Cresce o público do futebol brasileiro, mas tanto como no resto da América Latina?
Equipes argentinas escondem o número de espectadores nos estádios. No Brasil e na Colômbia, os campos ficam cheios. Os mexicanos são os mais transparentes
Quanta gente vai ao futebol na América Latina? Que equipe leva mais torcedores a seu estádio a cada jogo? Há duas semanas um jornal digital argentino defendia que um time modesto do interior superava todos os grandes. Talleres, clube de Córdoba, a terra de Mario Kempes e Pablo Aimar, reunia em seu estádio mais seguidores que o Boca Juniors ou o River Plate.
O artigo dizia que os dados do Talleres se baseavam “nos resumos de cada uma das partidas”, embora se esquivasse de indicar a fonte principal. De onde saíam as cifras? Quanto à estatística do Boca e do River, a fonte era um jornalista de outro jornal.
EL PAÍS contatou a Associação do Futebol da Argentina e os clubes para obter em primeira mão dados sobre o comportamento das torcidas. Foi em vão. Não há cifras oficiais sobre a quantidade de torcedores que vão a La Bombonera a cada jogo. Ou ao Estádio Monumental, ou ver o Racing, o San Lorenzo, o Independiente. É uma soma impossível de cadeiras populares, cadeiras numeradas para sócios e não sócios, cadeiras para sócios-torcedores, entradas avulsas... A ambiguidade é tamanha que há ocasiões em que parece que os estádios se enchem além de sua capacidade.
O caso oposto é o México. Em apenas alguns dias, a Liga MX entregou o cômputo total de espectadores que foram a cada estádio durante a última temporada. Os campeonatos da Colômbia e do Brasil também forneceram dados, sem grandes problemas.
94%
100%
48%
62%
72%
74%
53%
31%
39%
35%
70%
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44%
40%
30%
* Devido à falta de dados oficiais sobre a Argentina, Rayados e Tigres, do México, são os times que levam mais torcedores a seus estádios em toda a América, tanto em porcentagem relativa à capacidade, como em média.
MÉXICO
As equipes de Monterrey são as que mais fãs levaram a seus estádios no último torneio. Os Rayados e os Tigres tiveram uma média de 48.374 e 40.607 espectadores, respectivamente, segundo dados da Liga MX. Os felinos esgotaram todos os lugares para esse torneio, enquanto seus rivais venderam 94% das entradas.
O América está em terceiro lugar, com 39.193 torcedores por partida, apesar de o estádio Azteca ser o maior do campeonato, com 81.702 assentos disponíveis. Os dois clubes de Guadalajara, Atlas e Chivas, completam as cinco primeiras posições, com 34.131 e 33.411 espectadores por jogo. Os vermelho e branco superaram os zorros (raposas) no total de entradas vendidas, mas jogaram nove partidas em casa e seus rivais disputaram só oito.
“Os times de Monterrey foram os que mais bem se adaptaram ao modelo mercadológico das ligas esportivas dos Estados Unidos, contratam os melhores jogadores e cuidam de todos os aspectos para oferecer um espetáculo que vá além de uma partida de futebol”, diz Sergio Varela, sociólogo da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)
Rayados e Tigres tiveram uma média de assistência de 48.374 e 40.607 torcedores, respectivamente
O estádio Bancomer, dos Rayados de Monterrey, é o mais moderno da Liga. Pode abrigar 51.348 torcedores e foi construído pelos mesmos arquitetos que projetaram o estádio da Luz de Lisboa e a próxima sede do Olympique de Lyon. Desde que foi inaugurado no ano passado, para o Apertura 2015, o Rayados encadeia três temporadas seguidas como a equipe da liga com mais espectadores.
As folhas de pagamento de Monterrey são também as duas mais altas do campeonato, segundo o portal Transfermarkt. “A contratação de Pierre Gignac foi uma obra de arte do marketing, os torcedores cantam canções sobre ele e as crianças querem cortar o cabelo como o dele”, conta o torcedor rayado Marco Seyre, sobre o astro de seu odiado rival.
O sistema de abonos (cadeiras vendidas com antecedência) em ambos os clubes lhes permitiu garantir boa bilheteria durante todo o campeonato e oferece facilidades de pagamento aos torcedores. Um ingresso abonado perto do campo no Estádio BBVA Bancomer, dos Rayados, pode valer desde 3.700 pesos (615 reais) até 11.000 pesos (1.840 reais) e os torcedores pagaram entre 350 pesos (62 reais) e 1.040 pesos (pouco mais de 170 reais) para assistir a um jogo do Monterrey na Liguilla (se não for pelo sistema de abonos). Agora que o Tigres está para jogar a final do torneio, as entradas para camarotes são cotadas na Internet em até 27.000 pesos (4.500 reais). Por Elias Camhaji.
ARGENTINA
Ingressar em um estádio de futebol na Argentina é tão difícil quanto contratar um plano de saúde ou garantir um visto para entrar nos Estados Unidos. A maioria dos clubes, em uma modalidade iniciada pelo River e o Boca, tem reservadas quase todas as suas cadeiras para alguns poucos privilegiados que precisam preencher os seguintes requisitos: primeiro, ser sócio do clube, com parcelas que oscilam entre o equivalente a 54 e 123 reais. Depois, em caso de pretender uma das cobiçadas cadeiras da plateia, é necessário pagar um valor extra que vai dos 200 aos 3.750 reais. Se ainda restam entradas disponíveis, então, sim, são vendidas ao público pelo esquema comum, como qualquer outro bem.
A dívida das equipes com a Associação do Futebol Argentino (AFA) impede que se conheça em detalhes a quantidade de espectadores nas partidas, uma informação que antes era fornecida a toda a mídia. No entanto, pode-se tirar algumas conclusões com os dados existentes. Se se leva em conta a quantidade de ingressos vendidos no campeonato (os ingressos remanescentes), o River Plate é o que encabeça o ranking, de longe, com uma média de 23.024 entradas por partida. Em seguida vêm o Talleres de Córdoba, com 8.381; San Lorenzo, com 4.700; Racing Club, com 3.534 e Belgrano de Córdoba, con 3.132. Cabe lembrar que a grande maioria das partidas são jogadas sem público visitante.
No entanto, essas cifras são relativas. Em uma passada pelos clubes, EL PAÍS pôde saber que o River Plate conta com 43.000 assentos denominados “Teu lugar no Monumental”, para as diferentes partes da arquibancada do estádio Monumental, que tem capacidade para 61.668 pessoas. O Boca distribui as 52.000 cadeiras de La Bombonera inteiramente a seus sócios, entre os quais há 18.000 com cadeiras cativas. Algo semelhante acontece com o Rosario Central, onde são alojados 43.000 espectadores, e no seu rival da cidade, o Newell’s, que conta com 48.500 sócios ativos e 13.000 para o estádio. No San Lorenzo há 6.500 cadeiras cativas e o restante dos 50.000 lugares é para os sócios; o Racing Club conta com 62.000 sócios, dos quais 9.200 têm cadeira cativa, e um estádio para 50.000 pessoas que costuma lotar todos os domingos. Seu rival de toda a vida, o Independiente, terminou de reformar seu estádio em 2009 e habilitou 55.0000 lugares, porém, o departamento de imprensa não quis responder às perguntas deste jornal. Belgrano e Talleres, ambos da cidade de Córdoba, têm ao redor de 40.000 sócios ativos. Por Ramiro Barreiro.
A dívida das equipes com a Associação de Futebol Argentino (AFA) impede que se saiba, em detalhe, a quantidade de público que frequentou jogos
BRASIL
O público que vai aos estádios no Campeonato Brasileiro cresceu nos últimos cinco anos. Em 2012, a média de torcedores por partida era de 12.977 e, agora, em 2016, saltou para 15.188, 17% de aumento. Em 2012, o Corinthians liderou o ranking com uma média de 25.222 torcedores por partida, enquanto em 2016 chegou a 28.336, no segundo lugar do ranking do campeonato. O Palmeiras, líder em 2016, com 32.471 torcedores por partida, há cinco anos só arrastava 11.983 pessoas ao estádio. O aumento foi de 190%.
O Flamengo, o clube com a maior torcida do Brasil, contava com uma média de 12.250 pessoas por partida em 2012 e em 2016 encerrou o campeonato com 24.542, ou seja, 100% a mais. O aumento de público ocorreu principalmente em clubes que jogam em estádios que foram construídos ou reformados nos últimos anos, como é o caso do Corinthians e do Palmeiras. Os dois clubes também são os que cobraram as entradas mais caras do Campeonato Brasileiro de 2016: uma média de 53 e 68 reais, respectivamente.
No Brasil, a média de torcedores por partida era de 12.977 em 2012. Agora, chegou a 15.188, um aumento de 17%
O tricampeão do mundo, São Paulo, é o terceiro em número de torcedores por partida, com uma média de 22.974, seguido pelo Grêmio, com 20.909, e o Internacional, com 20.372. Mas os três têm baixas taxas de ocupação: 39%, 35% e 40%, respectivamente, já que jogam em estádios grandes, todos com capacidade para mais de 50.000 pessoas. O Atlético Mineiro, por sua vez, disputa a maioria das partidas em casa no pequeno estádio Independência, com capacidade para somente 23.018 espectadores, e também jogou algumas partidas no Mineirão, que pode receber quase 62.000 espectadores. O Galo ocupa o sexto lugar na média de espectadores, com 20.154, mas é o terceiro na taxa de ocupação (60%), graças às partidas no Independência.
Entre os 10 clubes com maior público no Brasil em 2016, chama a atenção a presença do Fortaleza, que está na série C, a terceira divisão. O clube da capital do Ceará é o 9º colocado, com 15.949 torcedores por partida e uma taxa de ocupação de 26% do estádio Castelão, que tem capacidade para 63.000 pessoas. O Fortaleza está apenas uma posição abaixo do Flamengo, com a maior torcida do Brasil. No entanto, a falta de títulos importantes nos últimos anos tem feito com que os torcedores se afastem da equipe, que é a oitava na classificação, com apenas 18.270 assistentes em cada partida. O Bahía, outro clube da região nordeste, jogou na segunda divisão em 2016 e, mesmo assim, teve uma média de 14.793 espectadores por jogo, e ficou em 10º lugar no Brasil. O Santos, de ídolos como Neymar e Pelé, é apenas o 15º colocado, com um média de 10.558 pessoas por partida e uma ocupação de 52% da Vila Belmiro. Por Gustavo Moniz.
COLÔMBIA
Medellín é a pátria do futebol na Colômbia. Durante a última temporada, o Atlético Nacional levou ao estádio uma média de 36.149 torcedores por partida, 70% da capacidade do Anastasio Girardot, que pagaram entre 9 e 44 dólares (entre 30 e 150 reais) para ver sua equipe em ação. Logo atrás vem o Deportivo Independiente Medellín. Em cada jogo em casa chegaram a 33.391 espectadores, 64% da capacidade do estádio. E os preços das entradas oscilaram entre 10 e 43 dólares (34 e 145 reais).
As filas para entrar nos estádios do país não eram tão frequentes até alguns anos atrás. À exceção dos clássicos ou finais, muitas partidas da Liga da primeira divisão se disputavam sem o grito de gol nas arquibancadas. Cimento e escadarias vazias era o que se via. Muitos torcedores, mas pouca militância.
Medellín é a pátria do futebol na Colômbia. O Atlético Nacional levou ao seu estádio uma média de 36.149 torcedores por partida, seguido pelo Deportivo Independiente Medellín, com 33.391
Na década de 1980, recordada como o Segundo Dourado, muitos dos melhores jogadores de futebol da América do Sul faziam escala na Colômbia antes de chegar a times europeus. O América de Cali era uma seleção do continente. Chegou três vezes à final da Libertadores. O Atlético Nacional, base da seleção da Colômbia, chegou a ganhar a competição. Ambas as equipes conquistaram torcedores por todo o país.
Mas passaram da euforia ao outro extremo. Em 1994, depois da eliminação da Colômbia do mundial dos Estados Unidos e do assassinato de Andrés Varrer, muitos torcedores se afastaram dos campos. Além disso, durante esses anos, começaram a surgir as primeiras 'barras bravas' (torcidas organizadas). Milhares de jovens adaptavam modelos do sul do continente para levar sua paixão pelos clubes ao limite. Tanto que provocaram a maior onda de violência dentro e fora dos estádios. Um fenômeno resultou no maior número de torcedores proibidos de frequentar jogos.
Agora, as pessoas estão voltando aos estádios, principalmente por parte das equipes paisas. Depois do Atlético e do Independiente, uma surpresa: o Júnior. A equipe de Barranquilla atraiu uma média de 20.722 espectadores por partida durante o último campeonato, por cima das duas equipes de Remará, Santa Fé e Millonarios. Assistir a um jogo do Júnior custava entre seis e 26 dólares (20 e 88 reais); do Santa Fé, entre 13 e 98 dólares (44 e 332 reais) e do Millionarios entre 12 e 58 dólares (40 e 196 reais). Por Sally Palomino.
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