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Macri domina as primárias, mas Kirchner empata em Buenos Aires

Eleições definem listas que concorrerão em outubro; vitória foi mais ampla do que Governo esperava

Carlos E. Cué
Mesa de votação em escola de Buenos Aires
Mesa de votação em escola de Buenos AiresTelam

A política argentina é tão complexa que a vitória não ocorre por bairros, mas por horas. A noite eleitoral das primárias legislativas 2017 começou com a euforia de Mauricio Macri, que, apesar da crise econômica, obteve um grande resultado nas primárias em todo o país. Consolida dessa forma seu poder e transforma seu partido, o Cambiemos, no primeiro da Argentina. O presidente se deu por vencedor e assim foi dormir a maioria dos argentinos. “Estamos começando a viver os 20 melhores anos da história argentina”, afirmou. Mas de madrugada, Cristina Kirchner lutava cabeça a cabeça para ganhar a província de Buenos Aires, e quando a festa macrista já havia acabado, os kirchneristas começaram a comemorar o empate como uma grande vitória. “Ganhamos”, bradava ela às quatro da manhã.

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Muita emoção para uma prévia. A eleição real é em 22 de outubro. Mas o fundamental era a guerra psicológica. E Macri claramente a venceu antes da meia-noite. Mas os kirchneristas tentaram empatá-la de madrugada. A realidade é que, se verificarmos os resultados globais, os candidatos de Macri conquistaram vitórias importantes sobre o peronismo em distritos vitais como a cidade de Buenos Aires, onde conquistou quase 50% dos votos, Córdoba, Mendoza e até mesmo em Santa Cruz, bastião histórico do kirchnerismo, o que consolida seu poder. Mas sem a cereja do bolo que é a província de Buenos Aires, a vitória não era total. Será preciso esperar outubro para ver o resultado definitivo.

Apesar da madrugada angustiante que reduziu a euforia, Mauricio Macri tinha muito mais a comemorar. A contagem oficial dá uma vitória muito mais ampla do que a situação esperava em quase todo o país nas PASO, as eleições primárias que definirão as listas que em 22 de outubro lutarão por um lugar no Congresso. Mas precisava da vitória final sobre Cristina Kirchner. Bullrich saiu em vantagem desde o começo da apuração na poderosa província de Buenos Aires, mas pouco a pouco a distância foi diminuindo até chegar a um empate com 94% da apuração feita.

Se for verificado o resultado em todas as províncias, Macri demonstra um enorme domínio da política argentina que envia uma mensagem dentro e especialmente fora, para os investidores internacionais: o presidente controla o país e tudo indica que continuará assim por muito tempo. “Agora se vê que isso não foi um veranico de uma eleição, a mudança não voltará atrás. Eu sei que esses 19 meses foram difíceis. Se tivesse alternativa a muitas decisões, especialmente o aumento das tarifas, eu o teria feito. Agradeço que apesar das dificuldades, os argentinos acreditaram que esse é o caminho correto” disse Macri em uma entrevista coletiva após a vitória. O presidente recuperou o costume de responder as perguntas da imprensa, abandonado durante o kirchnerismo.

Mas nesse momento Kirchner, em absoluto silêncio, perdia em Buenos Aires. Ela esperou enquanto nas telas a vantagem ia diminuindo até desaparecer. Seus correligionários acusaram o Governo de atrasar a apuração nas áreas mais favoráveis ao kirchnerismo, as mais populares, para que os argentinos fossem dormir com a sensação de vitória total de Macri.

Apesar dessa revanche na madrugada, o peronismo sai muito enfraquecido dessa noite eleitoral. Teve um prêmio de consolação em La Rioja, onde o ex-presidente Carlos Menem obteve 44,6% apesar de estar impedido por ter uma condenação judicial e à espera de que a Suprema Corte o habilite. Mas os candidatos macristas ganharam nas maiores províncias do país, aquelas que têm mais deputados no Congresso e onde até então tinha bem pouca presença.

O Governo ganhou na Cidade de Buenos Aires, Mendoza e Córdoba. E ganhou até mesmo nas províncias consideradas feudos particulares, como San Luis (centro), em poder dos irmãos Rodríguez Saá desde o retorno à democracia, em 1983. Em Santa Cruz, berço do kirchnerismo, onde governa a irmã do ex-presidente Néstor Kirchner e Cristina Kirchner vive a maior parte do ano, o macrismo recebeu 45% dos votos, 15 pontos a mais do que o grupo da ex-presidenta.

Os presidentes argentinos têm um enorme poder, mas o sistema eleitoral desse país faz com que estejam submetidos a constantes revalidações: a cada dois anos existem eleições e toda a economia depende de seus resultados. Macri, que venceu em 2015 por apenas três pontos de diferença e está em minoria no Congresso, enfrentou sua primeira grande revalidação. Cristina Kirchner, a ex-presidenta, voltou à política como candidata à senadora e conseguiu transformar as eleições em um grande plebiscito sobre Macri. Mas o presidente por enquanto superou esse teste, à espera do que acontecerá em outubro.

Antes da votação, quase todas as pesquisas colocaram a ex-presidenta como primeira com vantagem na província de Buenos Aires, por onde concorre. Mas na noite eleitoral as coisas mudaram e a diferença entre Kirchner e Bullrich era insignificante. O ambiente no estádio Julio Grondona, onde Kirchner e seus seguidores acompanhavam o resultado, era quase de velório no começo da noite, enquanto os macristas comemoravam em Costa Salguero, na capital, aos gritos de “não voltam mais”. Nesse momento, todas as expressões no estádio eram de contrariedade. Mas poucas horas depois do encerramento da festa macrista, os kirchneristas começavam a sua aos gritos de “voltaremos”. Será preciso esperar outubro.

Macri tinha muita coisa em jogo. Se Kirchner ganhasse a eleição por uma ampla diferença, os mundos do poder e do dinheiro ficariam extremamente inquietos: ninguém consegue entender bem como é possível que uma ex-presidenta que foi derrotada há dois anos, sofreu escândalos de corrupção gravíssimos em seu entorno – seu secretário de Obras Públicas foi preso enquanto jogava malas com nove milhões de dólares (29 milhões de reais) em um convento para escondê-las – e tem ela mesma várias causas pendentes esteja em condições de vencer eleições na principal província.

Quase tudo nela é particular. Não se apresenta pelo peronismo, criou seu próprio partido, Unidade Cidadã. Não deu uma só entrevista e quase não realizou comícios. Ela se candidata pela província de Buenos Aires, mas sua residência e seu local de votação é em Santa Cruz. E dessa vez sequer foi votar porque diz que não daria tempo de voltar no dia seguinte à noite eleitoral em Buenos Aires. Tudo é atípico, e é a única candidata que não votou, mas seus seguidores parecem não se importar com nada.

Se ela vencesse com tranquilidade, o mundo do poder estaria pronto para culpar Macri e o mundo do dinheiro já se assustava com seu possível regresso. Se a vitória do presidente se consolidar em outubro, todos os que duvidavam precisarão se curvar diante dele. Macri está acostumado a ser subvalorizado, mas sempre acaba se impondo nas eleições desde sua vitória na cidade de Buenos Aires em 2007.

Muitas pessoas votaram em Macri cansados do kirchnerismo e principalmente convencidos de que o multimilionário empresário, que vinha de uma boa gestão primeiro no Boca Juniors e depois na cidade de Buenos Aires, acabaria com a crise e traria crescimento. Mas o primeiro ano de Macri foi complicadíssimo, com inflação de 40%, quase 1,5 milhão de novos pobres e queda forte especialmente da indústria e do comércio, essenciais justamente nos arredores de Buenos Aires onde Kirchner mais tem eleitores. O segundo está sendo melhor, mas a recuperação trazida pelos números altos ainda não chegou aos bairros em que ela tem força.

Kirchner buscou pegar carona nessa crise para conseguir sua volta triunfal. Mas, com este resultado, os argentinos parecem dar a Macri uma grande margem de confiança para continuar ditando o ritmo político nos próximos dois anos. Ele afirmou durante a campanha que as mudanças que propõe irão demorar. E que não faria sentido voltar à situação de antes. E os cidadãos estão majoritariamente lhe concedendo esse tempo solicitado. A se confirmar o resultado em outubro, o presidente poderá agir com muita calma para arrematar sua política econômica. Mas na Argentina todo pode mudar em questão horas, como ficou claro novamente nesta noite eleitoral delirante.

O MACRISMO GRITA: “NÃO VOLTEM MAIS”

MAR CENTENERA

"Sim, se pode”, foi a frase gritada em coro no comitê eleitoral do Cambiemos, a coalizão de Mauricio Macri. A alegria contida das primeiras horas deu lugar a uma grande euforia, acompanhada de aplausos e abraços, à medida que o mapa se tingia de amarelo, a cor do governismo. “Não queremos voltar ao passado”, disse o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, ao subir ao palco. “Não voltam mais, não voltam mais”, respondeu o público. A mensagem de Larreta foi repetida, como um mantra, na boca de todos os candidatos e líderes macristas que o sucederam como oradores.

Entre balões multicoloridos e hits musicais, os simpatizantes do Cambiemos comemoravam o triunfo eleitoral. “Estou comovida e desnorteada. Estou acostumada a perder, não a ganhar”, disse Elisa Carrió, cabeça da lista do Cambiemos na cidade de Buenos Aires, sob gritos de “Lilita, Lilita”. “Hoje a República se reafirmou nos quatro cantos da nação”, acrescentou, muito emocionada. Considerada a cabeça de lança anticorrupção do Cambiemos, a legisladora está no melhor momento da sua carreira e ganha cada vez mais espaço no partido. Com 98% dos votos apurados, o Mudemos se aproximava dos 50% na capital argentina.

Uma das maiores ovações foi para a outra protagonista da noite, a governadora da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal. “Este país e esta província estão se transformando profundamente pela primeira vez”, declarou. A governadora convocou os bonaerenses a “sustentarem a esperança" e respaldarem o Governo para que possa levar adiante as mudanças necessárias. “Durante mais de 25 anos você bancou o mau trato e a indiferença, como não vai apostar numa nova oportunidade?”, perguntou Vidal, retoricamente. A política criticou também o kirchnerismo por não enfrentar as máfias e a corrupção e não realizar obras suficientes na maior província do país. “São os mesmos que durante 30, 40, 50 anos fizeram você acreditar que precisava viver no barro. E hoje você vê as máquinas trabalhando.”

Macri subiu ao palco quando já eram quase 23h. “A mudança está mais viva do que nunca", começou dizendo. O presidente argentino reiterou sua mensagem de diálogo e união entre os argentinos, mas reiteradamente salientou as diferenças com o kirchnerismo, ao qual acusou de mentir, de não ter “um mínimo de humildade e de amor pela Argentina” e de colocar “paus nas rodas” (atrapalhar) a transformação iniciada pelo Governo. Enquanto Macri falava, Carrió abraçava cada um dos candidatos por trás, obrigando o presidente a interromper seu discurso, enquanto Vidal aplaudia. Macri teve elogiou as duas, que lhe corresponderam. Houve outra mensagem comum: nesta segunda-feira voltam todos para a rua. A interminável batalha eleitoral continua.

KIRCHNERISTAS, DA DESILUSÃO À ESPERANÇA

RAMIRO BARREIRO

A sede eleitoral do Unidade Cidadã, montada no miniestádio do clube Arsenal de Sarandí, na periferia portenha, abriu cedo e fechou muito tarde. Os correligionários presentes viveram emoções contrapostas no decorrer das horas, numa interminável apuração que se estendeu durante a madrugada. A participação foi muito mais modesta do que em 20 de junho, quando Cristina Fernández de Kirchner lançou seu partido no mesmo local. Desta vez só houve um espaço reservado para a militância, separado da sede e com um telão. Mas logo depois das 21h, quando os primeiros resultados iniciais eram divulgados, menos da metade estava ocupada, e o mau humor era reinante. Tudo mudaria nos primeiros minutos da segunda-feira.

Luis Osorio espera a chegada de Cristina numa esquina da rua Julio Grondona. Está sozinho e fortemente abrigado. “Macri, larga mão”, diz um cartaz improvisado numa cartolina pendurada no pescoço dele. A frase, junto com outras, popularizou-se há alguns meses entre os partidários do kirchnerismo. A mensagem se impõe com mais força entre eles, uma vez que o governismo reconfirmou sua liderança. “Esperava 35% para Cristina, mas os números estão parecidos. O governo deveria ler que, entre todos os candidatos, há 70% das pessoas que estão lhe pedindo que largue a mão”, diz o homem.

Florencia, Eliana, Belén e Andrea conversam entre si com preocupação. Todas escutam uma que, celular em punho, repassa as primeiras cifras. “Abrem seis pontos, mas precisa ver por onde começaram a apuração”, diz Florencia quando a reportagem do EL PAÍS se aproxima. “As pessoas estão trabalhando para continuar indo trabalhar”, sintetiza Andrea, a mais jovem de todas. Sua amiga Eliana completa: “Antes a classe média podia se dar alguns gostos, mas agora já não tem isso. Mas ao que parece, ainda não estão tão mal a ponto de pôr um limite a Macri, ainda não chegaram ao fundo”. Conforme a noite transcorria, o desgosto se transformaria em alegria. Na sala de imprensa, gritavam zeros e vírgulas. Ninguém podia acreditar no que estava acontecendo: os seis pontos da diferença registrados às 22h em favor do Mudemos na Província de Buenos Aires se transformava num empate técnico.

À meia-noite, a sede kirchnerista virou uma inesperada festa. A pré-candidata Vanesa Siley advertia: “Vai ser uma noite longa, os dados podem mostrar surpresas”. E mostraram mesmo. Cristina Kirchner reduzia a distância que a separava de Esteban Bullrich, e os ânimos mudavam a cada música que tocava nos alto-falantes. “Serei arauto de boas notícias só se você ficar um momento mais”, antecipava um verso de Indio Solari. Os poucos militantes ainda presentes, quando até o serviço de alimentação já havia sido encerrado, resistiram. Por volta das 2h, todos já estavam dançando cumbia, à espera da sua líder, e cantavam “o viramos”. Pouco antes das 3h, o dirigente Leopoldo Moreau denunciava que o carregamento de dados no Correio Argentino havia sido interrompido num momento em que a diferença a favor do governismo era de apenas dois pontos. A noite seria ainda mais longa.

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