_
_
_
_
_

Eleições na Alemanha marcam o futuro da Europa

Merkel aparece como vencedora, mas a coalizão de Governo que sair das eleições vai marcar a profundidade das esperadas reformas da UE

A chanceler alemã, Angela Merkel, faz campanha sábado em Putbus, oeste da Alemanha.
A chanceler alemã, Angela Merkel, faz campanha sábado em Putbus, oeste da Alemanha.CARSTEN KOALL (EFE)

Neste domingo, começa a hora da verdade para a Europa pós-crise. A Alemanha, principal economia europeia e potência hegemônica de facto, escolhe seu Governo. A chanceler Angela Merkel tenta seu quarto mandato à frente do bloco conservador e as pesquisas concordam que tem muitas chances de sucesso. Se vencer, Merkel prometeu refundar a Europa ao lado da França. A crise do euro ficou para trás e este é o momento de realizar reformas profundas para ajudar a desarmar os populismos e combater a raiva contra o euro. É o momento, pensam em Berlim, de prevenir novas crises existenciais que a Europa não pode mais permitir.

Mais informações
Cobertura das eleições na Alemanha 2017
O alemão que assusta a Europa
Por que Merkel voltará a ser chanceler (e qual impacto terá na UE)

No sábado, horas antes da abertura dos colégios eleitorais, Merkel e Schulz continuavam fazendo campanha, lutando voto a voto. A candidata da CDU passeou por Stralsund, ao norte do país, apertando mãos e falando com os eleitores. “Ainda há muitos indecisos”, dizia horas antes em Berlim. “Gente jovem. Pensem no Brexit, pensem em Trump. Vão votar. Tomem a sério o direito de votar”, disse Schulz em Aachen.

Mas a chave desta eleição não é tanto quem vai ganhar, mas a coalizão de Governo que será formada no dia seguinte. O alinhamento resultante vai marcar em grande medida quanto capital político Berlim está disposto a investir na Europa. Os social-democratas (SPD), que as pesquisas colocam em segundo lugar e com os quais Merkel governou em uma grande coalizão, apoiam a criação de um orçamento europeu, um ministro para a Zona do Euro e asseguram querer fazer mais do que a própria chanceler. Pelo contrário, os liberais, também possíveis parceiros de coalizão de uma CDU vencedora, não querem nem ouvir falar de compartilhar dívidas do outro lado das fronteiras da Alemanha, especialmente sem planos de reforma correspondentes. “Financiamento apenas com reformas de mercado”, diz seu programa. E enquanto isso, Alternativa pela Alemanha (Afd), um partido fundado para se opor ao euro, provavelmente entrará pela primeira vez no Bundestag. Nenhuma outra formação está disposta a fazer alianças com eles.

A eleição alemã é o momento que as capitais europeias estão esperando há meses e que poderá inaugurar um novo tempo político. Porque também em Berlim dizem que entenderam que, com a economia europeia se recuperando, superados os desafios populistas na Hungria, Áustria, Holanda e especialmente na França, com Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu e antes que chegue a nova rodada de eleições que vai paralisar os mandatários, este é um momento único para agir. Mas não apenas para reformar a zona do euro. Berlim, ungido de poder econômico, será a principal voz na hora de fixar os termos do Brexit, mas também será preciso resolver os dilemas institucionais da UE – e com que velocidade –, lidar com os sócios rebeldes da Europa Oriental e dar resposta à crise de refugiados, agora falsamente fechada, entre muitas outras questões à espera sobre a mesa europeia.

As negociações de coalizão marcarão a margem de manobra do novo Governo alemão, já por si relutante a qualquer tipo de solidariedade europeia, que não envolva o aumento da responsabilidade e redução de riscos nos países do sul. Mas a pressão é enorme. Merkel sabe que deve fazer um movimento. Que Macron está fazendo os deveres impopulares que a Alemanha exige e precisa mostrar a uma casa tomada por protestos, algumas concessões de Berlim. “A pressão para que a Alemanha faça algo tem aumentado no último ano. Merkel sabe que não é possível continuar da mesma forma”, diz Bert Van Roosebeke, pesquisador-chefe do Centrum für Europäische Politik de Friburgo. Como muitos outros especialistas não é, no entanto, excessivamente otimista. “Provavelmente serão mudanças cosméticas, que não servirão necessariamente para evitar choques futuros. Não devemos esperar um big bang”, adverte.

Em qualquer caso, não devemos esperar resultados imediatos. A partir da segunda-feira começará um longo processo de negociações e uma dança de possíveis coalizões, que poderia durar semanas ou até meses. Horas antes, a partir das seis horas da tarde do domingo, quando as redes de televisão publicarem suas primeiras projeções, vai ficar mais claro pelo menos quais coligações são aritmeticamente possíveis.

Até aquele momento, o que mostram as pesquisas é que os dois maiores partidos, a União Democrática Cristã de Merkel (CDU) e o SPD vão sofrer alguma queda, enquanto as forças extremistas de direita e esquerda vão subir. E parece também evidente, segundo coincidem há meses as pesquisas, que entrarão duas forças políticas no Parlamento alemão agora ausentes: liberais e extrema direita. Nenhum dos dois concorda com os supostos planos de Merkel de reformar a zona do euro e muito menos com os planos de Paris.

Eurofobia no Bundestag

No caso do AfD, um partido que nasceu em 2013 para se opor ao euro e que agora transformou a xenofobia em sua razão de ser, defende uma Europa mínima e um nacionalismo alemão que, obviamente, exclui qualquer exercício de solidariedade entre os países da UE. As últimas pesquisas davam 13% dos votos para o partido, bem acima dos 5% necessários para entrar no Bundestag. “De repente, a terceira força política estará falando contra a Europa no Parlamento e isso também vai mudar o discurso na sociedade alemã”, prevê Marcel Dirsus, cientista político da Universidade de Kiel.

Apesar da importância do momento e do papel de Berlim, a Europa foi a grande ausente desta campanha eleitoral na Alemanha. Merkel evitou entrar em terrenos que sabe serem pantanosos. A reforma da zona do euro e o suposto desembolso de fundos para ajudar os países em crise é algo que a maioria dos alemães não quer nem ouvir falar. A chamada mutualização da dívida repele em um país de poupadores, com uma aversão histórica ao endividamento e que venera o superávit. Nem mesmo Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu, colocou o futuro da UE como tema central de campanha. A extrema direita e os liberais falaram um pouco mais da Europa em suas campanhas, mas fizeram para marcar as linhas vermelhas. Nada de mais Europa, de mais integração da zona do euro e, especialmente, nada que se pareça a uma “união de transferências”.

Por tudo isso, a batalha europeia que está sendo travada nesta eleição está apenas começando. A dança das alianças, que começa na noite de domingo vai decidir em grande medida o futuro da Europa.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_