O que será do feminismo depois de 2017?
Se o movimento contra o assédio sexual resistir aos ataques, pode ser um marco na história do feminismo
O ano que está a ponto de terminar foi palco de um movimento que pode trazer magníficas consequências: as mulheres começaram a reivindicar sua voz no espaço público e a denunciar sistematicamente o assédio sexual a que são submetidas nesse espaço comum. Se esse movimento resistir aos ataques a que vem sendo submetido e conseguir se manter no tempo, pode ser um dos acontecimentos marcantes na história do feminismo.
É inegável que a situação das mulheres experimentou uma mudança impressionante, se não em todo o mundo (a Índia continua sendo um país terrivelmente cruel, até pior que algumas teocracias islâmicas), ao menos em sua parte mais desenvolvida. Mas, como observa a filósofa Amelia Valcárcel, “elas, as mulheres, mudaram, mas se depararam com eles, os homens, mantendo suas próprias e velhas regras”.
Eles, os homens, ocupam o espaço público em parte muito maior do que lhes cabe e, pela primeira vez, parece que as mulheres ficaram fartas dessa atitude. O caso mais emblemático é o famoso jeito masculino de abrir as pernas ao se sentar, uma tendência dos homens no espaço público, invadindo o lugar da mulher, encolhida a seu lado. A ocupação mais grave, porém, é a que ocorre na hora de falar. A BBC publicou que, apesar da crença de que as mulheres falam mais do que os homens, há evidências de que ocorre o contrário. A historiadora Mary Beard documentou até que ponto os homens acreditam que são eles que têm de falar no espaço público, e um estudo, intitulado Silent Sex, afirma serem necessárias quatro mulheres para cada homem para que se conserve um certo equilíbrio no espaço comum. É famoso o estudo que demonstrou a escandalosa quantidade de vezes que Sonia Sotomayor, membro do Supremo Tribunal dos EUA, era interrompida por seus colegas.
A reação das mulheres diante dessa exibição de poder masculino, esta espécie de machorragia de que padecem muitos homens, incapazes de controlar sua tendência a ocupar todo o espaço público, seja pela expansão de sua presença física seja pela hemorragia verbal, começa a ser consistente. “Pare de me interromper”, “pare de me explicar o que acabo de dizer” são frases que mais mulheres pronunciam todos os dias, fartas da pressão que sofrem.
Mais importante ainda é o movimento conhecido como Me, too, que começou nos Estados Unidos como uma denúncia de assédio sexual que sofrem as atrizes no mundo do espetáculo. Me, too está se espalhando para outros campos de trabalho e já são muitas as empresas que dão suporte para que as mulheres afetadas denunciem os protagonistas desse assédio físico. O protesto iniciado em Hollywood chegou até mesmo à Índia, onde a ministra da Mulher enviou uma carta a 25 diretores de cinema e famosos atores pedindo-lhes que acabem com os ataques às mulheres em Bollywood.
“Vão acabar com a confiança entre homens e mulheres”, se queixava recentemente um colunista norte-americano, “se não podemos falar com naturalidade”. “O que tem a ver a confiança com os contínuos apelos à condição sexual do interlocutor? A confiança não desaparecerá porque os homens mudam suas velhas regras.
Como sempre acontece com as reivindicações feministas, nada será fácil. Faz tempo que existe na chamada Internet profunda uma rede, Manosphere, que reúne grupos de homens que se sentem vítimas da nova presença feminina e denunciam o que eles chamam de perda de valor cultural do “masculino”. Assim como renascem os grupos supremacistas brancos, estão renascendo grupos supremacistas machos. Um perigo.
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