TSE salva Temer, que agora deve enfrentar novo embate na Câmara
Dilma Rousseff, antecessora do peemedebista, também foi inocentada. Janot deve denunciar presidente por crime de corrupção
A questão processual superou as evidências. E, nesta sexta-feira, o presidente Michel Temer (PMDB) ganhou sobrevida política ao se livrar da cassação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar de depoimentos e documentos entregues pelas testemunhas indicarem que a chapa que o elegeu, em 2014, como vice de Dilma Rousseff (PT), foi beneficiada por dinheiro irregular da Odebrecht. As questões relacionadas à construtora acabaram desconsideradas do processo de abuso de poder político e econômico, a pedido da defesa dos dois investigados. E, sem isso, o argumento do relator Herman Benjamin, de que a chapa foi beneficiada por uma "poupança propina", abastecida ao longo de vários anos, acabou vencido por quatro votos por três. Com a decisão, Rousseff também foi absolvida e não teve os seus direitos políticos cassados. A petista segue elegível e pode se candidatar a qualquer cargo público em 2018.
Ao ser inocentado no TSE, Temer agora enfrentará uma série de ataques políticos e se deparará com um embate entre o Ministério Público Federal e a Câmara – onde ele tem perdido aliados. Entre investigadores, há a sensação que em breve o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentará a denúncia (que é a acusação formal) contra o presidente pelos crimes de corrupção, formação de quadrilha e obstrução à Justiça no caso envolvendo a delação da gigante do ramo alimentício JBS.
Nos últimos quatro dias, Benjamin travou uma batalha no Plenário, mesmo após a indicação, já no terceiro dia, de que perderia. E em sua minuciosa explanação de como o sistema eleitoral foi corrompido, não apenas em 2014, mas em vários anos anteriores, o julgamento se tornou uma espécie de radiografia negativa do sistema político brasileiro. A todo tempo, Benjamin fazia questão de ressaltar que as irregularidades apontadas por ele, no caso da chapa Dilma-Temer, se replicaram em outros partidos, conforme apontaram os depoentes ouvidos ao longo de todo o processo.
À revelia de apelos de colegas, como o ministro Luiz Fux, que pedia para que ele acelerasse sua longa exposição, Benjamin prosseguiu por uma tarde e uma manhã na defesa detalhada de seus argumentos, expondo e-mails de executivos da Odebrecht em um telão e lendo trechos de depoimentos de ex-dirigentes da construtora e da Petrobras dados ao TSE. Estava alheio à derrota iminente, que já se mostrara clara no dia anterior, quando os ministros Gilmar Mendes, presidente da Corte, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira e Napoleão Nunes Maia concordaram com a defesa, que pedia que os fatos relacionados com a Odebrecht fossem desconsiderados, pois não estavam na petição inicial de investigação, protocolada pelo PSDB logo após as eleições de 2014 e antes das delações da Odebrecht na Lava Jato. O pedido dos tucanos citavam apenas irregularidades relativas à Petrobras.
"Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão", disse Herman Benjamin
E, com a maioria da Corte em concordância, isso foi feito. Descartou-se, assim, toda a fase mais recente da Lava Jato, que acabou com a condenação de políticos e de executivos por envolvimento em corrupção. Mas os ilícitos da Petrobras tinham pouca relação com a campanha de 2014, justamente porque cessaram com o avanço da própria Lava Jato. Já a Odebrecht, "a matriarca chefe da manada de elefantes", como definiu Benjamin, teria, sim, financiado irregularmente o último pleito presidencial, conforme afirmou o relator, com base em sua investigação. O ministro Luiz Fux, contrário à tese da defesa, apelou em seu voto final: "Será que eu, como magistrado que vou julgar uma causa, agora com esse conjunto de infrações, vou me sentir confortável de usar um procedimento processual para não encarar a realidade? A resposta é absolutamente negativa."
A exclusão das provas da Odebrecht resultou em um duro desabafo do relator, ao final de seu voto. "Quero dizer que tal qual cada um dos seis outros ministros que estão aqui nessa bancada, eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão", afirmou.
Para tentar contornar a retirada da Odebrecht do processo, Benjamin argumentou em seu voto que o dinheiro desviado da Petrobras, apesar de não ter abastecido, diretamente, a campanha de 2014, serviu para o benefício de PT e PSDB ao longo de anos, ficando em uma "poupança propina ou poupança gordura". Ele alegou que essa verba se misturou com dinheiro lícito e acabou sendo repassada aos partidos na última campanha presidencial. Segundo executivos da Petrobras interrogados no processo, durante vários anos (antes da Lava Jato descobrir o esquema), os partidos se beneficiaram de contratos superfaturados com construtoras.
Os mesmos ministros que discordaram de ele na quinta-feira, voltaram a se contrapor a seus argumentos nesta sexta-feira. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho foi o primeiro a votar após o relator. "Voto pela improcedência total dos pedidos formulados nas ações eleitorais", ressaltou ele, que afirmou que se o dinheiro da "propina poupança" abasteceu a chapa Dilma-Temer, pode ter feito o mesmo com outras diversas candidaturas dos dois partidos. Admar Gonzaga, o segundo a votar, o seguiu: "Não há prova segura e cabal de que as doações para a campanha de 2014 tenham ocorrido no esquema ilícito da Petrobras", ressaltou ele, que afirmou que é preciso ter provas de quais valores desse esquema teriam sido direcionados para a chapa na última eleição presidencial. Na mesma linha seguiu Tarcísio Vieira que afirmou ainda que os testemunhos de delatores "devem ser relativizados ou analisados com triplicada cautela”. Gonzaga e Vieira foram recém empossados por Temer no TSE.
O ministro Gilmar Mendes, criticado pela relação de amizade com o presidente Michel Temer, não deixou de defendê-lo, como previsto, na apresentação de seu voto. "Certamente, a Procuradoria vai entrar com denúncia contra ele no STF para que ele fique impedido. E aí se faz uma eleição indireta em 30 dias. É isso que se quer? Não é uma ação de reintegração de posse", afirmou. Em seu voto, se apegou, principalmente, à necessidade de manter a estabilidade política, ainda que pontuasse sua decisão em questões técnicas. "Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira", afirmou ele.
Embates no Legislativo
Enquanto fica aliviado com a decisão do TSE, Temer já tem de se preocupar com outras frentes que podem resultar na perda de seu mandato. A partir da possível denúncia a ser apresentada pelo procurador-geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de solicitar a autorização da Câmara dos Deputados para julgar o pedido. Se o Legislativo autorizar, por dois terços dos parlamentares (342 dos 513) em votação nominal, os ministros do STF poderão julgar o presidente. Caso os magistrados concordem com que ele se sente no banco dos réus, Temer é afastado da presidência, conforme previsto no artigo 86 da Constituição Federal.
Por isso, Temer manterá duas linhas de defesa. Na esfera judicial tenta suspender as investigações no âmbito da JBS. Enquanto que na frente de batalha política, tentará reduzir a perda de apoio parlamentar.
Um dos expoentes da oposição ao Governo, o deputado federal Alessandro Molon (REDE-RJ) afirmou que a absolvição do presidente no TSE não encerra a crise política. “Ele não sai fortalecido, agora está mais agonizante. Teremos um presidente encurralado por seus aliados sendo presos e que vai usar o seu cargo para se proteger, sem governar o Brasil”, afirmou. “É a receita para dar errado”, completou o parlamentar
O abalo ao apoio de Temer deverá se intensificar na próxima semana. Na segunda-feira o PSDB se reúne para definir se mantém ou retira o suporte ao governo. Inicialmente, a bancada de deputados iria debater o assunto nesta semana, mas a pedido da cúpula da legenda, os parlamentares decidiram esperar a conclusão do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. A tendência é que os tucanos entreguem os cargos no Executivo, mas mantenha apoio às reformas apresentadas pela gestão peemedebista, como a da Previdência e a Trabalhista.
O apoio dos tucanos é um dos alicerces do Executivo. A legenda tem quatro ministros, 46 deputados e 11 senadores – um deles, Aécio Neves, afastado das funções parlamentares por suspeita de envolvimento em atos de corrupção.
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