_
_
_
_
_

Pedido de desculpas dos violadores de direitos humanos na ditadura resulta em protestos no Chile

Chile debate se os que que foram condenados por crimes de lesa humanidade podem receber benefícios na prisão ou perdão por causa de idade e de doença

Rocío Montes
Manifestantes com fotos de desaparecidos protestam na frente da prisão de Punta Peuco (Chile).
Manifestantes com fotos de desaparecidos protestam na frente da prisão de Punta Peuco (Chile).REUTERS

Uma dúzia de condenados por violações aos direitos humanos na ditadura Pinochet, no Chile, pediram perdão nesta quinta-feira pelos crimes em um ato ecumênico realizado na prisão de Punta Peuco (a nordeste de Santiago), o que gerou o rechaço e o protesto dos familiares das vítimas, que suspeitam de uma manobra para obter benefícios na prisão e indultos. Na mesma quinta-feira, um grupo de mulheres se acorrentou na catedral de Santiago pelo papel da Igreja Católica no episódio. Grupos de direitos humanos pediram o fechamento da prisão, especialmente construída em 1995 para abrigar esse tipo de preso.

Mais informações
Pinochet, o governante “mais violento e criminoso” da história do Chile
CIA continua sem revelar tudo o que os EUA sabiam do golpe de Pinochet no Chile
EUA condenam ex-militar chileno pelo assassinato de Víctor Jara

Entre os detidos que participaram da atividade esteve Raúl Iturriaga Neumann, de 78 anos. O ex-subdiretor da polícia secreta de Pinochet, a DINA, cumpre sentenças por várias violações aos direitos humanos que o manteriam preso até 2037. Também Miguel Estay Reino e Claudio Salazar, ambos condenados pelo “Caso Degollados”, um dos crimes emblemáticos da ditadura. Na missa – fechada para a imprensa –, segundo a Rádio Cooperativa, Salazar disse: “A bondade infinita de Deus saberá perdoará meus pecados depositando-os no fundo do maior oceano (...). Peço, além disso, que, com seu infinito poder mude aqueles corações duros que, com ou sem razão, nos detestam e não permitem que tenhamos um lugar na sociedade”.

Os familiares das vítimas reagiram com indignação. “Somos contra este show para a mídia. Em 43 anos eles mentiram muitas vezes com montagens, com o destino final de nossos entes queridos e com mesas de diálogo”, disse Alberto Rodríguez, parente de um político executado, na porta de Punta Peuco. Os grupos suspeitam de uma manobra: embora os condenados estejam pedindo desculpas pela primeira vez desde a chegada da democracia, em 1990, em todo esse tempo não entregaram a informação que poderia levar à verdade sobre as circunstâncias da morte e destino final dos corpos de cerca de 1.000 desaparecidos.

Apesar de que apenas 10 prisioneiros pediram desculpas por seus crimes, o ato foi testemunhado por cerca de 120 detentos (quase todos presos de Punta Peuco). Foram acompanhados por suas famílias e um grupo de sacerdotes católicos, incluindo Mariano Puga, que se destacou na ditadura chilena por sua luta a favor dos perseguidos. “Para muitos sou um traidor, dizem que me esqueci dos desaparecidos e torturados”, afirmou Puga antes da missa.

A Igreja chilena, que através do Vicariato da Solidariedade desempenhou um papel relevante na ditadura em defesa dos perseguidos, se distanciou da atividade de Punta Peuco. Após os incidentes de quinta-feira na catedral, o bispo auxiliar de Santiago, Fernando Ramos, salientou que a instituição “não incentiva a impunidade, menos ainda quando são crimes contra a humanidade”. Na atividade, no entanto, serviram como testemunha membros importantes da comunidade católica. Um deles é o sacerdote jesuíta Fernando Montes, próximo ao mundo progressista que depois da missa disse que ninguém pediu pela redução das sentenças.

O pedido de perdão dos 10 presos, que de acordo com a versão oficial foi realizada por causa do Natal, ocorre justamente quando no Chile está aberto o debate sobre se é apropriado que os acusados por crimes de lesa humanidade tenham direito a benefícios na prisão e possam optar pelo perdão por causa de idade e de doença, como o resto dos condenados por crimes comuns.

O presidente da Corte Suprema, Hugo Dolmestch, se mostrou a favor de conceder certos benefícios aos violadores de direitos humanos, mesmo que tenham cometido crimes que não prescrevem nem podem receber anistia, de acordo com a justiça internacional. Ao ser consultado pela situação dos condenados que estão doentes em diferentes prisões do país, incluindo Punta Peuco, o ministro de Justiça do Governo de Michelle Bachelet, Jaime Campos, afirmou há algumas semanas: “Acredito que os direitos humanos são válidos para todo mundo, sem distinção (...) Acho óbvio que os doentes terminais possam sair. É preciso ter um mínimo de humanidade”.

Anistia fala de gesto “tardio”

R. M.

A cerimônia em que 10 condenados por crimes da ditadura chilena pediram desculpas pelos crimes provocou diversas reações no mundo dos direitos humanos. Junto com a indignação das famílias das vítimas, a Anistia Internacional emitiu uma declaração pública em que afirma: “Pedir e conceder perdão é um assunto pessoal e são as vítimas e suas famílias que devem dar ou não valor a este ato tardio”. Ao mesmo tempo, o movimento incentivou o Chile a “continuar fazendo esforços para obter realmente verdade, justiça e reparação, pois os familiares das vítimas de violações aos direitos humanos esperaram por anos”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_