemente consciente de que o dinheiro pode comprar e corromper tudo. E, se não o faz, a alternativa é o chumbo para os insubmissos.

Mas ocorre que este personagem fascinante e tenebroso, seu império de infâmia, suas relações familiares e sentimentais, sua sangrenta queda-de-braço com o Governo, sua briga com outros clãs pela posse absoluta do suculento bolo, sua implacabilidade e seu sadismo, seu poder de sedução, o respeito ou o medo de Deus e o mundo quanto aos seus desígnios e seu encurralamento final foram retratados ultimamente à exaustão em filmes e séries de televisão. Há uma overdose de informação e de ficção sobre sua sinistra figura e seu significado na história da Colômbia e na distribuição mundial da gulosa e indestrutível substância branca. Que eu recorde, me falaram de Escobar com melhor ou pior linguagem na esquecível série Escobar, o Senhor do Tráfico, na muito aceitável Narcos, no atrativo filme Profissão de Risco e na irrelevante Escobar: Paraíso Perdido. Também em documentários. E com certeza há mais. Além de prolíficos e já cansativos retratos de chefes de cartéis mexicanos, bolivianos, colombianos. E ultimamente também galegos, já que devido à lógica o fastuoso e inacabável negócio foi, é e será universal. Bom, imagino que a moda de Escobar e de Winston Churchill seja rentável, mas pode acabar em saturação.

E não importa o tema, e sim seu tratamento. De acordo. Meu problema com Escobar – A Traição já não é o abusivo déjà vu com o personagem e o argumento, mas sim que ele frustra minhas expectativas. É um filme que vejo bem, corretamente narrado, em que não olho o relógio, e que escuto pior. Não pela qualidade de seus diálogos, mas sim por sua rodagem em inglês, algo compreensível, mas anacrônico para o ouvido, ao escutar a língua de Shakespeare com feroz acento colombiano. Soa muito estranho.

E não decepciona o esforçado e notável trabalho de Javier Bardem, esse imenso luxo da interpretação espanhola (como José Isbert e Fernán Gómez) e internacional. E Penélope Cruz exibe credibilidade, angústia, beleza e sensualidade. Sei que nesta convulsa época é perigoso citar os dois últimos atributos, mas a evidência me absolverá.

Escobar – A Traição

(Loving Pablo)

Direção: Fernando León de Aranoa.

Elenco: Javier Bardem, Penélope Cruz, Peter Sarsgaard.

Gênero: ‘biopic’. Espanha, 2017.

Duração: 123 minutos.

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