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Itália se revolta contra torcida fascista da Lazio que zomba de Anne Frank

Torcedores colaram adesivos da menina morta pelo nazismo vestida com a camisa da Roma, a equipe rival

Daniel Verdú
Claudio Lotito, presidente da Lazio
Claudio Lotito, presidente da LazioGregorio Borgia (AP)
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No inquietante imaginário dos extremistas de direita da equipe de futebol romana Lazio – também nos de muitas outras na Itália –, “judeu” é um recorrente e ofensivo insulto ao rival. E o pior é que o adversário deve encarar dessa forma, já que continua sendo utilizado com frequência. No fim de semana, durante o encontro Lazio-Caglairi, alguns integrantes de Os Irredutíveis, como esses hooligans se denominam, inundaram a curva sul do Estádio Olímpico – que compartilham com a Roma – de adesivos fabricados só para essa finalidade, com o rosto de Anne Frank usando a camisa de seu odiado adversário. “Anne Frank incentiva a Roma”, dizia a montagem. Desta vez a Itália explodiu contra a última ocorrência e a Federação de Futebol Italiano (FIGC) abrirá nesta terça-feira uma investigação que poderá custar muito caro ao Lazio pela reincidência de sua torcida.

Foto de Anne Frank com a camisa da Roma
Foto de Anne Frank com a camisa da Roma

Porque os extremistas nem sequer deveriam ter estado ali, na curva que durante as partidas da Lazio permanece sempre fechada e onde são colocados normalmente os tifosi (torcedores) da Roma. Um juiz esportivo havia decretado o fechamento da curva norte do estádio depois dos cânticos racistas que durante a partida contra o Sassuolo, em 1 de outubro, torcedores tinham gritado contra os jogadores Adjapong e Duncan. Mas a Lazio, em uma demonstração de torpeza na gestão do clube, decidiu vender a um euro  as entradas da Curva Sul durante os dois encontros em que duraria a punição. A ironia do caso é que o lema da campanha era “Combatamos o racismo”, mas a jogada só conseguiu mudar os hooligans de lugar e estimulá-los a deixar a casa de seu rival atulhada dos notórios adesivos.

Ao contrário de vezes anteriores, o caso adquiriu uma enorme relevância e os principais jornais o levaram à primeira página com duros editoriais. A queixa da comunidade hebraica de Roma impulsionou a repulsa e La Repubblica, por exemplo, publicou o mesmo adesivo repetido uma dezena de vezes com as camisas de várias equipes da Série e o lema: “Anne Frank somos todos”. A polêmica, transformada em trending topic, chegou até a política. O presidente da República, Sergio Mattarella, definiu o fato como “um ato desumano”. A prefeita de Roma, Virginia Raggi, a presidente da comunidade judaica de Roma, Ruth Dureghello, e o presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, também o condenaram. E Matteo Renzi sugeriu às equipes da Série A que joguem no domingo com uma Estrela de Davi no peito para protestar contra um problema que, na realidade, não é nem exclusivo da Lazio. De fato, veem-se insultos parecidos toda a semana nas arquibancadas da equipe rival.

Paolo Di Canio, capitão da Lazio, faz a saudação fascista em 2005
Paolo Di Canio, capitão da Lazio, faz a saudação fascista em 2005AP

Mas desta vez a Lazio, uma das equipes com maior histórico de sanções por racismo – a saudação facista de seu então capitão, Paolo di Canio, aos torcedores depois de uma partida deu a volta ao mundo –, teve de pedir desculpas e, durante a manhã desta terça-feira, uma delegação da equipe, com seu presidente à frente e vários jogadores, levou à sinagoga de Roma uma coroa de flores para prestar homenagem às vítimas do Holocausto e distanciar-se da ação dos extremistas de direita. Além disso, o presidente disse que jogarão com a foto da jovem assassinada pelo nazismo na camisa durante a próxima partida, e a federação italiana anunciou que em todos os estádios será lido um trecho do Diário de Anne Frank.

Arturo Diaconale, diretor de comunicação do clube, explica ao EL PAÍS a situação criada. “Condenamos imediatamente este episódio que, lamentavelmente, se criou a partir de uma iniciativa contra o racismo. A Lazio é o único clube na Itália que adotava uma linha de extrema intolerância com o racismo. O presidente está pagando um preço muito alto por isso, incluindo ameaças de morte, e tem de andar com escolta. Mas teve êxito, porque há anos não há incidentes físicos na curva da Lazio, bandeiras ofensivas ou cânticos truculentos. Mas infelizmente é preciso continuar com uma ação educativa.”

Um cartaz em 1998 em uma partida da Lazio contra a Roma
Um cartaz em 1998 em uma partida da Lazio contra a RomaAFP

Além do gesto desta terça-feira, o presidente anunciou que todos os anos a Lazio organizará uma viagem de 200 torcedores ao antigo campo de concentração de Auschwitz para manter viva a memória do que aconteceu. Mas a tolerância zero contra o racismo que começa a funcionar com normalidade em outras ligas europeias chega com muito atraso à Itália. O problema não é só dos torcedores da Lazio. Todos os domingos é possível escutar torcedores comuns, com os filhos ao lado, se dedicando a fazer o som do macaco quando um jogador negro da equipe rival conduz a bola. Na verdade, os extremistas da Roma também adotam o mesmo tipo de insulto contra os rivais de sua cidade e, como já indicam em alguns fóruns, não seria de estranhar que na próxima partida haja alguma reação usando a mesma linguagem.

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