_
_
_
_

Os riscos da empatia projetada, a falsa sintonia que pode machucar

Achamos que estamos captando da realidade do outro, mas, na verdade, estamos apenas refletindo a nossa

Ilustração de Diego Mir
Ilustração de Diego Mir

Tenho um amigo que foi operado do coração um ano atrás. Era uma cirurgia simples e de pouco risco, realizada com o uso de um cateter, sem necessidade de nenhuma intervenção maior. Algumas semanas antes do procedimento, ele contou o fato a uma amiga em quem confia muito. Ela, fortemente consternada, lhe disse que imaginava que ele estivesse preocupado (“coração é coração, nunca se sabe”, disse ela), mas ele, com um sorriso, respondeu que não, que, embora uma cirurgia no coração sempre cause forte impacto, aquela era muito simples e quase sem riscos.

Mais informações
A madalena de Proust, ou por que somos capazes de lembrar dos cheiros da infância?
Seja feliz com o ‘hygge’, o método do bem-estar ativo dinamarquês

Um dia antes da internação, a amiga lhe telefonou.

--Amanhã será a cirurgia. Como você está?

--Tudo bem. Preparado –respondeu o meu amigo.

--Estou perguntando porque, quando você me contou, senti que estava muito preocupado... –acrescentou ela.

Trata-se, sem dívida, de um erro empático. Cometido com a melhor das intenções, mas, ao fim e ao cabo, um erro. Pois essa amiga, que é uma pessoa que se caracteriza por ser normalmente preocupada demais com os outros, não estava percebendo o que o seu amigo sentia, mas sim expressando aquilo que ela estaria sentindo se lhe tivessem anunciado que teria de operar o coração. É o que chamamos de empatia projetada.

A empatia autêntica nos permite perceber com precisão aquilo que o outro está sentindo, para poder acompanhá-lo no processo. É uma habilidade essencial para que os nossos relacionamentos funcionem bem. Em contrapartida, a empatia projetada nos leva a pensar que a pessoa que temos diante de nós está sentindo aquilo que nós sentiríamos se estivéssemos nas mesmas circunstâncias que ela. Não estamos captando a sua realidade, mas apenas refletindo a nossa. Esse tipo de empatia não facilita os relacionamentos, já que o outro sentirá que não o entendemos.

Em algum momento, todos nós, com a melhor das intenções, acreditamos estar nos colocando no lugar do outro sem nos darmos conta de que não o fazemos de forma autêntica, mas sim projetada. Por exemplo, podemos ter um amigo que nos conte algo que o está deixando morto de medo, mas, como essa situação não provocaria o mesmo medo em nós, não conseguimos compreender o seu pânico. A consequência disso é que banalizaremos esse temor, e o nosso amigo se sentirá profundamente incompreendido. E o pior é que, como a nossa intenção é compreender o outro (e acreditamos que fazemos isso), acabamos nos sentindo ofendidos se ele nos diz que não o sente dessa forma, embora essa seja a realidade.

A empatia determina aquilo que é bom que façamos, ou não, nos relacionamentos. Cada emoção tem uma resposta adequada, e é o que a outra pessoa espera de nós. Mas, se não conseguimos captar esse sentimento em nosso interlocutor, se o que fazemos é projetar o nosso próprio sentimento, acabamos dando uma resposta equivocada.

Em nossos relacionamentos com os outros, temos sempre dois desafios: que as expressões emocionais das pessoas não nos passem despercebidas e que o nosso julgamento interno não nos desvie daquilo que estamos captando.

A capacidade de percepção

Somos capazes de identificar um olhar triste? De ver o brilho de alegria nos olhos do outro? Podemos diferenciar um sorriso autêntico de um que visa apenas a esconder o que realmente se está sentindo? Nós temos o segredo para reconhecer essas expressões. Ele faz parte do pacote padronizado de programação do nosso cérebro. Onde falhamos é na prática, por estarmos com a nossa faculdade de apreensão adormecida. Precisamos praticar mais a observação e fazê-la com mais atenção.

Nossos julgamentos

Podemos ouvir as pessoas para captá-las de verdade, não para julgá-las? Podemos deixar de lado as nossas crenças, opiniões e valores na hora de ouvir alguém? Os julgamentos anulam a nossa capacidade de discernimento. Fazem com que vejamos apenas aquilo que queremos ver. Precisamos ouvir o outro com o olhar de uma criança, com uma mente que não julga aquilo que escuta, que atenta apenas para o que a pessoa está dizendo. Sendo bons observadores e não caindo em julgamentos, conseguiremos realizar uma empatia autêntica, captaremos o que o outro está realmente sentindo. Cabe registrar que, segundo vários estudos científicos, a empatia tende a ser algo mais feminino do que masculino. E mais frequente na maturidade do que na juventude –pelo menos é nessa direção que apontam todos os indícios.

Ferran Ramón-Cortés é diplomado em Administração de empresas e especialista em comunicação.

Emoções e resposta empática

Captar com precisão a emoção do outro (não aquilo que eu sentiria, mas aquilo que percebo que o outro está sentindo dentro de uma determinada situação) é a base para uma empatia autêntica. Paul Ekman, psicólogo norte-americano, identificou sete emoções básicas e demonstrou que suas expressões faciais são universais. Essas emoções são: alegria, tristeza, surpresa, medo, repugnância, desprezo e irritação. Quatro deles estão muito presentes no cotidiano de nossos relacionamentos e exigem respostas empáticas diferentes entre si:

Alegria. Uma resposta correta será nos somarmos a ela, compartilhá-la e compartilhar a expressão animada. Manter frieza e distância não irá ajudar.

Tristeza. Esse sentimento requer poucas palavras e muitos gestos. Acompanhar o outro com a simples presença é, muitas vezes, a melhor resposta. Relativizar a situação não irá ajudar.

Medo. Às vezes ele é mascarado por expressões enfáticas. Proporcionar segurança será a melhor saída para vencê-lo. Negá-lo não ajuda em nada.

Irritação. Frequentemente, ela nos leva a ter reações agressivas viscerais, irreconhecíveis para a própria pessoa que as tem. Será essencial esperar que a intensidade emocional se reduza. Tentar chamar o outro à razão não é uma resposta apropriada.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_