_
_
_
_
_

O dilacerador e explícito relato de Lupita Nyong’o sobre Weinstein

‘Harvey me levou para seu quarto e disse que queria me fazer uma massagem’, conta a atriz em um artigo em que relata seus diferentes encontros com o produtor acusado de abuso sexual

A atriz Lupita Nyong’o em um evento em Los Angeles em novembro de 2016
A atriz Lupita Nyong’o em um evento em Los Angeles em novembro de 2016CORDON PRESS
Mais informações
Tarantino sobre Weinstein, produtor acusado de assédio sexual: “Eu sabia o suficiente”
Sou homem e uma colega me conta que está sendo assediada sexualmente pelo chefe: o que faço?
Mulheres de Hollywood destapam os bueiros
#EuTambém: Mulheres do mundo todo contam que sofreram assédio sexual

Lupita Nyong’o se somou à lista de mulheres que acusam Harvey Weinstein de abusos sexuais. A atriz ganhadora de um Oscar por Doze Anos de Escravidão contou seu encontro com o produtor em um artigo em primeira pessoa publicado no jornal The New York Times, no qual faz um relato dilacerador. “Sinto-me sozinha desde que ocorreu e culpei a mim mesma, assim como as demais mulheres que compartilharam suas histórias”, diz no início de sua narração.

A atriz, de 34 anos, conta que conheceu Weinstein na Alemanha. “Foi em 2011 na cerimônia de prêmios de Berlim, enquanto ainda estudava na Escola de Arte Dramática de Yale. Um intermediário o apresentou a mim como ‘o produtor mais poderoso de Hollywood’, recorda. “Como eu era uma atriz aspirante, estava ansiosa para conhecer gente da indústria, mas a pessoa que o apresentou me disse: 'Ele é um bom contato na indústria, mas cuidado porque pode ser um abusador”, revela sobre quem ela hoje considera ter um “padrão sinistro de comportamento”.

“Pouco tempo depois de nos conhecermos em Berlim”, afirma Nyong’o, “Harvey me escreveu me convidando a assistir à projeção de um filme. Disse-me que o veríamos juntamente com sua família em sua casa em Westport, Connecticut”. Quando chegou à mansão, ali estavam seus filhos pequenos e os empregados domésticos. “Depois do almoço, chegamos à casa e conheci seus funcionários e seus filhos. Ele me mostrou a casa e depois reuniu todos nós na sala de projeção para ver o filme”, narra.

Lupita Nyong'ou, no dia em que ganhou o Oscar.
Lupita Nyong'ou, no dia em que ganhou o Oscar.KEVIN WINTER (AFP)

Lupita Nyong’o assinala que se instalou para a projeção. “Mas, 15 minutos depois, Harvey veio me buscar e me disse que queria me mostrar algo. Reclamei, já que queria terminar de ver o filme, mas ele insistiu para que fosse com ele, ditando a lei como se eu também fosse um de seus filhos. Eu não queria confusão diante de seus filhos, por isso saí da sala com ele.” Ela acrescenta: “Harvey me levou para seu quarto e disse que queria me fazer uma massagem. Pensei, inicialmente, que estava brincando. Senti-me insegura. Entrei um pouco em pânico e pensei rapidamente em me oferecer para lhe fazer, eu, as massagens e assim tomar o controle para ganhar tempo e saber em todo momento onde estavam suas mãos”. Nyong’o prossegue: “Ele concordou e se deitou na cama. Comecei a lhe massagear as costas para ganhar tempo, para descobrir como me livrar dessa situação indesejável. Em pouco tempo, ele disse que queria tirar as calças. Eu lhe disse que não fizesse isso e informei que me deixaria extremamente incômoda. Ele se levantou para fazer isso, de qualquer forma, e fui até a porta, dizendo que não estava nada cômoda com isso. 'Se não vamos ver o filme, devo retornar à escola”, afirmei.

“Abri a porta e fiquei de pé junto ao batente. Ele pôs a camisa e voltou a mencionar o quanto eu era teimosa. Concordei, com uma risada fácil, procurando sair da situação de forma segura. Afinal, estava na casa dele com seus funcionários, mas acho que era um quarto à prova de som”, conta. “Não sabia como agir sem pôr em perigo meu futuro. Mas decidi que não aceitaria mais nenhuma visita a lugares privados com Harvey Weinstein”, pensou após esse primeiro encontro.

Depois eles voltaram a se encontrar em uma leitura de roteiro para um projeto de Weinstein, cujo produtor disse a Nyong’o que ela podia comparecer com quem quisesse. Depois do teste, os dois foram a um restaurante com amigos de Nyong’o e outra atriz. A reunião transcorreu normalmente. “Ele sabia ser encantador quando queria algo. Era sem dúvida um abusador, mas podia ser realmente encantador, o que me confundia. Fui pensando que talvez ele tivesse aprendido quais eram meus limites e fosse respeitá-los”, escreve Nyong’o sobre seu terceiro encontro com o produtor, hoje demitido de sua própria empresa.

Seu quarto encontro foi em Nova York, onde ela atendeu ao convite para ver o filme W.E.: O Romance do Século. Nyong’o viajou sozinha, pois se sentia mais segura após seu último encontro. No entanto, depois da projeção, ao chegar a um restaurante no bairro de TriBeCa, a assistente de Weinstein lhe informou que os dois jantariam sozinhos. “Antes que chegassem os aperitivos, anunciou: ‘Vamos direto ao assunto. Tenho um quarto privado no andar de cima onde podemos terminar nosso jantar’. Fiquei pasmada. Eu lhe disse que preferia comer no restaurante. Ele me disse que não fosse tão ingênua. Se queria ser uma atriz, tinha de estar disposta a fazer esse tipo de coisas. Ele disse que tinha saído com a famosa atriz X e Y, e que visse até onde as havia feito chegar.” Nyong’o relata a resposta que Weinstein lhe deu depois que ela reuniu coragem para rejeitar sua oferta: “Você não faz ideia do que está rejeitando”.

Lupita Nyong'ou, com seu Oscar como melhor atriz de partilha por seu papel em 'Doze anos de escravatura'.
Lupita Nyong'ou, com seu Oscar como melhor atriz de partilha por seu papel em 'Doze anos de escravatura'.cordon press

“‘Com todo o respeito, eu não seria capaz de dormir de noite se fizesse o que está me pedindo, por isso tenho de recusar’, respondi. Antes de ir embora, eu precisava me certificar de não ter despertado uma besta que arruinaria meu nome e destruiria minhas possibilidades na indústria antes mesmo de estar nela. ‘Só quero saber se estamos bem’, eu lhe disse. ‘Não sei sua carreira, mas você ficará bem’, disse-me. Pareceu uma ameaça e um consolo ao mesmo tempo. Do que, eu não podia ter certeza.”

Até setembro de 2013 eles não voltaram a se ver, depois da estreia de Doze Anos de Escravidão em Toronto. “Ele me disse que não podia acreditar como eu havia chegado tão rápido onde estava, e que tinha me tratado muito mal no passado. Estava envergonhado de suas ações e prometeu me respeitar no futuro. Eu agradeci e fui embora. Mas fiz uma promessa a mim mesma: não trabalhar nunca com Harvey Weinstein.” Pouco depois de Nyong’o ganhar o Oscar por esse filme, Weinstein lhe ofereceu um papel durante um encontro que ele insistiu em ter em Cannes, e ela se manteve firme em sua recusa todas as vezes nas quais ele lhe pediu que participasse do filme. “E esse foi meu último encontro com Harvey Weinstein. Eu compartilho isso agora porque agora sei o que não sabia então. Fui parte de uma comunidade crescente de mulheres que lidaram em segredo com o assédio de Harvey Weinstein.” Lupita Nyong’o conclui seu relato afirmando: “Agora levanto a voz para ajudar a pôr fim à conspiração do silêncio”.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que entrega os prêmios Oscar, decidiu há oito dias, em uma reunião de emergência, expulsar Harvey Weinstein. A decisão foi tomada com a aprovação de mais de dois terços dos 54 membros de sua junta diretora, entre os quais estão Steven Spielberg, Tom Hanks, Whoopi Goldberg e Kathleen Kennedy. No comunicado, a instituição afirma que Weinstein foi expulso “não só para nos separamos de alguém que não merece o respeito de seus colegas, mas também para enviar uma mensagem: acabou a época de assédio sexual em nossa indústria”. O produtor, acusado por 30 mulheres na última semana de abuso sexual em distintos graus (incluindo quatro violações), passou a ser tóxico em Hollywood e agora se retirou para dar entrada em uma clínica de reabilitação para viciados em sexo, depois que, além de tudo, sua mulher, Georgina Chapman, estilista da Marchesa, anunciou estar se divorciando dele.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_