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Moradores já não confiam no Rio Doce e preferem comprar água

Apesar de laudos atestarem que abastecimento de Governador Valadares e Colatina já é seguro, parte dos moradores prefere comprar água mineral

Roberto Carlos, morador de Colatina, não sabe ao certo se a água está contaminada, mas voltou a pescar.
Roberto Carlos, morador de Colatina, não sabe ao certo se a água está contaminada, mas voltou a pescar.Douglas Magno

Há dois anos, o balconista Marques Brandão não tem coragem de utilizar a água que sai da torneira de sua casa, no centro da cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais. Toda semana ele pega seu carro e dirige até a propriedade de um conhecido que possui um poço artesiano. "Eu já não bebo dessa água que vem do rio, nem uso para lavar roupa ou fazer comida. Toda minha família está desconfiada. O que a Samarco fez com a gente é uma covardia", reclama.

A 300 quilômetros de Mariana, a cidade foi fortemente afetada pelo tsunami de rejeitos proveniente do rompimento da barragem de Fundão.  O desastre matou um total de 19 pessoas e deixou um rastro de destruição ao longo de mais de 600 quilômetros da Bacia do Rio Doce, até o litoral do Espírito Santo. Quando a lama atingiu o Doce, na altura de Governador Valadares, o abastecimento de água da cidade de 28.000 habitantes precisou ser suspenso por uma semana. Durante seis meses, houve também a proibição total da pesca na região.

Sem ver a água pingar pela torneira, grande parte da população saiu às pressas para comprar água mineral e os estoques terminaram rapidamente nos supermercados. Uma decisão judicial determinou que a mineradora Samarco, controlada pela Vale e a BHP, fornecesse à população 550.000 litros de água potável por dia até que a situação fosse normalizada. Os pontos de distribuição de garrafas entregues pela mineradora tinham filas que dobravam o quarteirão na época. "A gente não achava água para comprar, enfrentava horas debaixo do sol para conseguir levar um galãozinho", conta a dona de casa Delsimara Moreira.

Delsimara Moreira, moradora de Governador Valadares, tenta na Justiça receber uma indenização maior da Samarco por ter ficado sete dias sem água após o rompimento de Fundão.
Delsimara Moreira, moradora de Governador Valadares, tenta na Justiça receber uma indenização maior da Samarco por ter ficado sete dias sem água após o rompimento de Fundão.Douglas Magno

Desde o primeiro semestre de 2016, os níveis de metais no curso do Rio Doce, entretanto, têm se mantido dentro da normalidade, com valores semelhantes aos encontrados antes do rompimento da barragem, segundo resultados do Instituto Mineiro das Águas (IGAM). A turbidez na maioria das vezes também é normal. Dessa forma, a água que é captada atualmente e passa pelo devido tratamento realizado pela prefeitura pode ser consumida. Apesar dos laudos, a população segue incrédula. Além disso, a desconfiança tambéom paira sobre a qualidade do pescado.

Yone Melo, bióloga especialista em qualidade da água da Renova – fundação encarregada de arcar com as indenizações e reparos causados pelo desastre — , explica que um dos maiores desafios hoje é reconquistar a confiança dos moradores. "O impacto foi muito grande e é complicado para as pessoas voltarem a acreditar que a água não tem mais problema, elas associam metais com contaminação o que não é necessariamente verdade. O que temos feito é ir às comunidades, explicar e apresentar dados", diz. Hoje, segundo a bióloga, o maior problema do rio são as bactérias, coliformes fecais, de esgotos não tratados.

Em Colatina, no Espírito Santo, a desconfiança sobre a água também é a mesma. A cidade que capta água exclusivamente do Rio Doce teve seu abastecimento interrompido durante cinco dias, logo após o desastre em Mariana. No período sem água, a cidade dependeu do abastecimento de carros-pipa e da distribuição da água mineral da Samarco.

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"Dois anos depois, tem muita gente em Colatina que continua não bebendo a água do rio. Mas como ninguém dava uma opinião certeira de como está o rio, eu mesmo voltei a tomar água e a pescar. Eu não tenho condições de ficar comprando água mineral, mas não sei o que vai acontecer comigo", conta o pescador Roberto Carlos.

Quem ficou mais de 24 horas sem o abastecimento de água por conta do rompimento da barragem de Fundão pode participar de um Programa de Indenização Mediada (PM) gerido pela Renova, que é financiado pela Samarco. Os valores variam de 800 reais a 1.000 para cada pessoa, dependendo de quantos dias faltou água e do valor médio da conta de cada cidade. Em Governador Valadares, mais de 130.000 pessoas aceitaram aderir ao programa. E acordaram em não entrar na Justiça contra a empresa para pedir danos de água.

Mas uma parcela dos moradores, como o balconista Marques Brandão quer muito mais do que mil reais de indenização por todo o transtorno causado com o desabastecimento da cidade. "Eu quero que eles me paguem a gasolina que estou gastando para ir sempre buscar a água do poço artesiano. Quero uma indenização de no mínimo 8.000 reais", diz, sentado em uma das cadeiras da sala de espera do Juizado Especial de Governador Valadares. Junto com a advogada, ele tenta um acordo com a Samarco.

Segundo a Renova, foram criados vários postos de conciliação para resolver pendências jurídicas. Só em Governador Valadares, hoje estão correndo 54.000 processos de pedidos contra a mineradora.

Já as indenizações por danos gerais não são tão simples e ainda estão sendo discutidas em diversas regiões. Segundo a Renova, mais 12 milhões de reais de antecipação já foram liberados para comerciantes, pescadores e areeiros ao longo das áreas afetadas em Minas e Espírito Santo. Mas cada categoria afetada definirá um valor. Ainda segundo a fundação, um total de 500 milhões de reais já foram pagos em indenizações e auxílios financeiros desde a tragédia em Mariana. Como medida compensatória, a Renova também irá destinar outros 500 milhões de reais para sistemas de tratamento de esgoto nos 39 municípios impactados.

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