_
_
_
_

O russo que criou o antivírus do seu computador

Informático e empresário Eugene Kaspersky é acusado pelos EUA de trabalhar para a espionagem de Moscou

Guillermo Altares
Eugene Kaspersky
Eugene KasperskyCosthanzo

Eugene Kaspersky (Rússia, 1965) ocupa o número 1.567 na lista da Forbes das pessoas mais ricas do mundo – é o 66º indivíduo mais rico da Rússia –, mas seu escritório é um modesto aquário envidraçado. Ocupa metade do quartel-general da sua empresa de segurança informática em Moscou, o Kaspersky Lab, criador de um dos cinco antivírus mais utilizados do mundo. “Gosto de estar perto dos engenheiros, de quem trabalha com os vírus”, dizia, durante uma visita à empresa, esse homem afável, que nunca quis renunciar ao que considera ser o seu verdadeiro ofício: caçar programas perniciosos.

Mais informações
Como uma cidade de Israel virou a capital mundial da cibersegurança
Vírus Petya é mais perigoso e mais sofisticado que WannaCry
Poderoso ciberataque afeta grandes empresas de todo o mundo

Agora se encontra no ponto de mira dos Estados Unidos. O Departamento de Segurança Doméstica deu um prazo de 90 dias para que todos os órgãos públicos federais deixem de usar o antivírus de Kaspersky – com o qual milhões de particulares trabalham –, porque o acusam de passar informações ao Serviço de Segurança Nacional da Rússia (FSB), herdeiro da KGB.

Embora se trate de uma polêmica antiga, até agora isso não havia afetado o volume de negócio da empresa, que não parou de crescer desde sua fundação, em 1997. Kaspersky já havia sido acusado pela agência Bloomberg e pela revista Wired de ter ligações com o FSB e especificamente de compartilhar informações obtidas junto aos seus clientes. O engenheiro sempre negou essas acusações com veemência, insistindo que nunca ninguém provou nada. “Após cinco anos de acusações, quantas provas já forneceram para demonstrar as acusações? None. Nada. Zero. Zilch!”, escreveu ele em um artigo publicado na revista Forbes.

Em resposta a um questionário enviado por este jornal, o empresário russo respondeu nesta semana: “Jamais trabalhei para a KGB. Não tenho nenhum contato direto nem inapropriado com o FSB, nem com nenhum Governo do mundo. O Kaspersky Lab, isso sim, colabora com as polícias de diferentes países, de forma totalmente pública. Isso inclui a Rússia, mas também a Interpol”.

“Não tenho nenhum contato com o FSB nem com nenhum Governo do mundo”, diz

A acusação norte-americana surgiu pouco depois de o Kaspersky Lab lançar um antivírus gratuito para PC e Android, considerado pelo instituto alemão AV-TEST como o mais eficaz do mercado. A maioria dos especialistas em segurança cibernética considera que a proibição imposta pelo Governo dos EUA é injusta, acrescentando que os principais desenvolvedores de antivírus necessariamente mantêm contatos com os serviços de segurança de seus países, já que a segurança informática é parte da defesa nacional. Kaspersky se ofereceu para depor no Congresso dos EUA e se mostrou disposto a fornecer os códigos dos seus antivírus aos serviços secretos norte-americanos, a fim de demonstrar que eles não ocultam nenhuma porta secreta.

O começo da carreira desse engenheiro russo não contribui para dissipar as suspeitas que ele motiva. Formou-se no Instituto de Criptografia, Telecomunicações e Ciências da Informática de Moscou, uma escola que na época estava ligada à KGB, embora, segundo Kaspersky, também fosse submetida aos Ministérios de Defesa e Energia Atômica e ao programa espacial russo.

Em 1989, o computador de Kaspersky – um trambolho que rodava o MS-DOS em discos flexíveis já extintos, os floppies – foi infectado por um vírus. Kaspersky soube localizá-lo e desativá-lo. Oito anos depois, nos primórdios da Internet, ele fundou com dois sócios uma companhia desenvolvedora de antivírus que hoje é um gigante da segurança informática, com 37 escritórios em 32 países. Tem 3.700 funcionários e um faturamento anual de 644 milhões de dólares (dois bilhões de reais). Com 400 milhões de assinantes (dos quais 270.000 são empresas), o Kaspersky Lab é o quarto maior desenvolvedor de antivírus do mundo, o segundo maior da Europa e o primeiro em mercados como Espanha, França e Alemanha. Entre seus clientes está, por exemplo, o Exército do Brasil.

Seus colaboradores garantem que os milhões na conta corrente de Kaspersky não alteraram seu estilo de vida: ele não tem jatinho, nem iate, mas publica fotos de viagens de aventura nas redes sociais. É alguém que faz o que gosta, perseguir vírus na rede. Sua fama já lhe causou um problema muito grave: um de seus quatro filhos, Ivan, foi sequestrado quando tinha 20 anos, em abril de 2011. Os criminosos pediram um resgate de três milhões de euros (11,2 milhões de reais, pelo câmbio atual), que nunca chegou a ser pago, porque o rapaz foi libertado apenas cinco dias mais tarde por agentes do FSB.

Suas equipes analisaram em 2012, a pedido da ONU, o programa pirata que espionava os iranianos

Apesar de ocupar o cargo de executivo-chefe, sua formação continua sendo mais técnica que financeira. Sua figura inspirou Peter Telep – um escritor da linha Tom Clancy – na criação do protagonista do romance Splinter Cell: Blacklist Aftermath. O personagem dessa ficção é um excêntrico milionário russo, chamado Igor Kasperov, dono de uma das principais companhias desenvolvedoras de antivírus do mundo, e que enfrenta o Governo de Moscou por se negar a lançar um vírus letal contra os EUA. Kaspersky, que contribui para alimentar a lenda, tem o romance em seu escritório, junto com uma foto dele na companhia de Angela Merkel e medalhas de instituições tão diversas como a Interpol.

Uma das chaves do sucesso da sua empresa é justamente sua formação como engenheiro: ele conhece muito bem aquilo contra o que trabalha. Foi um dos primeiros a compreenderem até que ponto os vírus iriam representar um problema gravíssimo à medida que crescesse o papel dos computadores na nossa vida.

Foram suas equipes que, em 2012, detectaram um dos vírus mais complexos já vistos, o Flame, numa investigação feita por encargo da ONU. Esse programa pirata, desenhado muito provavelmente pelos Estados Unidos e Israel, servia para espionar o programa nuclear iraniano. Dois anos antes, Kaspersky também tinha investigado o vírus Stuxnet, descoberto depois de causar estragos nas instalações atômicas dos aiatolás. E sua empresa também foi a primeira a alertar sobre um ataque maciço contra o sistema bancário da Ucrânia. O crescimento da sua companhia correu paralelamente à multiplicação de vírus na Internet, atingindo não só computadores e celulares, mas também em carros e máquinas de lavar roupa, por exemplo. Como sempre repete Kaspersky, esta guerra está só começando.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_