Brasil x Uruguai, o duelo dos professores que se recusam a brilhar mais que seus pupilos
Tite e Tabárez criaram o ambiente perfeito para extrair o máximo das estrelas que comandam Seleção brasileira enfrenta a uruguaia pelas eliminatórias para a Copa da Rússia, no ano que vem
É comum que jogadores utilizem a distinção de “professor” para se referir a seus treinadores. Em geral, o adjetivo soa inapropriado em alusão a muitos profissionais que raramente frequentaram uma sala de aula. Mas, aplicada aos atuais comandantes de Brasil e Uruguai, que se enfrentam nesta quinta-feira pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, a deferência faz todo o sentido. Adenor Bacchi, o Tite, e Oscar Tabárez merecem, de fato, o título de professor que carregam.
Tite é formado em educação física. Ensinar era seu ofício na transição da carreira de jogador para a de treinador. Levou os fundamentos da escola para o circuito altamente competitivo do futebol. É lembrado com carinho por antigos comandados em clubes como Grêmio e Corinthians, que sempre destacam as lições de lealdade e meritocracia que levaram da convivência com o professor. Tabárez é o “Maestro”. Ganhou esse apelido por, assim como Tite, ter recorrido à escola antes de migrar para a função de técnico. Deu aulas para crianças do primário antes de se sagrar campeão da Libertadores com o Peñarol, em 1987. Daquela época, guardou a vocação de disciplinador. Especialmente sob seu comando, Luis Suárez deixou o rótulo de jogador-problema para se tornar um dos maiores atacantes do futebol mundial.
Ambos também podem ser definidos como gentlemen. Raramente se exaltam à beira do campo ou diante dos microfones. São claros e didáticos ao compartilharem suas visões de futebol. Mesmo quando enfrentam momentos de pressão, administram o bom ambiente do vestiário ao evitar atritos públicos com jogadores, dirigentes e imprensa. Nesse aspecto reside talvez a maior das virtudes compartilhadas por dois treinadores que se tornaram unanimidades em seus países: jamais se colocam acima dos atletas que dirigem. Há técnicos – e não são poucos – que cometeriam a insensatez de desperdiçar talentos como Neymar e Suárez abraçados às próprias vaidades e convicções.
Tite e Tabárez conseguem, cada um à sua maneira, fazer com que suas equipes joguem em função dos craques sem limitar as demais individualidades que operam pelo coletivo. Marcelo e Casemiro, antes preteridos por Dunga, subiram de produção sob a batuta de Tite, ainda que sejam taticamente mais exigidos para compensar a maior liberdade concedida a Neymar. Pela Celeste, Cavani sempre se manteve em sintonia com Suárez, embora muitas vezes tenha de se sacrificar marcando o lateral adversário. Algo que Laurent Blanc nunca alcançou no Paris Saint-Germain ao privilegiar Zlatan Ibrahimovic em detrimento do atacante uruguaio. A capacidade de extrair o melhor de suas estrelas coloca Tite e Tabárez no topo da lista cada vez mais restrita de técnicos com cacife para resolver os dilemas mais incompreensíveis do futebol, como a insolúvel queda de rendimento de Lionel Messi na maioria das vezes em que deixa Barcelona para vestir a camisa albiceleste.
Trata-se de dois treinadores que se formaram como educadores, mas, ao contrário de muitos catedráticos, não pararam no tempo. Após três anos vitoriosos no Corinthians, Tite surpreendeu ao tirar um período sabático para se aperfeiçoar e buscar referências em diferentes escolas do futebol europeu. É aberto a inovações e novidades, tanto que um dos grandes méritos de sua curta porém eficiente gestão à frente da seleção brasileira foi ter concedido a camisa 9 ao jovem Gabriel Jesus. Tabárez, por sua vez, também valoriza as novas gerações. Seu primeiro título como treinador foi o Pan-Americano de 1983, com a seleção uruguaia sub-20. Além dos resultados expressivos, que incluem uma semifinal de Copa do Mundo e o título da Copa América 2011, ele liderou uma verdadeira revolução nas categorias de base do Uruguai. Um amplo banco de dados, gerido por alta tecnologia, e observadores espalhados por todo o país mantêm um ritmo constante de revelações que permitem à Celeste competir de igual para igual com países 20 vezes mais populosos, do sub-15 à seleção principal.
No encontro com Tite, El Maestro completará 168 jogos no comando do Uruguai, acumulados em duas passagens. Assim, ele supera o alemão Sepp Herberger e se consagra como o técnico com mais partidas por uma seleção nacional. Tabárez tenta sua primeira vitória sobre o Brasil desde que assumiu o cargo em 2006. São 11 anos de um projeto sólido contra apenas nove meses de trabalho de Tite, que, nem por isso, deixa de ostentar um cartel imponente. Caso supere o time de Tabárez, ele vai se tornar o primeiro técnico da seleção brasileira a alcançar a marca de sete vitórias consecutivas em Eliminatórias e, de quebra, carimba a classificação para a Copa de 2018. Dois técnicos altamente graduados fazem jus à fama de professor. E não é nenhum espanto que as duas melhores seleções da atualidade na América do Sul sejam regidas por eles.
Respeito mútuo
Na véspera do jogo, que acontece no estádio Centenário, em Montevidéu, Tite e Oscar Tabárez enalteceram a qualidade de cada rival e trocaram elogios. “Tite está fazendo um excelente trabalho. Ele conseguiu implementar um sistema de jogo bem definido. O Brasil é o primeiro colocado nas Eliminatórias e vem mostrando um futebol consistente, com seis vitórias seguidas”, disse Tabárez. Já Tite destacou a experiência do técnico uruguaio, que completou 70 anos no último dia 3 de março. “O Uruguai é um grande adversário. É a equipe que está há mais tempo com seu treinador. Liderados por Tabárez, muito experiente e conhecedor, eles sempre chegaram à Copa do Mundo e agora têm 23 pontos. Vão nos impor dificuldades, principalmente por jogarem em casa.” Os dois técnicos têm desfalques importantes para a partida. Luis Suárez cumpre suspensão automática por acúmulo de cartões, enquanto, pelo lado brasileiro, o atacante Gabriel Jesus ainda se recupera de uma cirurgia no pé direito.
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