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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

López, a nova Venezuela

Ex-preso político não é só símbolo da resistência, mas também é a imagem e a conjunção de que é possível um enfrentamento pacífico

Seguidores de Leopoldo López esperam o líder após sua libertação.
Seguidores de Leopoldo López esperam o líder após sua libertação.CHRISTIAN VERON (REUTERS)

A História mostra que os regimes caem quando surge um herói ou mártir que encarna os questionamentos do povo. O “apartheid” nunca teria terminado sem um Nelson Mandela, preso durante 27 anos em uma cela de três por quatro, sem uma Winnie Mandela e sem um partido como o Congresso Nacional Africano que compreendeu que a melhor arma para os africanos negros era a imagem e o exemplo de um homem que se consumia sem se dobrar.

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Fidel Castro, que teve quase tanto de farsante como de revolucionário, compreendeu que na era de Hollywood e na jovem América de Kennedy era muito importante construir um personagem mítico. Neste caso, uma espécie de Robin Hood das serras cubanas que pudesse dizer depois de combater contra as forças da ditadura de Batista: “A História me absolverá”.

Há muito tempo que o mundo perdeu a capacidade de compreender o que está acontecendo na América Latina, especialmente em dois países singularmente vinculados: Venezuela e Cuba. Nos últimos meses, a Venezuela vive a agonia de um regime que começa a violar permanentemente suas próprias leis, fazendo com que até os primeiros companheiros de viagem tenham de abandonar o barco porque ele simplesmente segue à deriva em um mar de sangue.

O recente fracasso da OEA em sua reunião de Cancún, a divisão entre alguns países e a expectativa de outros, a vinculação por interesses e por uma certa conexão ideológica com o chavismo fez com que o regime de Maduro e o regime de Caracas — que, a estas alturas, começam a ser duas coisas distintas — pudessem obter um sucesso diante da iniciativa mexicana, devido ao desinteresse norte-americano e à cumplicidade silenciosa de muitos países.

No subconsciente latino-americano continua funcionando a ideia de que os levantes contra a América do “grande garrote” são uma das poucas batalhas pela dignidade dos povos e das culturas. Leopoldo López, o preso político mais importante da Venezuela, está em sua casa, em prisão domiciliar, depois de três anos preso no presídio militar de Ramo Verde. López não é só o símbolo da resistência, mas também é o grito, a imagem e a conjunção de que é possível um enfrentamento pacífico no qual as convicções e ideias sejam mais fortes que as balas e os paus.

Os poucos familiares que podiam visitá-lo na prisão sabiam que López tinha informações sobre uma possível mudança em suas condições, simplesmente por um detalhe: os guardas apresentavam um uniforme limpo e estavam barbeados. Isso ficou patente quando em seguida o ex-presidente do Governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero, chegou a Ramo Verde, falou com os guardas e finalmente falou com López.

No último mês, os vigilantes estavam impecáveis diariamente, no período exato que demorou o regime para ir aprontando as condições da libertação. Mas a verdadeira chave foi o terror dos próprios chavistas, ao ver as fotos do ataque à Assembleia Nacional venezuelana na quarta-feira passada, uma situação com a qual se arriscavam a não poder viajar para os Estados Unidos, apenas para Cuba e Bolívia.

A partir daí, o regime pressionou para que López e a situação política mudassem e foi o que ocorreu. Zapatero tinha a chave que abriu a porta, mas realmente a chave foi a pressão do povo venezuelano durante estes três meses pela primeira vez em sua história. Ninguém sabe o que está havendo realmente no chavismo, ninguém sabe se Diosdado Cabello, número dois do regime, os matará a todos ou se será preso antes. Mas o que sabemos é que agora o Governo de Maduro tem de enfrentar a vergonha, o escárnio e a perda dos papéis depois do ataque das hordas chavistas contra o Parlamento que ainda hoje, apesar da manipulação trapaceira das leis e da traição à Constituição Bolivariana, continua representando a vontade de um povo partido em dois.

Já temos o Mandela da situação venezuelana. Agora só nos falta saber se há algum De Klerk entre os chavistas e quando deixarão cair as barreiras que levantaram sobre seu gueto que, no caso da Venezuela, significa assumir que representam um Governo que só é eficaz para importar armas, mas que é inútil para garantir as necessidades básicas da população. Agora, a volta de López a sua casa e o ataque ao Congresso marcam um ponto sem retorno do fim do que um dia foi o regime chavista e que hoje já é apenas uma paródia de Maduro.

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