Reunião da OMC começa em Buenos Aires com o medo do protecionismo dos EUA
“Não podemos dar as costas ao comércio nem à tecnologia”, afirma o secretário-geral da organização, Roberto Azevêdo
O fantasma da volta do protecionismo ronda nestes dias Buenos Aires, sede da XI Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), inaugurada neste domingo, principalmente pelo medo de que ele seja promovido pelo país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos. O secretário-geral da OMC, Roberto Azevêdo, não ocultou essa inquietação na véspera da abertura dos trabalhos, embora tenha evitado culpar diretamente os EUA. “O sentimento no mundo está mais introspectivo. A ameaça do protecionismo continua presente. O comércio passou a ser visto como algo que prejudica os mercados de trabalho, mas é a tecnologia a responsável por 80% dos empregos que se perderam. Não podemos dar as costas nem à tecnologia nem ao comércio, temos de melhorar o comércio para que seja mais inclusivo”, afirmou Azevêdo.
O secretário-geral, acompanhado pela ex-chanceler argentina Susana Malcorra, organizadora da conferência, defendeu a OMC e sua utilidade em um momento em que o discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, está questionando a organização. “Temos de defender o sistema que é um garantidor da estabilidade. Vimos isso na resposta à crise de 2008, quando o mundo não se dedicou a impor barreiras comerciais como tinha feito em crise anteriores, porque tínhamos as normas da OMC”. O presidente argentino, Mauricio Macri, conseguiu que participem da reunião alguns dos presidentes latino-americanos mais importantes, principalmente os do Mercosul, o que dá maior destaque a uma cúpula que tem graves problemas de conteúdo precisamente pela resistência dos EUA.
“Em minha reunião com o representante dos EUA vou pedir um compromisso político e flexibilidade, sem flexibilidade não vamos a lugar nenhum”, disse Azevêdo. “Os EUA são um problema? Há problemas constantemente com muitos países. Eu evito acusar as pessoas, o que queremos é um esforço coletivo para superar os problemas. O que temos de fazer é ver como todos juntos superamos os obstáculos”, insistiu o diplomata brasileiro, depois de admitir que há “suma preocupação” com o bloqueio da renovação dos juízes do órgão de apelação da OMC, que os especialistas atribuem aos EUA. “A paralisia do processo de seleção repercute na resolução de diferenças. Mas vamos superar isso também”, concluiu Azevêdo.
Mas se as expectativas para esta reunião da OMC são baixas, não é só por culpa de Donald Trump. Na disputa de fundo está a reivindicação dos países produtores de matérias-primas de que as economias desenvolvidas abram seus mercados aos produtos agrícolas, sua principal fonte de recursos. O certo é que o tema agrícola está no topo da agenda com a qual chegam a Buenos Aires os representantes dos países latino-americanos, assim como as restrições ao setor pesqueiro. Foi o que antecipou o chanceler argentino, Jorge Faurie, semanas atrás, durante um encontro preparatório. “As tarifas sobre os produtos agrícolas [aplicadas pelos países centrais] são cinco vezes mais altas que as industriais. Em 2015, alcançaram 584 bilhões de dólares [1,9 trilhão de reais], quatro vezes mais que a ajuda ao desenvolvimento, que foi de 135 bilhões de dólares [444 bilhões de reais]”, disse Faurie. “Por isso, esperamos que a cúpula sirva para fortalecer a OMC e para que haja um desenvolvimento mais inclusivo”, concluiu.
A dificuldade em encontrar uma solução para o problema tem sua origem no mecanismo de negociações: os acordos na OMC têm de ser alcançados por consenso, ou seja, basta um voto contrário de qualquer um dos 164 países membros para que qualquer acordo fracasse, por mais bem encaminhado que esteja. Por isso, fontes da Chancelaria argentina consideram que já será um avanço se os subsídios que hoje são permitidos e geram distorções no comércio começarem, pelo menos, a ser reduzidos pouco a pouco. A expectativa é que a reunião de Buenos Aires seja concluída com um consenso preliminar, um roteiro. A ideia do roteiro esteve presente em grande parte das declarações que antecederam a abertura da cúpula, e neste domingo Malcorra voltou a mencioná-la. “Há temas que chegam de Genebra ainda não finalizados e tentaremos avançar em tudo que for possível, em processos, em roteiros que nos permitam ter um horizonte em relação àquelas coisas que não possamos acertar”, disse a ex-chanceler durante a entrevista coletiva ao lado de Azevêdo.
Para Macri, entretanto, a reunião é o melhor cenário possível para expor ao mundo, mais uma vez, seu compromisso com a abertura da economia argentina. A ideia do Governo é coroar a conferência com a assinatura, na quarta-feira, de um acordo de livre comércio longamente protelado entre o Mercosul e a União Europeia. A negociação está na fase em que são abordados os pontos mais complicados, esses que são deixados para o final. Mas a Casa Rosada espera pode mostrar pelo menos um documento com compromissos políticos e um plano de trabalho com reduções graduais, ao longo de 15 anos, em 10.000 posições tarifárias. Em resumo, um roteiro.
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