Sucessão de Janot começa com elogios abertos e críticas sutis à Lava Jato
Oito procuradores disputam o comando da Procuradoria-Geral sob a sombra da operação Com centenas de políticos na mira, poucas vezes escolha foi em momento tão crucial
Um procurador dificilmente assumirá a Procuradoria Geral da República (PGR) em setembro caso se posicione contra a Operação Lava Jato. Pelo menos é o que sugere o primeiro debate entre os oito postulantes ao cargo ocupado atualmente por Rodrigo Janot — isso se o presidente Michel Temer, se ainda no poder, honrar o costume em vigor desde 2003 de escolher um dos três nomes mais votados na categoria. Em meio a discussões sobre as relações do Ministério Público Federal com os três poderes da República e assuntos internos, como a democratização da escolha de representantes para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a escassez de recursos financeiros, os aspirantes a comandar a Lava Jato iniciaram a disputa nesta segunda-feira debatendo o futuro da PGR à sombra da operação que agita a política brasileira desde 2014. Poucas vezes a escolha se deu em momento tão delicado, já que caberá ao substituto de Janot levar inquéritos e ações contra dezenas de políticos investigados.
"Da Lava Jato a gente nem fala, porque já se sabe que vai prosseguir. Os colegas que estão auxiliando [o procurador-geral] vão permanecer, porque já conhecem esse tema", resumiu em sua intervenção inicial o subprocurador-geral da República Franklin Rodrigues da Costa, que enfatizou a importância de fazer um planejamento estratégico para a década de 2020 na PGR. "Nunca deixei, nem vou me deixar intimidar, e me comprometo com vocês a continuar e a aprimorar a Operação Lava Jato e todas as que se sucederem", prometeu a subprocuradora-geral Sandra Cureau, que destacou a necessidade de impor uma quarentena a procuradores que se exonerarem do MPF.
A questão da quarentena foi levantada pelo subprocurador-geral Eitel Santiago, que fez questão de dizer que estava falando sobre um caso hipotético. Todos no auditório do Ministério Público Federal em São Paulo sabiam, contudo, que Eitel se referia ao fato de que Marcelo Miller, conhecido como braço-direito de Janot, deixou o Ministério Público em março para se unir, dois meses depois, ao escritório de advocacia responsável por negociar o acordo de leniência da JBS. "O velho Código Penal prevê um tipo chamado patrocínio simultâneo ou tergiversação, e, num caso concreto desses, se ocorrer, é crime de ação pública incondicionada. E eu lhe digo: se eu vier a ser o procurador-geral da República, eu não irei tolerar traição ao Ministério Público, nem desrespeito à legislação penal", disse o subprocurador-geral.
As críticas dos aspirantes a procurador-geral à Lava Jato foram feitas todas assim, lateralmente, no primeiros dos seis debates que eles devem travar até o dia da eleição, na última semana de junho. O vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, por exemplo, disse que o procurador-geral deve "trabalhar no contexto do enfrentamento da macrocriminalidade e da corrupção", mas falou que, de forma geral, é sempre necessário "rever, refletir e eventualmente corrigir os rumos". A Lava Jato tem recebido críticas desde sua origem pela utilização intensa de procedimentos como prisões preventivas e por constantes vazamentos.
"Se eu vier a ser o procurador-geral da República, não irei tolerar traição ao Ministério Público, nem desrespeito à legislação penal", diz o subprocurador-geral Eitel Santiago
A subprocuradora-geral Ela Wiecko, que não compareceu ao debate por motivos pessoais, mas enviou um vídeo de apresentação, disse que "por fustigar as estruturas do poder político e econômico, [a Lava Jato] tem suscitado críticas à atuação de membros do Ministério Público Federal e do procurador-geral da República". Segundo ela, "o compromisso de quem suceder a Rodrigo Janot não pode ser outro senão o de cumprir a Constituição e de proceder de acordo com o devido processo legal, organizando-se da melhor forma possível para dar conta das centenas de investigações em curso com agilidade, transparência e qualidade".
Dos pleiteantes ao comando da PGR, o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos foi o que fez críticas mais incisivas à condução da Lava Jato. "Eu pretendo racionalizar o trabalho das assessorias [na PGR], para não prejudicar o trabalho das unidades [do MPF], de uma forma não estudada. Chegamos a verificar 40 pessoas circulando em todas as assessorias do procurador-geral", criticou. Para Santos, a PGR precisa mostrar resultados concretos na Lava Jato após mais de três anos de investigação — e ele usa como exemplo o trabalho feito pela força-tarefa de Curitiba. "Não pode apresentar a denúncia contra seis políticos e, logo depois, absolver dois deles. É uma denúncia mal apresentada', comentou ao final do debate.
Esforço concentrado
Praticamente todos os candidatos, como a subprocuradora Raquel Dodge, se comprometeram a reforçar a Lava Jato com mais colaboradores caso seja necessário. Mas a própria Dodge se envolveu em uma discussão com Janot em abril por conta da possibilidade de restringir a quantidade de procuradores cedidos à operação. A subprocuradora apresentou ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) uma proposta para restringir a 10% o número de procuradores cedidos por cada área, e Janot reclamou de não ter sido consultado. Diante do impasse, o subprocurador Mario Luiz Bonsaglia apresentou, como destacou no debate, uma proposta para estabelecer que a regra só valerá para grupos de investigação ainda não formados, o que preservaria a Lava Jato — Bonsaglia e Dogde dividiram com Janot a lista tríplice entregue à então presidenta Dilma Rousseff em 2015.
Os debates entre os subprocuradores seguirão — em Porto Alegre, Belém, Recife, Rio de Janeiro e Brasília — até a última semana de junho, quando os 1.300 filiados à Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) elegerão a nova lista tríplice a ser submetida ao presidente da República. Esse processo ainda é informal — Michel Temer não tem obrigação de escolher nenhum dos três, mas há uma tradição de optar pelo mais votado desde o Governo Lula e o novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, já deixou claro que a possibilidade de não seguir a prática ou mudar suas regras está na mesa. Os procuradores trabalham para atribuir alguma institucionalidade ao processo de escolha — o que ocorreria com a realização da eleição por meio do conselho dos procuradores. O escolhido pelo presidente só assumirá o posto de Janot em setembro.
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