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Dúvidas da França ameaçam o pacto comercial entre União Europeia e Mercosul

Paris e outras capitais temem a concorrência da carne argentina e brasileira

Macron sai do Elíseo com uma de suas assessoras, Sibeth Ndiaye.
Macron sai do Elíseo com uma de suas assessoras, Sibeth Ndiaye.LUDOVIC MARIN (AFP)

O impulso europeísta de Emmanuel Macron tem na política comercial seu calcanhar de Aquiles. O presidente da França está em dúvida sobre a aposta de Bruxelas de atuar como líder do livre comércio frente ao protecionismo de Donald Trump. Esse receio − não exclusivamente francês − em relação aos tratados comerciais ameaça o mais importante deles em discussão, o do Mercosul. A França propõe uma mudança no mandato de negociação, o que impediria que ele fosse concluído neste ano, como pretende Bruxelas.

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A União Europeia aplaudiu entusiasmada a chegada de Macron ao poder, mas sua vitória não acabou com o temor da globalização. Os chefes de Estado e de Governo debaterão na próxima quinta-feira em Bruxelas como gerir a política comercial da UE. Trata-se de um pedido do presidente para a reunião de cúpula europeia depois do “nervosismo” mostrado em relação ao tratado comercial com o Mercosul, explica um alto funcionário europeu que exige anonimato. Macron já deixou claras suas intenções na semana passada. “É indispensável que essas negociações se atualizem se queremos levá-las adiante”, disse ele a representantes do mundo agrícola, que teme os efeitos da entrada de carne e de outros produtos sul-americanos na Europa a preços mais competitivos.

Desde a fracassada tentativa de negociar um acordo com os Estados Unidos, a política comercial europeia deixou que ser um assunto técnico para ganhar máxima relevância política. A França, onde o discurso populista da Marine Le Pen seduziu uma parcela de trabalhadores que se consideravam vítimas da liberalização comercial, mostra-se especialmente receptiva. “É uma questão sensível, na França e em outros países. Não podemos dar a nossos cidadãos, que estão legitimamente inquietos, a sensação de que não os escutamos”, argumentou segunda-feira passada o primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, em Bruxelas. A seu lado, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, mostrava a outra cara da moeda: “Cada bilhão de euros de exportações mantém 14.000 empregos na Europa”.

A principal vítima dessa batalha pode acabar sendo o acordo comercial com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (a Venezuela, suspensa do Mercosul em dezembro, fica de fora desta negociação). Selar um pacto comercial é atraente para os dois lados porque o bloco sul-americano ainda não assinou nenhum com outro território. Embora o mandato seja de 1999, só em maio de 2016 foram revitalizadas as negociações, com um intercâmbio de ofertas que incutiu esperanças nos dois grupos. A última rodada de conversações, realizada no início de outubro em Brasília, serviu para constatar que as cotas de exportação sem restrições de carne bovina e etanol que o Executivo europeu oferece são insuficientes para os países sul-americanos. Ao mesmo tempo, são excessivas para alguns membros da UE, liderados por França e Irlanda.

Um porta-voz da Comissão Europeia recorda que em junho os chefes de Estado e de Governo pediram que se avançasse em todos os tratados comerciais abertos, incluindo o do Mercosul e a renovação do que já existe com o México. “É uma das prioridades da Comissão Juncker”, assinala o porta-voz.

Apesar de tudo, Bruxelas, com poderes exclusivos para negociar tratados comerciais, tem esperança de concluir neste ano o pacto com o Mercosul. Assim como ocorreu com o acordo com o Japão, trata-se de emitir um sinal político de compromisso com o livre comércio frente ao protecionismo dos Estados Unidos.

Fluxos intensos

Os fluxos entre a UE e Mercosul já são muito intensos. O clube comunitário é o principal sócio comercial do bloco sul-americano (representa um 21% do total de intercâmbios). As exportações europeias duplicaram-se com diferença em 10 anos, até somar 46.000 milhões em 2015. Um tratado comercial poderia elevar essas cifras e dar acesso europeu a serviços e licitações públicas em Mercosul.

França e Irlanda temem um maior peso do vacino argentino ou brasileiro na UE. Na atualidade, três quartas partes da carne que importa a Europa já provêm de Mercosul.

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