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Coluna
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Uma sentença que não se sustenta

A condenação de Lula pelo juiz Moro está longe de provar a responsabilidade criminal do ex-presidente acima de qualquer dúvida razoável

Uma mulher num protesto a favor de Lula o último dia 20.
Uma mulher num protesto a favor de Lula o último dia 20.MAURO PIMENTEL (AFP)

Na sentença em que condena Lula por supostamente ser o proprietário de um triplex em Guarujá, o juiz Sérgio Moro transcreveu que “a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável”, preceito tirado do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.  Sendo assim, a própria sentença é nula, pois que a “responsabilidade criminal” do condenado ficou longe de ser provada “acima de qualquer dúvida razoável”. Ao contrário, prestigiados juristas têm demolido os fundamentos da condenação. 

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Doutores em direito, mestres de reputadas universidades, deram opiniões sobre a sentença em análise. Recolho trechos de algumas dessas opiniões, todos acessíveis na internet.

O professor emérito de Direito da USP Dalmo Dallari ironiza as 218 páginas da sentença, tratando-a como uma “decisão longuíssima, absolutamente desnecessária”, onde o juiz Moro “dá muitas voltas” e “sem qualquer base para uma fundamentação legal (...) condena o acusado”. Diz o professor: “A condenação não foi jurídica (...) foi política...”. Acrescenta: “Nos registros públicos (...) não consta que Lula tenha sido ou seja proprietário do (...) apartamento, nem foi exibido qualquer documento em que ele figure como ta...”. Sendo assim, “a condenação de Lula simplesmente não existe e nunca existiu”.

De sua parte, o professor Fernando Lacerda, de Direito Processual Penal, da PUC-SP, mostra que o juiz Moro, não conseguindo provar que Lula era proprietário do tal triplex, criou a figura da “propriedade de fato”, conceito que simplesmente “não existe em nosso ordenamento jurídico”. E adiciona: “ainda que o ex-presidente Lula fosse o proprietário do apartamento...é necessário comprovar qual a contrapartida (que ele deu para ter o imóvel)”, ou seja, qual a vantagem ilegítima que recebeu o dono originário do apartamento. E aí, não só a propriedade do imóvel não foi comprovada, como, segundo Lacerda, a “prova da contrapartida [se resumiu] (...) apenas e tão-somente à palavra dos delatores (...) Léo Pinheiro e Agenor Medeiros, que jamais poderiam ser consideradas como prova”. A conclusão do professor é taxativa: “não há materialidade para condenação pelo crime de corrupção".

Já o professor Bandeira de Mello, titular de Direito da PUC/SP, lastima que Moro “não se comporte como magistrado, mas como um acusador. Ele não tinha prova e decidiu contra a lei”. Diz: “Ele não parece juiz, suas decisões (...) são sempre parciais". Manifesta-se, por fim, “surpreso com o fato de Moro ainda não ter sido punido”.

Alertando que o juiz Moro fez uma “confusão de categorias”, o professor de Direito da FGV Thiago Bottino chama a atenção para o artigo 212 do Código de Processo Penal, no qual o juiz só deve inquirir para complementar as perguntas feitas pelo Ministério Público e pela defesa. Entretanto, “o que a gente viu nos depoimentos é que quem mais pergunta é o juiz...”.

A eventual perseguição política a Lula (lawfare) não é vista como “descabida” pelo professor Salah Khaled Jr., da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutor e mestre em Ciências Criminais (PUC-RS). “Pelo contrário”, diz o professor. “Em várias oportunidades, foi cristalina a intenção de influenciar o campo político. Quando Moro deliberadamente divulgou a conversa entre Lula e Dilma, cometeu crime. Pouco importa que tenha pedido desculpas depois. Ao cidadão comum não é dada a oportunidade de pedir desculpas quando comete crimes”. E mais: “Moro se comporta como um juiz inquisidor. Parte em busca do que precisa para condenar. A democracia não pode conviver com juízes assim”.

O ex-presidente da OAB/RJ, deputado federal Wadih Damous, examinou meticulosamente a sentença de 218 páginas e apresentou uma estatística estranha: 30% da sentença, cerca de 60% das páginas foram usadas pelo juiz Moro para se defender de acusações de arbitrariedades; 8%, em torno de 16 páginas, para se contrapor ao que Lula disse quando interrogado; e 4%, menos de uma página, para rebater o que 73 testemunhas disseram, sob juramento de só falar a verdade, todas inocentando Lula.

Condenar o maior líder popular da história do Brasil, talvez das Américas, com tanta controvérsia, é uma insensatez. A saída está no texto da sentença: “a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável”. E isto está longe de ter acontecido.

Haroldo Lima é  engenheiro, ex-deputado federal e membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.

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