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Extrema direita entra no Parlamento alemão pela primeira vez desde 1945

Partido criado contra o euro em 2013 obtém 12,9% dos votos com discurso islamofóbico e anti-imigração

Os líderes da AfD, Alexander Gauland e Alice Weidel, neste domingo.
Os líderes da AfD, Alexander Gauland e Alice Weidel, neste domingo.Martin Meissner (AP)

O temido prognóstico se cumpriu, e a entrada do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) no Parlamento alemão fez tremer os alicerces da democracia no país. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, nenhum partido de extrema direita havia participado da vida parlamentar da Alemanha, cujo passado nazista tornava impensável até agora um resultado como o das eleições deste domingo. O AfD ficou terceiro lugar, com 12,9% dos votos e quase 90 representantes entre os 631 parlamentares do renovado Bundestag. Sua presença no Parlamento implica a irrupção do discurso islamofóbico e antieuropeu no coração da democracia germânica.

"Vamos recuperar o nosso país e o nosso povo", disse Alexander Gauland, um dos líderes do partido, em declarações que imitam um dos mantras do presidente norte-americano, Donald Trump. "É bom irem se preparando", alertou Gauland, após receber os resultados.

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Alice Weidel, a economista jovem e cosmopolita que compartilha a liderança do AfD com Gauland, um jornalista aposentado, considerou o resultado "maravilhoso". "Chegamos para ficar", afirmou ela na sede partidária, pouco depois da divulgação das primeiras projeções. Ela anunciou também o AfD pretende criar uma CPI contra a chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel por ter supostamente violado leis ao permitir a entrada de mais de um milhão de refugiados na Alemanha nos dois últimos anos.

Merkel, uma conservadora que conquistou seu quarto mandado como chefa de Governo, admitiu que a entrada do AfD no Parlamento é "um grande desafio" e se propôs a "reconquistar esses votantes" que optaram pela extrema direita.

O AfD surgiu em 2013 como um protesto contra a união monetária europeia. Obteve 4,7% nas eleições gerais daquele ano, o que quase o colocou no Bundestag. Com o passar dos anos, foi se transformando e se radicalizando até acabar virando uma agremiação anti-islamismo e anti-imigração. Essa radicalização foi baseada em pesquisas, porque, como admitem fontes partidárias, a estratégia passava por garantir um núcleo duro de seguidores e chegar ao Parlamento. Exaltar o trabalho dos soldados alemães durante a Segunda Guerra Mundial e pedir que o Governo "se livrasse" de uma secretária de Estado de origem turca foram alguns dos escândalos que o AfD protagonizou nas últimas semanas e que, no entanto, não dissuadiram seus eleitores.

Seus simpatizantes perseguiram Merkel por todo o país, buscando atrapalhar seus comícios aos gritos de "traidora" e inclusive jogando tomates nela. Os cientistas políticos consideram que aproximadamente metade dos seguidores do AfD pertencem ao núcleo duro ideológico da extrema direita, e que a outra metade são um voto protesto.

O caso do AfD poderia lembrar outros partidos de extrema direita e populistas que vêm se proliferando e crescendo em outros países europeus, mas a história da Alemanha transforma sua ascensão em um desafio de especial relevância e complexidade. É também num caso extraordinário, porque, diferentemente do ocorrido em países europeus imersos em crises econômicas e sociais, a ascensão da ultradireita se dá num contexto de bonança histórica com poucos precedentes. No caso do AfD, o protesto nasce sobretudo do rechaço identitário a uma sociedade que se tornou culturalmente menos homogênea. Seus votantes repetem que não querem que a Alemanha deixe de ser o que era, com suas tradições e sua cultura. "Parabéns aos nossos aliados do AfD por esta vitória histórica! É um novo símbolo do despertar dos povos europeus", tuitou Marine Le Pen, líder do partido direitista francês Frente Nacional, na noite de domingo.

A chegada de 1,3 milhão de refugiados nos últimos dois anos foi o grande cavalo de batalha do AfD nesta campanha em que se empenhou em exacerbar o sentimento de identidade nacional e vincular a criminalidade à imigração e ao asilo. A decisão de abrir as portas aos refugiados corresponde unicamente à chanceler Merkel, em quem, no entanto, a maioria dos alemães tornou a depositar sua confiança, depois de ela endurecer nos últimos meses a política e a retórica sobre a imigração.

Nenhum outro partido está disposto a trabalhar com os ultradireitistas e muito menos em formar qualquer tipo de coalizão com eles. O ostracismo não garante, porém, que suas ideias vão cair no vazio. Os cordões sanitários contra os partidos extremistas, já aplicados em outros países, como a Bélgica, trazem o dilema sobre até que ponto tratar um partido como um apestado político contribui para reforçar seu vitimismo e, portanto, para engordar a oposição.

Alexander Gauland, colíder do partido, disse recentemente a este jornal que seu objetivo era justamente o de engordar a oposição. "Somos exclusivamente um partido de oposição. Temos que continuar crescendo, e para isso não podemos pactuar com nenhum partido. Talvez dentro de alguns anos possamos participar do Governo." Gauland deixava também claro que a atual conjuntura lhes beneficiava. "As pessoas querem outra política, diferente da grande coalizão [dos partidos CDU e SPD, que governou na última legislatura]".

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