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George Clooney: “A tensão nos EUA está chegando ao ponto máximo”

O ator e diretor apresenta “Suburbicon” na competição oficial e deixa o festival de cabeça para baixo

Tommaso Koch
George Clooney assobia no posado ante os fotógrafos em Veneza.
George Clooney assobia no posado ante os fotógrafos em Veneza.ETTORE FERRARI (EFE)

George Clooney é uma estrela. Isso todos já sabem. Há muitas outras, é claro. A diferença é que, no seu caso, a definição é quase literal. Porque quando o ator aparece, todo o resto gira em volta dele. Inclusive astros como Julianne Moore e Matt Damon, protagonistas de Suburbicon, o filme com que Clooney compete em Veneza, como diretor, acabam se tornando quase satélites. Sua força gravitacional arrasta os melhores criadores para seus filmes. E até senhores com cinquenta anos sentem uma atração tão inevitável a ponto de passar 12 horas esperando no tapete vermelho. “Quando chega um personagem deste calibre, no nível de Robert Redford e Jane Fonda, para vê-lo é preciso chegar de manhã”, explica Giorgio Melandri, de 52 anos, sentado na frente do Palazzo del Cinema. Talvez no fundo o casal de mitos que visitou a Mostra no dia anterior seja o único termo de comparação com o efeito Clooney. Sem querer comparar carreiras, o colapso da sala de imprensa registrou um empate.

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Dezenas de celulares levantados. Os corredores lotados. Que nada atrapalhe a chegada de Clooney. O diretor entrou então, elegante, risonho e ovacionado. Fazia quatro anos que o Lido não o recebia. Pelo visto hoje, está claro que estava com saudades.

Em 2011, Clooney inaugurou Veneza com Tudo pelo Poder. Dois anos depois, apresentou, como ator, Gravidade. Mas depois filmou Caçadores de Obras-Primas, um fracasso tão grande que alguns e-mails que vazaram na internet mostravam o próprio Clooney pedindo desculpas aos executivos. Então sobre a cabeça de Suburbicon havia uma afiada espada de Dâmocles. Retorno ao caminho do sucesso ou outro passo para as sombras? O filme mergulha na escuridão, mas apenas em seu enredo: uma família abraça a violência, enquanto todo seu idílico bairro está muito mais preocupado com os afro-americanos que acabaram de se mudar para lá. O filme vai melhorando a cada minuto, até terminar em um delírio selvagem e hilariante, e com uma profunda reflexão. Embora sem uma luz cegante, a estrela brilha novamente.

“Cresci na década de sessenta, durante o movimento pelos direitos civis. Pensávamos que esses problemas iam desaparecer, mas isso não aconteceu. Olhamos na direção errada, culpamos as minorias por nossa crise, embora não tenham nada a ver com ela”, diz o ator. Tanto que a petição que um vizinho lê no filme, para “integrar os negros, mas quando estiverem prontos”, é real, mas foi feita nos anos cinquenta. Entre um ataque racista daquela época e o roteiro que os irmãos Coen escreveram em 1985 e nunca conseguiram filmar, Clooney construiu um filme muito atual. “Quando se fala em ‘Tornar a América grande de novo’, estamos voltando àqueles anos. Isso já era dito com o presidente Eisenhower. Não vemos os problemas reais que este país ainda precisa enfrentar, como as questões raciais”.

Donald Trump, é claro, parece não vê-los. O presidente dos EUA é uma pergunta fixa em Veneza, mais ainda este ano em que concorrem sete filmes produzidos naquele país e que mostram diferentes visões de como o sonho americano foi destruído. Clooney, um ano atrás, disse que Trump nunca seria presidente. Seu filme, portanto, tampouco previu sua vitória. “Não sabíamos que Trump ganharia. Mas sempre vimos certos elementos nos EUA: acreditávamos que uma classe média com 6.000 dólares por mês poderia ter uma casa grande e mandar seus filhos para uma boa escola. Depois percebemos que alguns poderiam fazer isso”, defendeu.

O show de Clooney foi mais moderado do que o habitual. Brincou com alguma pergunta, riu de Damon: “Ele tem uma carga sexual incrível uma vez. Não duas”. E deixou que o ator respondesse: “É o melhor diretor do mundo, se você fizer o oposto do que ele disser”. No entanto, o fundo da questão é tão sério que as piadas estavam fora de lugar. “Demoramos dois anos para produzir um filme, por isso, quando estreia o que você pretendia contar, já passou. Em qualquer caso, é arte, e permite ver onde estávamos. No caso dos EUA, acho que a tensão está chegando ao ponto máximo”.

Os tumultos recentes e as marchas supremacistas de Charlottesville parecem servir de confirmação. Por isso perguntaram a Moore se as novas gerações serão mais tolerantes. “Todos costumam dizer que sim, mas serão apenas se a geração atual já for”, respondeu. E contou que está promovendo uma coleta de assinaturas para retirar o nome de um general confederado da escola em que estudou na infância. Clooney continuou seu discurso: “Onde eu cresci, eram feitas recriações da Guerra Civil e as pessoas não entendiam que o Sul defendeu a escravidão. Colocar a bandeira confederada em um edifício público é um símbolo de ódio, não se pode permitir isso”.

Muitos problemas, poucas soluções. Não poderiam ser resolvidos por um Clooney na Casa Branca? “Nesse momento gostaria que qualquer um fosse presidente”. Ele não, que o deixem no cinema. Para que tudo gire, é preciso de estrelas.

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