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A frágil vitória de Merkel complica as reformas na Alemanha e Europa

Chanceler enfrenta a difícil tarefa de formar um governo de quatro cabeças e as críticas pelo pior resultado de seu partido desde 1949

A Alemanha amanheceu mais instável na segunda-feira. Angela Merkel é a vencedora das eleições de domingo, mas, ao mesmo tempo, a perdedora. Enfrenta agora a complicadíssima tarefa de unir sob um mesmo Governo quatro partidos com programas e culturas que se contrapõem. A chanceler (primeira-ministra) é criticada em casa pelo pior resultado de seu partido desde 1949. Dói especialmente o milhão de eleitores que, descontentes com sua política imigratória, voaram da CDU para a ultradireita. Merkel admitiu sua “responsabilidade pessoal” na polarização da sociedade. Sua frágil vitória complica, além do mais, a agenda reformista europeia.

A chanceler Angela Merkel, em uma coletiva de imprensa na segunda-feira em Berlim, após as eleições do dia 24
A chanceler Angela Merkel, em uma coletiva de imprensa na segunda-feira em Berlim, após as eleições do dia 24Michael Sohn (AP)

Merkel tem poucos, mas importantes motivos para festejar. Depois de 12 anos no Governo, seu partido foi o mais votado, com 12,5 pontos de distância do segundo, e não há forma de construir uma coalizão alternativa que deixe de fora a família democrata-cristã. As boas notícias acabam aqui.

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A intranquilidade era patente na segunda-feira diante de um processo de formação de Governo que se estenderá por meses e que pode descarrilar a qualquer momento. Há analistas que já falam de novas eleições, embora esta pareça uma opção remota em um país em que a maioria dos partidos repete constantemente a palavra “responsabilidade”. Merkel descartou a ideia categoricamente. “Os eleitores nos deram uma ordem e temos de executá-la”, disse.

O caminho para formar o Governo está infestado de minas. Primeiro, porque quatro partidos –a CDU de Merkel, seus aliados bávaros da CSU, os liberais do FDP e Os Verdes— têm de entrar em acordo. E não será fácil em assuntos tão importantes como a imigração, a política europeia, o futuro da indústria automobilística ou os impostos. Além disso, se finalmente definirem um programa de Governo, este será submetido a votação entre os militantes dos ecologistas, o que aponta para uma nova possibilidade de fracasso desta coalizão inédita na história da República Federal.

A tensão diante de resultados tão decepcionantes é especialmente perceptível em Munique. A CSU, bávara, depois de um baque histórico de dez pontos, teme perder sua precária maioria absoluta nas eleições regionais do próximo ano. Os teóricos sócios de Merkel deixaram clara qual é sua fórmula para lutar contra os ultras do AfD, que na rica Baviera convenceram 12,4% dos eleitores: girar para a direita. Um giro que pode complicar ainda mais a formação do Governo federal.

A economia segue de vento em popa, mas o mundo empresarial já envia sinais de intranquilidade. Representantes do lobby industrial e comercial mostram sua "preocupação” pela possibilidade de que o país entre em uma fase de paralisia. E o euro, temeroso dos ventos de instabilidade que chegam de Berlim, retrocedeu ligeiramente na segunda-feira.

Merkel, apesar de tudo, já está acostumada a lidar com resultados eleitorais não satisfatórios. Com exceção de 2013, quando obteve 41% dos votos, em suas duas vitórias anteriores registrou porcentuais não muito superiores aos 33% do domingo. E também em duas ocasiões enfrentou um complicado panorama de alianças que acabou resolvendo com duas grandes coalizões.

A suposta líder do mundo livre tem as mãos bem atadas. Bruxelas costuma dizer que Merkel acaba acertando depois de errar várias vezes. Mas pode ser que agora tenha menos margem: as instituições europeias temem dificuldades com a chanceler diante de um Budestag mais polarizado do que nunca.

A aguardada agenda europeia

As eleições deixam dois sérios problemas de escala europeia: as esperadíssimas reformas do euro –das quais se começará a saber algo mais depois do discurso de terça-feira de Emmanuel Macron– terão que esperar que Merkel monte seu Governo. E mesmo nesse momento não será fácil reforçar o euro. A zona do euro continua sendo disfuncional e vulnerável. Mas os liberais alemães voltam com força e defenderão uma agenda contrária a um orçamento do euro, um autêntico Fundo Monetário Europeu e um superministro de Finanças adornado com competências dignas de tanta pompa.

“O resultado é ruim para a Europa. Merkel tinha demonstrado abertura às ideias de Macron para fortalecer a zona do euro, mas com os liberais é muito mais difícil. Quem acreditava que a crise são águas passadas, e que viria uma espécie de primavera europeia, deveria pensar duas vezes”, disse o economista Jörg Bibow.

“O Parlamento alemão pendeu para a direita: o novo Governo também o fará. Não é mais possível pensar em um orçamento da zona do euro de grande tamanho, embora continue havendo espaço para um Fundo Monetário Europeu”, resume Guntram Wolf, diretor da Bruegel. Para os analistas, porém, a boa notícia é que há áreas que sairão ganhando: Berlim vai querer dar impulso às políticas imigratórias, de defesa e de segurança, e também à agenda comercial.

Mas a crise existencial da Europa começou nas finanças e na economia, e nessa área as nuvens são mais cinzentas hoje que anteontem. Os liberais são o freio, a desculpa perfeita que Merkel e Wolfgang Schäuble buscavam para reduzir a ambição das reformas do euro. “Um acordo cosmético Merkel-Macron ainda é possível”, ressalta Daniel Gros, do think-tank CEPS, de Bruxelas. Um acordo cosmético, no fim, com várias camadas de maquiagem: haverá um superministro de Finanças do euro, mas sem poder real; o Mede (mecanismo de ajuda) se transformará no Fundo Monetário Europeu, mas com poucas mudanças e a filosofia flexiaustera do “dinheiro em troca de reformas”, uma velha ideia de Merkel que volta a ganhar vigor; pode haver um orçamento da zona do euro, mas nada de 75 bilhões, (280 bilhões de reais) como sugeria Bruxelas: um décimo dessa cifra é muito mais provável. E assim ad infinítum.

Apesar da pressão dos liberais, Merkel está consciente de que não pode abandonar Macron à sua sorte, argumenta uma alta fonte europeia. “Se não faz o prometido, seria como dar ar a Le Pen”, acrescenta essa fonte. Bruxelas acredita que o resultado final dependerá muito das personalidades que acabarem entrando no Governo. Mas que, dentro da moderação habitual de Merkel, irá na direção correta, apesar das tensões com seus parceiros de coalizão.

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