_
_
_
_

As ideias, por ora frustradas, que moviam Luciano Huck à presidência

Apresentador da TV Globo, que deve confirmar sua desistência alegadamente definitiva, vinha agrupando nomes do mercado, intelectuais liberais e progressistas

Felipe Betim

O apresentador da TV Globo Luciano Huck deve anunciar nesta sexta-feira que mantém sua decisão de não concorrer às eleições presidenciais em outubro deste ano. A informação, adiantada pelo site O Antagonista, deixa, de momento, órfãos um conjunto de forças — de nomes do establishment político e do mercado financeiro a intelectuais da elite progressista nos costumes e liberal na economia — que viam sua candidatura como um oxigênio nas eleições de 2018, capaz de ao mesmo tempo ser competitiva no eleitorado mais pobre, ainda mais com a virtual ausência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e renovadora de um quadro político brasileiro em crise.

O apresentador Luciano Huck, em um evento em São Paulo no mês passado.
O apresentador Luciano Huck, em um evento em São Paulo no mês passado.Eduardo Anizelli/Folhapress

Huck já havia dito em novembro, em artigo no jornal Folha de S. Paulo, que não iria concorrer. Mas uma possível candidatura voltou ao holofote após a condenação em segunda instância do ex-presidente Lula. O projeto ganhou força nas últimas semanas com a bênção e o impulso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), alçado a conselheiro político de Huck para o desgosto do governador de São Paulo e presidenciável tucano Geraldo Alckmin.

Mais informações
Ciro, Alckmin e Marina medem forças para evitar Bolsonaro e novo outsider
Brasileiro vive metamorfose política em meio à combustão carnavalesca
O plano do Agora para chegar ao poder: “Queremos influenciar os partidos, mas ficar livres”
Luciano Huck, esperança da nova política ou um candidato mais do mesmo para 2018?

Influenciou na nova desistência — por ora, definitiva, ainda que o prazo para associação a partidos para concorrer só termine em abril — o prazo que a Globo havia dado, até esta sexta-feira, para que ele comunicasse sua decisão. Caso optasse pela candidatura, ele e sua esposa, a também apresentadora Angélica, estariam fora da emissora, com todo o peso de perda financeira que a decisão acarretaria, e não voltariam mais. O apresentador também teve amostras de como é estar no olho do furacão. Na última semana, por exemplo, foi revelado pelo blog O Tijolaço e confirmado pela Folha que ele adquirira seu jatinho particular através de um empréstimo junto ao BNDES com juros de 3% ao ano (abaixo da inflação). Além disso, não raro circulavam nas redes sociais fotos suas com políticos como Aécio Neves e empresários como Joesley Batista, dono da JBS e preso pela Operação Lava Jato.

Os esforços de Huck para a corrida ao Planalto não foram poucos. Ele ouvia especialistas em marketing político há quase um ano sobre suas eventuais chances. Em rara apresentação no programa do colega de emissora Faustão, soou como candidato. Além de FHC, o apresentador recorreu a um bom leque da elite brasileira. Já faz alguns meses que Huck vinha se reunindo e se agrupando com acadêmicos, empresários e ativistas políticos.

Com bom trânsito nos círculos liberais na economia, junto com o economista e ex-ministro da Fazenda, Armínio Fraga, o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Eduardo Mufarej, presidente do Somos Educação e sócio da Tarpon Investimentos, ele se tornou um dos financiadores do RenovaBR, que reúne especialistas de diversas áreas com o objetivo de formar e acelerar “novas lideranças políticas e renovar o nosso Congresso Nacional”.

Também aglutinava setores dos círculos progressistas. É irmão do cineasta Fernando Grostein Andrade, que em 2011 lançou o documentário Quebrando Tabu, que discutia alternativas para a guerra às drogas. O filme se transformou na marca de uma das principais páginas progressistas do Facebook, ao abordar temas tabus na sociedade: direito das mulheres e feminismo, direitos da população LGBTQI+, racismo, entre outros. Huck também entrou, no ano passado, no Agora!, um movimento formado por profissionais técnicos, acadêmicos e empresários que pretende renovar a política brasileira elegendo novos quadros para o Legislativo. Ainda que se defina como apartidário, plural e sem fins lucrativos, o grupo tem uma agenda inicial que mistura políticas progressistas e liberais, tais como reduzir drasticamente a desigualdade, aumentar a eficiência do estado, simplificar o sistema tributário, implantar uma nova política de segurança e de drogas e garantir oportunidades iguais a todos. Até agora não há definições mais concretas sobre questões cruciais e urgentes como rotas de saída para a crise fiscal do Estado ou sobre a reforma da Previdência.

“Ele viu a nossa agenda e disse 'nossa, mas eu concordo com isso tudo", disse Ilona Szabó ao EL PAÍS no começo do ano. Além de ser uma das fundadoras do Agora!, ela é especialista em segurança pública e diretora-executiva do Instituto Iguarapé, um think tank que se opõe abertamente à política de guerra às drogas. “A gente sabia que para o movimento ganhar as ruas a gente precisava ter tradutores, pessoas que tenham mais capacidade e experiência de conversar com a população, e o Luciano tem muita capacidade e experiência para isso”, disse ao jornal. Também admitiu, entretanto, que o movimento ainda não tinha cacife para disputar a presidência da República e reafirmou o foco no Legislativo. O movimento mantém conversas avançadas com o PPS para abrigar os membros que queiram concorrer neste ano.

Eleitorado não ideológico de Lula

Para Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Locomotiva e fundador do Data Popular, a candidatura do apresentador representava o liberalismo econômico clássico. "São os que defendem que não há meritocracia sem igualdade de oportunidades. Defendem as cotas e o melhor pra quem mais precisa, consertar desigualdades históricas em regiões do país", explica ele. "Ele traria um debate que que vai além do tamanho do Estado. São políticas que foram implementadas aqui por Governos de esquerda e que são encontrados em países liberais e sociais-democratas", argumenta.

Meirelles acredita que uma possível candidatura de Huck poderia encontrar eco em diversos setores da sociedade, mas principalmente nas classes C e D, muito concentradas no Nordeste. O apresentador poderia ocupar um vácuo deixado por Lula, que deve sair inelegível de sua condenação na Lava Jato. Mauricio Moura, CEO da Ideia Big Data, uma consultoria com experiência em campanhas nos EUA e no Brasil, segue o mesmo raciocínio: "Quem mais admira o Huck é o campo popular. Estamos falando do eleitor que é fiel ao Lula, mas não é ideológico". Esse imenso campo segue em aberto.

"Lula sai na frente nas pesquisas porque, num cenário sem renovação, ele aparece como o presidente na última vez que a vida das pessoas melhoraram", explica Meirelles. No entanto, uma pesquisa do Locomotiva para o RenovaçãoBR identificou que 96% dos brasileiros não se sentem representados pelos políticos em exercício, enquanto que 93% acredita que formar novas lideranças é necessário para mudar o país. "Então a grande maioria quer uma renovação, tanto na forma de fazer política como nos rostos que estão sendo colocados", acrescenta.

É por isso que a candidatura de Huck soava interessante, ainda que com ressalvas, para Luti Guedes, de 25 anos. Engajado politicamente, trabalha há anos com políticas públicas e passou pela prefeitura do Rio e pela ONU. Hoje está na Fundação Cidadania Inteligente e foi aprovado no processo seletivo do RenovaBR com a ideia de começar ele mesmo a se envolver na política tradicional. "Uma candidatura dele pode ser melhor que uma possível eleição. Poderia simbolizar uma oxigenação da personalidade política, de que a liderança na política ela não passa necessariamente por processos tradicionais e, ao mesmo tempo, ela consegue representar um compromisso com a sociedade", argumenta Guedes. Mas pondera: "Ao mesmo tempo é muito perigoso as pessoas que entram na arena da política para negar a política. Ela é fundamental para reduzir as desigualdades. Acho que há o risco de uma falsa tecnocracia, de despolitizar a visão de país, a desigualdade e o serviço público".

Afinado com o liberalismo econômico, Huck mostrava potencial na elite empresarial, como é o caso de Fábio Cristilli, executivo de uma multinacional, investidor e residente nos Estados Unidos. “Enxergo nele um possível agente de mudança, pois é também um empresário de sucesso, que trafega em todos os setores da sociedade. Estamos em um momento em que a conversa no mundo já mudou de patamar. Vá explicar o que é a necessidade de investir em inovação e os seus benefícios a um político?! Estão todos atrasados”, explicou Cristilli à redatora-chefe do EL PAÍS Carla Jiménez.

Reações à candidatura e a busca do 'outsider'

Os holofotes sobre Huck não deixaram a classe política indiferente. Enquanto parte do establishment político, como FHC, queria apostar no outsider até como falta de alternativa ante a grande incerteza no quadro eleitoral, outros mostravam desconforto. Se nos bastidores Alckmin parecia incomodado com as pressões do grande nome do seu partido diante de seu baixo desempenho nas pesquisas, publicamente ele deu as boas-vindas protocolares a Huck: "Se ele for candidato, ótimo, é o povo que decide, não tem nenhum problema. No PSDB, nós vamos ter a primária em 11 de março. Ele não é filiado ao PSDB, aliás nem sei se tem alguma filiação partidária. Quem quiser ser candidato, tem que se filiar agora em março. Eu nunca desestimulo as pessoas a participarem da política", disse na semana passada.

Já o senador Cristovam Buarque, que lançou sua pré-candidatura pelo PPS, o mesmo partido que abriu suas portas para o apresentador da Globo, disse ao EL PAÍS: "Eu fiquei muito satisfeito dele querer entrar na política, mas já como candidato a presidente não era melhor para o partido. Talvez como deputado ou qualquer outra coisa. Acho que ele não tem a proposta para o Brasil que precisamos agora. Eu vi como mais um dos candidatos que procura atender a raiva que o povo tem dos políticos, e não a esperança que o povo precisa ter para o futuro". Por sua vez, a presidenciável Marina Silva (REDE) declarou para este jornal: "Não deu certo com a Dilma. Tem aquilo 'ah, é um gestor que está acima do bem e do mal', e olha o que aconteceu com o Rio de Janeiro. Mas eu saúdo os que querem melhorar a qualidade da política".

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_