_
_
_
_
_

Esposa de candidato francês ganhou 500.000 euros como assessora-fantasma

Conservador François Fillon contratou a esposa, mas ninguém nunca a viu trabalhar no Parlamento

Carlos Yárnoz
François Fillon e Penelope, durante ato político em novembro.
François Fillon e Penelope, durante ato político em novembro.PHILIPPE LOPEZ (AFP)

A até agora bem sucedida candidatura presidencial do político conservador François Fillon, para as eleições francesas deste ano, sofreu um grave tropeço com a revelação de que ele, quando era deputado, manteve a própria esposa como funcionária do seu gabinete, acumulando rendimentos de aproximadamente 500.00 euros (1,7 milhão de reais, pelo câmbio atual) entre 1998 e 2012. A informação foi divulgada com exclusividade nesta quarta-feira pelo semanário satírico Le Canard Enchaîné.

Mais informações
Benoît Hamon, o emergente socialista francês que quer impostos dos robôs
Fillon ganha as primárias e será o candidato da direita à presidência da França
Fillon ganha as primárias e será o candidato da direita à presidência da França
França reconhece direito de se desconectar do trabalho

A legislação francesa, bastante leniente nesse campo, permite que os parlamentares contratem parentes diretos como assessores – com a condição de que realmente desenvolvam uma função específica e que não seja um trabalho fictício. Esse é um agravante no caso da discreta Penelope, nascida no País de Gales, mãe dos cinco filhos de Fillon e sem profissão conhecida. Ninguém nunca a viu dar expediente na Assembleia Nacional.

De acordo com os contracheques aos quais o semanário teve acesso, Penelope, de 60 anos, foi contratada por seu marido entre 1998 e 2002, quando Fillon era deputado por Sarthe, seu reduto político.

Naquele ano ele foi nomeado ministro de Assuntos Sociais e, como ocorre na França nesses casos, ele cedeu provisoriamente a vaga parlamentar ao seu suplente, Marc Joulaud, quem voltou a contratá-la com um salário de 7.000 euros por mês (23.870 reais, pelo câmbio atual), de uma verba total de 9.000 euros (30.700 reais) que cada parlamentar dispõe para pagar seus assessores.

Em 2012, depois de Fillon ocupar várias pastas e ser primeiro-ministro no Governo de Nicolas Sarkozy, Penelope Fillon, nascida Penelope Clark, foi novamente contratada para o gabinete do marido, que havia conquistado um novo mandato de deputado por Sarthe.

A notícia repercutiu na imprensa da França, mas sem causar muito alvoroço – certamente porque muitos dos adversários de Fillon também têm telhado de vidro. Calcula-se que 20% dos parlamentares contratam parentes próximos, como esposas, filhos, irmãos, sobrinhos e primos.

Em 2014, segundo um levantamento feito na época pela Mediapart, 52 dos 577 deputados tinham suas mulheres como assessoras contratadas, e outros 60 davam empregos aos filhos. Entre os 348 senadores, havia pelo menos 100 casos de nepotismo.

Ninguém viu a esposa de Fillon trabalhar nem no Parlamento nem na revista de um amigo do dirigente político

Alguns parlamentares, como o centrista Meyer Habib, justificou a contratação do seu filho observando que ele havia concluído o ensino médio. Bruno Le Maire, ex-pré-candidato conservador à presidência, só conseguiu dizer que sua esposa, também funcionária do gabinete, era pintora. Já a socialista Estelle Grelier comentou que sua prima tinha um diploma e era bilíngue. O conservador Franck Gilard, por sua vez, argumentou que não havia nada de mau na prática de contratar parentes, o que segundo ele é comum na iniciativa privada.

Com todos esses precedentes, entende-se melhor por que poucos exigiram explicações imediatas de Fillon, como foi o caso do ministro do Interior, Bruno Le Roux, ex-líder da bancada socialista na Assembleia Nacional.

E isso que o caso de Penelope contém outro óbvio agravante, também relatado pelo Canard. Entre maio de 2012 e dezembro de 2013, a esposa de Fillon também ganhava 5.000 euros (17.000 reais) por mês da publicação Revue de Deux Mondes, propriedade de um empresário amigo do líder conservador. O diretor dessa revista mensal diz que também nunca a viu na redação.

Apesar de tudo, os porta-vozes de Fillon negam qualquer irregularidade. Afirmam reiteradamente que Penelope Fillon trabalha como assessora, mas exerce as funções de forma discreta em Sarthe, não em Paris. Alegam ainda que trabalhou na revista sem que seu diretor soubesse.

Até agora, era precisamente a discrição a qualidade mais destacada de Penelope Fillon. Daqui por diante, ficará famosa por seus elevados salários em empregos já não tão discretos, mas invisíveis e duplicados.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_