_
_
_
_

Médico holandês usou próprio sêmen para inseminar dezenas de mulheres

Dono de uma clínica de fertilidade disse fazê-lo “pelo bem da humanidade”

Isabel Ferrer
À esquerda, suposto filho de Jan Karbaat (à direita)
À esquerda, suposto filho de Jan Karbaat (à direita)

Jan Karbaat, um médico que morreu em abril, com 89 anos, inseminou em segredo durante décadas dezenas de mulheres que passaram por sua clínica de fertilidade na Holanda. Em vez de usar o esperma de doadores anônimos que as clientes haviam selecionado por catálogo, Karbaat usava o seu. Testes de DNA realizados com a ajuda de um de seus filhos legítimos demonstraram que o médico é “quase seguramente” o pai de 18 filhos concebidos na clínica. Outros 25 têm dúvidas, e no dia 2 de junho os tribunais dirão se podem fazer os testes com amostras genéticas do morto, o que esclareceria todas as dúvidas.

Mais informações
Bebê de mãe com morte cerebral se alimenta com leite materno doado
Argentina registra o seu primeiro bebê com três pais
Quais doenças genéticas podemos transmitir a nossos filhos?
Planos de vida congelados

A descoberta das ações do holandês lembra o caso do famoso médico brasileiro Roger Abdelmassih. Especialista em reprodução humana e um dos pioneiros da fertilização em laboratório no país, Abdelmassih foi preso por abusar sexualmente de suas pacientes enquanto elas estavam sob efeito de sedativo. Assim como no caso do brasileiro – que começou a ser acusado em 2009, mas só teve seu registro cassado em 2011 –, a reputação do doutor Karbaat também vinha sendo questionada há alguns anos. Sua clínica, chamada Bijdorp, localizada em um subúrbio da cidade portuária de Roterdã, fechou em 2009 porque as autoridades de saúde holandeses descobriram que ali se misturava o sêmen de vários homens para aumentar as possibilidades de gravidez, uma prática proibida. Sua contribuição pessoal veio à tona agora.

Segundo admitiu o próprio Karbaat quando trabalhava, durante 40 anos, cerca de 6.000 mulheres geraram cerca de 10.000 filhos depois de passarem por sua clínica. Desde 2004, e a partir dos 16 anos, os filhos podem pedir a identidade do doador na Holanda. Os 25 cidadãos que recorreram à Justiça para averiguar se o médico é o pai deles poderão obter para essa finalidade uma escova de dentes, ou um fio de cabelo do falecido.

A semelhança de algumas crianças da clínica com o médico é impressionante. Joey Hoofdman, um homem de 30 anos, loiro quase ruivo com maçãs do rosto e boca pronunciadas não pode ser mais diferente de seu pai legal, moreno e de rosto menos anguloso. Seu aspecto tampouco está de acordo e ele tem pouca semelhança com os irmãos. Por respeito, Hoofdman esperou até a morte da mãe para indagar o passado, e chegou à clínica em questão. A primeira vez que viu uma fotografia de juventude do doutor Jan Karbaat quase “caiu para trás”. Mostradas no programa Late Night, do canal de televisão comercial RTL4, a semelhança é inegável.

Inspetores do Ministério da Saúde afirmaram que “a desordem administrativa da clínica Karbaat – aberta em 1980 – era um problema recorrente”. O registro das pacientes não coincidia com seus históricos. No fim, o estabelecimento foi fechado porque não era possível estabelecer com certeza a filiação das crianças cujas mães foram inseminadas lá. Várias delas, hoje com filhos entre 20 e 40 anos, reconhecem agora que o médico “ia buscar sêmen fresco” minutos antes do procedimento. Dadas as circunstâncias, elas temem que fosse dele. A Bijdorp era uma das maiores clínicas na Holanda e, de acordo com a Fundação Filhos de Doadores, o estabelecimento fornecia sêmen para outros centros do ramo no país. Portanto, pode haver descendentes de Jan Karbaat em toda a Holanda.

A própria Fundação argumenta que é necessário investigar o que aconteceu para proteger os direitos dos descendentes e enfrentar as possíveis doenças genéticas. Em 2016, o doutor Jan Karbaat negou ter cometido todas essas barbaridades. Segundo ele, o caso “é uma loucura”. “Já faz tempo que me retiraram a próstata, por isso não é possível”, afirmou.

Moniek Wassenaar, psiquiatra holandesa de 36 anos e uma das possíveis filhas, juntou-se ao processo do grupo de 25 afetados. Ela conheceu o médico em 2011, e embora sempre tivesse imaginado o doador como um homem “parecido com um viking”, não procurava ter uma relação. “Eu queria saber o que tinha herdado e o que era meu”, disse na ocasião ao jornal De Volkskrant. Sua vida mudou pouco antes da referida entrevista. Recebeu uma mensagem anônima pelo Facebook em que alguém dizia que poderiam ser irmãos, e um amigo dela descobriu que se tratava de uma filha legítima de Karbaat. Quando enviou-lhe uma cópia da mensagem, o próprio médico marcou um encontro. “Ele me disse que fazia um serviço à humanidade doando seu sêmen e que havia ao menos sessenta filhos dele pelo mundo”. Quando ela pediu para fazer um teste de DNA, ele se recusou e ela deixou para lá. Agora que o número de supostos filhos está aumentando, ela quer saber. Os advogados da viúva de Karbaat disseram que ela prefere ficar em silêncio por enquanto.

Os doadores e (todos) os seus filhos

A doação anônima de esperma destinado à inseminação artificial é praticada na Holanda desde 1970. Em 1992, as autoridades de saúde aconselharam o limite de 25 filhos por doador, que recebem “um generoso reembolso das despesas de viagem”, mas não um pagamento oficial. Desde 2004, os descendentes – a partir dos 16 anos – têm direito a solicitar informações sobre seus pais. Em 2014, o Conselho Nacional de Saúde, órgão consultivo do Governo, não encontrou “razões de peso para reduzir a quota de filhos por doador”. Segundo o órgão, “assim aumentariam as atuais listas de espera nos centros especializados e as usuárias poderiam acabar recorrendo a canais pouco seguros”. Para evitar que o mesmo homem doe esperma em vários lugares ao mesmo tempo, “o melhor é abrir um cadastro nacional” aconselha. Em outros países, as normas são mais rigorosas. O Conselho de Saúde holandês afirma, por exemplo, que na Alemanha são 15 crianças por doador; na França, 10; na Dinamarca, 12, e na Suíça, 8.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_