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Eleições 2018
Coluna
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2018: um novo presidente e uma nova Copa do Mundo para recompor o Brasil?

O Brasil parece estar precisando é de um presidente normal. Não precisa ser um herói, nem um santo, nem um messias, nem um justiceiro

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Allianz Parque no último jogo do Brasil nas eliminatórias, contra o Chile.Lucas Figueiredo (CBF)
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Este novo ano será para o Brasil uma data especial porque nele terão lugar dois acontecimentos que tocam na alma das pessoas: será eleito um novo presidente da República, depois do ano político horribilis que não gostaríamos de repetir, e será o ano em que a seleção de futebol tentará a desforra, na Copa da Rússia, pela vergonha da derrota por 7 a 1 contra a Alemanha no Mineirão.

Neste ano as urnas serão um termômetro para saber até onde chega a febre de desalento dos brasileiros com a política e seus desejos de renovação. Saberemos se querem que as coisas mudem para melhor ou preferem que continuem se arrastando no desgoverno e descaramento que estamos vivendo. E, embora possa parecer estranho, o resultado da seleção na Copa da Rússia, hoje nas mãos de Tite, um treinador discreto e com pulso firme, poderia influenciar positiva ou negativamente as eleições que se apresentam como uma das mais complexas e difíceis em muitos anos.

Já sei que o futebol nem sequer no Brasil desperta hoje aquela paixão dos tempos em que este país ganhava uma Copa atrás da outra e se identificava com a bola bem jogada. Já sei que o futebol, paixão quase universal, carregada de símbolos, foi profanado por corruptos da FIFA. Mas, ainda assim, continua vivo nas veias de milhões de brasileiros. A Copa deste ano poderia influenciar as eleições presidenciais. Uma nova derrota como a de 2014 acabaria azedando ainda mais os ânimos da sociedade. Já o hexa conquistado na Rússia, pelo contrário, poderia ser um remédio que reanimasse o desejo de querer renovar também a política para recomeçar, com gente nova, um processo mais limpo e com mais vontade de mudar as coisas.

Não podemos esquecer que foi, curiosamente, a partir do desastre da última Copa, com as vaias a Dilma no Maracanã, que se agudizou a crise política que nos conduziu até o desastre de hoje.

Cada um decidirá, tão logo acabe a Copa, quem escolher para recompor o Brasil que, de país do futuro, se viu descarrilar em um presente sem rumo. Eu não voto no Brasil, mas o que o Brasil parece estar precisando é de um presidente normal. Sim, normal, não tocado pelo lixo da corrupção, com capacidade e sabedoria para levantar os ânimos de um país em depressão e de reunificar os que a degradação da política levou a se enfrentarem duramente.

Um presidente normal, que não precise de grande biografia, como a maioria dos que governam o destino dos países com a maior qualidade de vida e a maior justiça social. Quantos sabem os nomes dos presidentes dos dez países nos quais, segundo a ONU, se vive melhor e há menos pobres e analfabetos, se houver algum? Normal significa que não precisa ser um herói, nem um santo, nem um messias, nem um justiceiro. Simplesmente, uma pessoa preparada, séria e honesta, disposta a pensar mais no país do que em seus privilégios de hoje e de amanhã. Existe?

Os escritores e os poetas são aqueles que melhor sabem compreender a alma das pessoas e seus desassossegos nos momentos críticos de uma sociedade. O Brasil, pelo que conheço nos meus 20 anos de vida aqui escrevendo sobre ele, me parece um país rico e complexo internamente, uma mistura de tantas experiências sedimentadas ao longo de séculos, embora hoje profundamente decepcionado.

E essa decepção já foi plasmada pelo grande Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, quando escreveu: “Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir… A senvergonhice reina tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade”. É o que o Brasil está vivendo, onde a “senvergonhice” a que se refere Guimarães nos levou a ver maldade até onde poderia existir sinceridade.

Por sua vez, o autor de um dos livros mais enigmáticos da Bíblia, Eclesiastes, escreveu há mais de três mil anos algo que todos deveríamos recordar neste momento de transição que o Brasil está vivendo em busca de um novo ciclo de serenidade e de fraternidade.

Escreve que:

“Há um tempo para tudo sob o sol...

tempo para jogar pedras e outro para recolhê-las,

tempo para amar e tempo para odiar,

tempo para a guerra e tempo para a paz”.

Que 2018 nos prepare um clima no qual o Brasil saiba deixar para trás, como um pesadelo, o tempo de “jogar pedras”, o tempo para “odiar” e o tempo de “guerra”, para poder respirar em uma sociedade pacificada outra vez na qual prevaleçam seus verdadeiros valores que hoje parecem perdidos.

Essa alma à qual se referia no fim do ano a escritora Rosiska Darcy de Oliveira no jornal O Globo, com a famosa frase: “que todos os deuses do Brasil nos ajudem a preservar essa estranha mania de ter fé na vida”.

Na simbologia cabalística judaica, o número 18 representa a vida. Então, feliz 2018! Que seja o ano em que o Brasil ressuscite com um novo instinto de vida deixando para trás a aborrecida caravana dos resignados.

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