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Deputados britânicos dão primeiro aval ao início do ‘Brexit’

Câmara dos Comuns dá o primeiro passo rumo à aprovação da legislação pela saída do bloco

Pablo Guimón

A Câmara dos Comuns (do Parlamento britânico) autorizou nesta quarta-feira, por 498 votos a favor e 114 contra, que a primeira-ministra britânica ative o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, em uma votação histórica depois de dois dias de debate. Theresa May ultrapassa assim o primeiro passo da verificação parlamentar, uma exigência do Supremo Tribunal britânico para que o processo do Brexit seja iniciado. Os planos da primeira-ministra eram manter o Parlamento, potencialmente perigoso por sua inclinação à permanência, longe do processo de saída do bloco.

A Câmara dos Comuns, durante a votação do 'Brexit'.
A Câmara dos Comuns, durante a votação do 'Brexit'.AFP

A votação abre uma nova crise na oposição trabalhista: 47 de seus 229 legisladores votaram contra o Brexit, desafiando seu líder, Jeremy Corbyn, que embora seja contra o abandono do bloco europeu, orientou o partido a seguir a decisão da população e a votar pelo Brexit. E outros três deputados pediram demissão da equipe de oposição. O debate dramatizou o dilema que enfrentam alguns legisladores que estão dispostos a fazer valer a decisão do referendo com o qual muitos não concordam.

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Os deputados se pronunciavam sobre um projeto de lei, de formulação concisa, pedindo permissão para que a primeira-ministra notificasse a seus sócios, nos termos do artigo 50 do Tratado de Lisboa, a vontade do Reino Unido de abandonar a UE e formalmente iniciar a saída.

Procurava apelar ao dilema que enfrentam muitos deputados: a maioria é contra o Brexit, mas os cidadãos que eles representam votaram em junho, por 52% contra 48%, a favor de deixar a UE. O dilema afeta muitos deputados do Partido Conservador, no qual a questão europeia sempre foi mais divisionista, mas a grande maioria seguiu a disciplina do voto. É no opositor Partido Trabalhista que a votação, porém, pode ter efeitos mais destrutivos.

Apesar de submeter ao Parlamento a proposta de lei sobre a saída do bloco, o Governo deixou claro que o Brexit vai avançar, mesmo que as duas Câmaras votem contra o acordo

Corbyn obrigou seus deputados a respeitar o resultado do referendo – no qual ele mesmo defendeu a permanência – e votar a favor do projeto de lei. Com uma ameaça de rebelião, impôs aos seus legisladores o nível máximo de disciplina de voto. Pouco antes da votação, dois deputados apresentaram sua renúncia da equipe de oposição de Corbyn, somando-se a outro que já tinha feito antes. “É uma decisão muito difícil para o trabalhismo”, explica o porta-voz Keir Starner, porta-voz do Brexit no partido. “Dois terços dos nossos deputados representam áreas que votaram a favor do Brexit. Aqueles que pedem para ficarmos com os 48% que votaram pela permanência, pedem que abandonemos nosso eleitorado”.

A decisão do Partido Trabalhista de não bloquear o Brexit, apesar dos rebeldes, garantia a maioria favorável na votação desta quarta-feira. Um total de 47 dos seus 229 deputados votaram contra a ativação do artigo 50. A eles devem ser somados os 54 legisladores do nacionalismo escocês, oito dos nove liberais democratas e alguns outros de partidos minoritários. No total, 114 deputados, quase um sexto da Câmara.

Com quase uma centena de pedidos de palavra, o histórico debate de dois dias na Câmara dos Comuns teve de ser prolongado, na terça-feira, até a meia-noite, antes da retomada na manhã de quarta-feira. George Osborne, ex-ministro de Economia e homem forte do Governo de David Cameron agora relegado ao fundo da bancada conservadora, deu voz aos sentimentos de muitos deputados: tendo defendido com paixão a permanência, advertiu que, se o Parlamento votasse contra a ativação do artigo 50 iria desencadear uma “crise constitucional profunda” e “afastaria mais as pessoas que já se sentem alienadas”. Mas criticou que o Governo de May, sua ex-colega de Gabinete, tenha decidido “não transformar a economia em sua prioridade”, preferindo se concentrar no controle da imigração.

Os planos da primeira-ministra eram manter o Parlamento, potencialmente perigoso por sua inclinação à permanência, longe do processo do Brexit

Às sete da noite, hora de Londres, os deputados desfilaram pelos chamados “corredores da divisão”, o do sim e o do não, que rodeiam a Câmara e servem para registrar o voto. Theresa May supera a primeira fase do processo de escrutínio parlamentar ao qual foi forçada pela Supremo Tribunal com sua decisão histórica há uma semana. Mas mesmo antes de o Supremo ter confirmado a sentença de primeira instância, May quis aplacar a ira e anunciou, ao apresentar em 17 de janeiro seu plano para uma saída limpa e dura da UE, que iria submeter à votação nas duas Câmaras, o acordo de ruptura com a UE a ser alcançado no final do período de dois anos de negociação. Mas também deixou claro que o Brexit vai avançar, mesmo que as duas Câmaras votem contra o acordo. “Que não haja acordo é melhor que um mau acordo”, disse May.

Na quinta-feira, o Governo vai apresentar na Câmara o documento definindo sua postura negociadora, algo que a primeira-ministra se comprometeu a fazer sob pressão dos deputados de todos os partidos. Na próxima semana, serão debatidas as emendas apresentadas pelos deputados e o projeto de lei vai para a Câmara dos Lordes. A primeira-ministra espera ter a legislação aprovada a tempo de cumprir sua promessa de ativar o artigo 50 antes do final de março.

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