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Quando Sherlock Holmes derrotou seu criador

Dois novos livros recordam a relação do escritor escocês com um personagem mais poderoso que seu autor Conan Doyle

Guillermo Altares
Manuscritos de Arthur Conan Doyle exibidos na casa de leilões Christie’s, em Londres.
Manuscritos de Arthur Conan Doyle exibidos na casa de leilões Christie’s, em Londres.FIONA HANSON (GETTY)
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Sherlock Holmes nasceu porque um médico de cabeceira escocês, que mal ganhava para acender o gás, vivia com o consultório vazio. Aquele doutor se chamava Arthur Conan Doyle e tinha encontrado um modelo para o seu detetive em um de seus professores da Faculdade, Joseph Bell. Poucos personagens tiveram um impacto tão forte como Holmes sobre a sociedade que os viu nascer, e poucos conseguiram prolongar sua sombra de forma tão profunda sobre o futuro. De fato, quando seu autor, que queria seguir outros caminhos literários, teve a bizarra ideia de matá-lo nas cataratas de Reichenbach, não teve outro remédio senão ressuscitá-lo pouco tempo depois, por causa da fúria de seus leitores. O próprio Conan Doyle escreve, num artigo recuperado agora dentro do volume que reúne seus textos de não ficção, Meus Livros. Ensaios Sobre Leitura e Escrita: “Sherlock Holmes é para muita gente qualquer coisa menos um personagem de ficção, como demonstram todas as cartas que recebi dirigidas a ele e nas quais formulam pedidos”. Um banco situado no famoso endereço da Baker Street 221B – que não existia na época em que o personagem foi criado, porque a rua era mais curta – teve que contratar um funcionário só para responder a todas as cartas dirigidas ao detetive.

O jornalista norte-americano Michael Sims reconstrói, em seu estupendo livro Arthur and Sherlock, a criação do detetive e de seu companheiro John Watson, em 1887. O surgimento de um personagem tão durável sempre tem um componente casual, inclusive em seu nome – Doyle pensou em chamá-lo Sherrington Hope –, embora também tenha algo de inevitável. Sims revela a fascinação do escritor por seu velho professor de medicina, que impressionava seus alunos com sua capacidade dedutiva, mas seu personagem também reflete a época que lhe coube viver, o enorme interesse pela ciência que estava mudando por completo o mundo durante a Revolução Industrial, assim como a invenção do romance policial por parte de Poe, entre outros autores. O triunfo de Sherlock Holmes reflete ainda a profunda mudança que o mundo editorial viveu em um século e meio: o personagem só se firmou quando começou a ser editado pela revista Strand, não nos livros (trata-se do equivalente às séries de TV para o século XIX).

Ao final, o estudo de Sims representa uma reflexão sobre o poder e o mistério dos personagens de ficção. Conan Doyle foi, sem dúvida alguma, um escritor de enorme talento, mas sempre inferior ao de sua maior criação. De fato, o autor do detetive mais preparado do mundo chegou a acreditar em fadas. Não é estranho que, em um momento dado, tenha decidido matá-lo para seguir em frente. Sua derrota demonstra até que ponto seu personagem foi sempre muito mais importante que ele.

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