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Argentina decide neste domingo se entrega todo o poder a Macri

Pesquisas de intenção de voto para as Legislativas apontam para derrota de Cristina Kirchner

Carlos E. Cué
Cristina Kirchner em comício eleitoral no estádio do Racing.
Cristina Kirchner em comício eleitoral no estádio do Racing.Reuters
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A Argentina realiza neste domingo eleições que renovarão grande parte do Parlamento em um clima deteriorado. A descoberta do corpo de Santiago Maldonado, desaparecido em primeiro de agosto após uma operação policial que visava reprimir um grupo de indígenas mapuches, suspendeu a campanha. Os argentinos decidem neste domingo se entregam todo o poder a Mauricio Macri, que governa em minoria desde 2015, com um resultado significativo em todo o país, como indicam as pesquisas, ou se permitem que Cristina Kirchner, candidata a senadora em Buenos Aires, saia reforçada e, liderando a oposição, tente conter o presidente.

A Argentina vem há pelo menos 70 anos lidando com uma versão autóctone da mítica frase cunhada por Vargas Llosa: quando o Peru foi para o buraco. Os argentinos podem passar horas discutindo quem foi o culpado pela decadência de um país que já esteve, fugazmente, entre os mais ricos do mundo e que nos últimos 70 anos vem registrando um dos menores níveis médios de crescimento econômico do planeta, com fortes quedas cíclicas das quais não consegue se recuperar totalmente.

Sempre inovadores, os argentinos já experimentaram quase todas as fórmulas políticas possíveis para solucionar seus problemas. E agora o fizeram de novo. Por isso, a grande discussão na eleição deste domingo é se entregam todo o poder a uma experiência inédita, estranha até mesmo no nível de um continente como a América, habituado às excentricidades: um milionário como Macri, seguido por um outro grupo de pessoas de sua classe social e outros profissionais do mundo empresarial, misturado com alguns ex-peronistas e ex-radicais, com uma mensagem nova de reconstrução do país e uma ideia-mestra: esta é a última chance para salvar a Argentina.

O EL PAÍS entrevistou, antes das eleições, quinze intelectuais, escritores, artistas, empresários e ex-políticos como Juan Domingos Cavallo, para mostrar como o país encara essas eleições decisivas: mesmo sem uma troca de presidente, caso Macri receba esse aval eleitoral, como indicam todas as pesquisas, terá todo o poder para seguir em frente com suas reformas e poderá encarar com forte chance de reeleição o pleito presidencial de 2019. Se Cristina Kirchner e seus aliados peronistas conseguirem conter Macri, em especial com uma vitória na província de Buenos Aires, o presidente continuará mandando, mas com muito menos força.

Os intelectuais argentinos estão divididos. Alguns se mostram entusiasmados diante das chances de uma mudança com Macri à frente e outros se dizem desolados com aquilo que enxergam como uma virada à direita do país. Mas todos coincidem em alguns pontos. Por exemplo, quanto à ideia de que a Argentina não pode continuar olhando apenas para o passado. “A Argentina idolatra o passado. Precisamos parar de repeti-lo”, observa o filósofo Santiago Kovadloff. Para dar uma ideia de como isso é verdadeiro, a última polêmica da campanha se deu em torno de em quem os eleitores de Perón e de Evita votariam hoje se estivessem vivos: em Cristina Kirchner ou no candidato apoiado por Macri.

Outra constante é que a esquerda e o peronismo subestimaram Macri. “Ele se peronizou. E nos surpreendeu”, admite Horacio González, referência intelectual do kirchnerismo. Muitos temem o poder absoluto que o presidente pode obter nestas eleições; outros acreditam que isso é algo imprescindível para poder governar um país tão complexo. Todos destacam que Macri avançou aos poucos porque não tinha poderes para ir mais rapidamente, e sempre, além disso, existe o risco de uma revolta social em um país com uma taxa de pobreza de 30%. A surpresa diante da pouca contestação ao presidente em relação à média história é bastante ampla. “Os argentinos estão tendo mais paciência do que imaginávamos”, afirma o economista Eduardo Levy Yeyati, um dos homens mais ouvidos pelo Governo.

“A mudança na Argentina está sendo levada a sério. As pessoas estão cansadas de tanta desordem”, diz Cristiano Rattazzi, presidente da Fiat Argentina, membro da família Agnelli, um empresário entusiasta de Macri. “Na Europa não se pode fazer muitas coisas novas, mas na Argentina se pode fazer tudo”, avalia Gustavo Grobocopatel, conhecido como o rei da soja local. Mas todos admitem, também, que serão necessários vários anos para mudar realmente o país. “Não há dúvida de que 2011-2020 será uma década perdida na Argentina”, afirma Pablo Gerchunoff, economista também próximo do Governo.

Juan Grabois, dirigente social importante e amigo do papa Francisco, sempre ligado ao que acontece nos lugares mais difíceis do país, acredita que não ocorrerão explosões sociais se Macri buscar acordos. Ao mesmo tempo, se diz preocupado com uma mudança de discurso no que se refere à imigração e segurança: “Vê-se na Argentina o avanço de um populismo de direita que responsabiliza os pobres por tudo o que acontece”, afirma. “No Governo precedente havia um interesse por essa parcela enorme do país constituída pelos pobres, e hoje vejo que essa parcela não atrai o interesse”, completa a escritora Selva Almada.

“Não sei se Macri veio para ficar, mas a pobreza sim”, reflete Beatriz Sarlo, prestigiada intelectual. “Há toda uma geração que cresceu no meio dos lixões”, diz Rodrigo Zarazaga, padre jesuíta que conhece como ninguém a periferia de Buenos Aires, com uma superpopulação, e afirma que existem dois guetos no país, o das favelas e o dos condomínios fechados onde vivem os riscos, muito perto dos pobres. A desconexão entre esses dois mundos é cada vez maior.

A grande divisão política que toma conta do país é também tema constante, ainda que alguns se mostrem otimistas. “O fosso está se diluindo”, avalia Aníbal Jozami, peronista, reitor da Universidade Três de Fevereiro, na periferia, um dos trunfos do kirchnerismo, que inaugurou centros universitários em áreas pobres. Outros acreditam que tudo continua igual. “Vejo um país muito polarizado. Há pessoas que, mesmo com o aumento da luz, estão contentes com Macri no governo, e outras que estão tristes porque, mesmo que algo possa ter melhorado para elas, veem Macri como um ditador. Eu estou no fosso e tenho muita provisão. As pessoas podem vir de qualquer um dos dois lados”, brinca Pablo Braun, milionário dublê de editor que dirige a livraria cult Eterna Cadencia.

Outros acreditam que, no fundo, a Argentina de Macri é muito parecida com as anteriores, pois o que existe é um país que vive em decadência há 70 anos e nunca muda. “Este é um país carrossel. Dá voltas e voltas. Parece que vai sair mas acaba sempre no mesmo lugar”, diz o escritor Martín Caparrós, para quem a Argentina dos anos 70 era muito melhor do que a de hoje, com menos pobreza, embora isso deponha contra aqueles que, como ele, pegaram em armas para combater a ditadura.

A necessidade de diminuir o grau de expectativa de um país que foi muito rico aparece em todas as conversas. “A Argentina tem dificuldade de lidar com a sua mediocridade. Os cidadãos acham que merecem mais do que aquilo que têm, o que coloca o país em uma situação se estresse permanente”, avalia o escritor Alejandro Katz. “Precisamos ser um pouco mais modestos para perceber que as mudanças são processos longos. Creio que a crise fez essa soberba argentina diminuir. Hoje não podemos dizer que somos superiores nem mesmo no futebol”, comenta o empresário Hugo Sigman, um dos homens mais ricos do país e que foi próximo do kirchnerismo.

“Vivendo momentos tão dramáticos, a Argentina precisa de humor”, pensa o cartunista Tute, herdeiro de uma longa tradição que vem desde Quino até Fontanarrosa, passando por seu próprio pai, Caloi. Bastante crítico em relação ao Governo de Macri e à situação social, Tute acredita que o país sempre se repete, e brinca com a paixão de seus conterrâneos pela psicanálise: “É porque gostamos de escutar a nós mesmos”.

Essa ideia de repetição aparece em todos, mas alguns a analisam mais detalhadamente. A constante, explica o escritor Martín Sivak, está nas pessoas que realmente fazem o país andar. “O que realmente permanece na Argentina é o partido dos negócios. Há peronistas, radicais, pode ser o PRO ou o socialismo em Santa Fé, pouco importa. O que pesa muito são as relações pessoais, a questão da endogamia”. Um país difícil de mudar, sempre circular, que neste domingo decidirá se, ao menos por enquanto, mantém e aprofunda a trilha aberta por Macri ou se dará mais uma volta.

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