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Família é condenada à “prisão domiciliar” no apartamento que ocupou

Um casal espanhol não sai de casa há 33 dias Não podem comprar comida ou levar seu filho de três anos ao colégio

Miguel, Dara e seu filho olham pela janela do apartamento que ocupam.
Miguel, Dara e seu filho olham pela janela do apartamento que ocupam.Uly Martín

Miguel e Dara, um casal espanhol, não saem de casa há 33 dias. Não podem comprar comida ou levar seu filho de três anos ao colégio. Uma juíza condenou o casal a permanecer 45 dias em prisão domiciliar na habitação que eles ocupam desde o final de 2016 em Vallecas, um bairro popular de Madri. Inicialmente, ambos foram sancionados com uma multa de 540 euros (1.800 reais). Como não puderam pagá-la nos três dias regulamentados, a magistrada aplicou-lhes a prisão domiciliar. A condenação termina em 5 de abril, à meia-noite. É quando devem abandonar a casa e levar os poucos pertences com os quais chegaram.

 "Não é uma sentença insólita. Começou a ser dada ano passado, depois que as instituições de Madri concordaram em agilizar os despejos. Em Vallecas [um bairro popular de Madrid], há dois casais na mesma situação", afirma Diego Sanz, porta-voz da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), a agremiação que luta contra os despejos na Espanha. O ativista explica que o procedimento pela via penal é "muito rápido" e a multa é substituída por prisão domiciliar quando não há possibilidade de pagá-la.

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Para Miguel, de 25 anos, "parece que ser pobre é um delito". Afirma isso enquanto observa a rua por meio de uma janela em uma sala quase deserta de móveis. "Não queremos viver de graça, estamos dispostos a pagar, mas dentro de nossas possibilidades", continua. No momento, a única renda que o casal tem é de 587 euros, que obtêm pela Renda Mínima de Inserção (RMI), uma pensão que paga o governo da região de Madri. Com esse dinheiro, sobrevivem os dois e seu filho de três anos, que se mostra muito carinhoso e brincalhão. O apartamento que encontraram sujo e abandonado, segundo as fotos que guardam em seu celular de última geração, agora reluz. É a imagem de um jovem matrimônio "feliz".

 "Ocupar é delito"

O casal afirma que procurou a agência do Bankia, banca pública espanhola, situada em um quarteirão próximo de onde eles vivem, para que fosse cobrado um aluguel social, já que o apartamento pertence ao banco. "Disseram que não conversam com quem ocupa", lembra Miguel. Uma porta-voz de Bankia não confirmou que o apartamento lhes pertence, mas lembrou que o banco colocou 2.000 apartamentos à disposição dum fundo social. "Ocupar é um delito. Quem o comete já de início não ganha a possibilidade de obter um aluguel social".

A aventura desta família começou em fevereiro de 2016, quando teve que deixar para trás uma moradia que havia alugado por inadimplência. Os dois perderam seus empregos ao mesmo tempo. Solicitaram uma solução aos serviços sociais (tanto do governo regional quanto da Prefeitura), mas nunca receberam resposta. Com a urgência de encontrar um teto, ocuparam uma moradia que tiveram que abandonar por pressão dos vizinhos, "enquanto o banco operava um aluguel social". Chegaram à casa que agora ocupam no final de 2016. Alguém do prédio lhes comunicou que a família que vivia ali a havia abandonado porque estava prestes a ser despejada. "As pessoas aqui nos conhecem desde pequenos: somos do bairro", afirma Dara, sentada em um sofá, diante da televisão que preside a sala e que foi comprada quando as coisas corriam bem.

A prisão domiciliar começou em 20 de fevereiro. "Dias depois, deixaram Urdangarin [Iñaki Urdangarin, cunhado do rei de Espanha e condenado por corrupção] em liberdade provisória e ele foi para a Suíça. O primeiro que pensei foi que estava cumprindo sua condenação e a minha", comenta, entristecido, Miguel. Dara ressalta: "não podemos confiar na Justiça porque há critérios diferentes. Quem tem que ajudar não faz isso". Seus pais os ajudam, mas não podem viver com eles porque moram em casas muito pequenas. "Teríamos que dormir no chão".

Uma assinatura por dia

Todos os dias, em horários variados, uma dupla de policiais da prefeitura de Madri chega a casa e lhes faz assinar um papel. Se não estiverem ali, cometerão um delito de quebra de sentença. O casal também não tem permissão para levar seu filho ao colégio. Quem faz isso é a mãe de Dara, mas há dias em que ela não pode. "Se já estivesse na idade de escolarização obrigatória e se ausentasse, eu perderia a custódia", lamenta a jovem. A mãe de Dara também encarrega-se de levar-lhes comida e de tirar o lixo. "Estou estudando para o supletivo e os exames são em 27 de março, então também não poderei fazê-los", reclama Miguel, que destaca, orgulhoso, suas boas notas no trimestre anterior.

Faz frio na casa, mas não é isso que mais preocupa o casal. "Estamos angustiados", sublinham. Insistem que, até um ano e meio atrás, trabalhavam e pagavam o aluguel de sua moradia. Tudo mudou ao perderem seus empregos. "A vida muda em um instante, pode acontecer com qualquer um. Tudo muda. Para onde vamos, quando nos despejarem?", chora Dara. Enquanto, no lado de fora, começa a chover.

 

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