_
_
_
_
_

Futebol de muletas

Guerreros Aztecas é um dos 11 times da liga dos amputados. Estas são algumas de suas histórias

Diego Mancera
Um dos futebolistas do Guerreros Aztecas do México
Um dos futebolistas do Guerreros Aztecas do MéxicoChristian Palma

Ángel Jiménez tinha 12 anos quando perdeu parte do corpo num acidente de trabalho. Era 2011 e o rapaz trabalhava em uma obra perto de casa, ao sul da capital do México. Angelito, como é chamado, carregava naquele dia um feixe de varas. Haviam lhe pedido que as deixasse do outro lado de um tapume e ele não prestou atenção num fio de eletricidade que estava a descoberto. Tocou nele e foi eletrocutado. Perdeu a consciência.

Mais informações
Pedro Malabia: “O futebol feminino é um valor agregado para um clube”

A primeira coisa de que se lembra depois daquilo é o fedor do hospital quando acordou. “Havia luzes e a sala de cirurgia cheirava muito mal”, diz. O médico o informou sobre suas lesões. Havia perdido o braço direito e a perna esquerda. “Não disse nada, não fiquei mal. O importante é que estava vivo, não era o caso de gritar”, afirma.

Passaram-se cinco anos e Ángel brinca com sua muleta ao lado de uma quadra de futebol. Em sua perna direita ainda se veem as marcas da queimadura. Sua pele parece a de uma serpente. Na quadra seus companheiros treinam. Todos são como ele. Falta-lhes uma parte do corpo. Exercitam-se para a próxima partida. O jovem Ángel Jiménez é o atacante dos Guerreros Aztecas, uma das 11 equipes da liga mexicana de amputados.

A equipe foi fundada quando a Aurora Martínez apoiou um rapaz que havia perdido uma perna por causa de câncer. Era seu vizinho. Jesús Adrián vendia chocolates e queria montar uma equipe de futebol com outros quatro jogadores amputados. Chamavam a si mesmos de as Águias do Distrito Federal. “Meu irmão lhes levou uniformes. Meus filhos começaram a checar que treinamentos poderiam fazer”, explica Martínez.

Em 2013 a equipe mudou o nome para Guerreros Aztecas e criou o próprio escudo: um guerreiro asteca com um penacho e sem uma perna. Desde esse momento competem em nível nacional. Não foi fácil encontrar um lugar para treinar. Os donos de quadras de grama sintética não os deixavam usá-las. “Queixavam-se de que os rapazes com suas muletas danificavam a quadra, mas os rapazes usam borrachas novas porque, do contrário, escorregam”, lembra Aurora Martínez.

No início de 2016, o presidente do Partido da Revolução Democrática (PRD) na capital, Raúl Flores, os ajudou a encontrar uma quadra de futebol society num canto da Câmara dos Deputados. “Antes nos cobravam 1.500 pesos (240 reais) para cada vez que usavam”, diz Aurora Martínez, que os jogadores consideram como a mãe da equipe.

Da quadra ao semáforo

Carlos Espinosa pede aos alunos que andem depressa ao redor da quadra. Os guerreros fazem isso com pequenos saltos. Toda a força reside em seu único joelho e nos braços. Para acertar a bola posicionam as muletas, se equilibram e chutam. Nos treinamentos exercitam os chutes de longa distância.

Durante as partidas não podem tocar na bola com as muletas. As próteses precisam ficar no banco. Cada equipe joga com um goleiro e seis jogadores em campo. Uma das regras do futebol de amputados é que os goleiros não podem ter um braço. Os jogos oficiais têm dois tempos de 25 minutos. Cada treinador pode pedir dois tempos extras. Não há impedimento e é possível fazer substituições de jogadores a qualquer momento. Os arremessos laterais são feitos com o pé.

Os 15 jogadores do Guerreros Aztecas têm entre 17 e 44 anos. A maioria tem um emprego formal, exceto três deles: Víctor Bonilla, Daniel García e Jorge Morales. Eles dominam a bola nos cruzamentos de vias das cidades, por dinheiro. São malabaristas de rua sob pressão.

Os jogadores durante um treinamento na Cidade de México
Os jogadores durante um treinamento na Cidade de MéxicoChristian Palma

Este trio de jogadores trabalha em diferentes semáforos da capital. Têm menos de 60 segundos para dominar a bola diante dos motoristas. Passam-na entre a perna e as muletas, levantam-na e a colocam na nuca. O último a tocar a bola tem de guardá-la sob a camisa, como fazem os jogadores profissionais em suas celebrações. Víctor, Jorge e Daniel têm de se ajustar à rotina para que sobre tempo de pedir uma moeda.

“Nos lançam o carro. Logo as pessoas passam o semáforo. Nós temos como bater em seu carro com a bola. Se eles pedem respeito para seu carro, nós pedimos para o que estamos fazendo”, diz Víctor, que perdeu a perna em 2011, após um assalto com espancamento por quatro homens em Ixtapaluca (Estado do México). Antes trabalhava como motorista de um furgão branco nos fins de semana.

Daniel García também dança com uma bola entre os carros. “Se ficamos uma hora, fazemos 200 pesos (34 reais). Houve ocasiões em que juntei 800 pesos em umas cinco horas.” Cresceu no município de Santa Maria Sola de Veja, em Oaxaca. Era camponês. Em 2010 saltou para a arena durante uma corrida de touros. Um dos animais passou por cima dele. Destroçou sua perna esquerda, que foi amputada. “Era a única pessoa sem uma perna. Eu me senti sozinho, fiquei deprimido”, diz.

Com um par de muletas, Daniel viajou para a capital com Carmen, sua companheira. Começou a vender sorvetes em faixas de pedestres até que, um dia, no aeroporto, se encontrou com Víctor e o convenceu a jogar futebol. Depois começou a trabalhar nos cruzamentos para ganhar dinheiro. O valor arrecadado lhes permite alugar um apartamento no sul da cidade. “Minha meta é armar uma equipe de amputados em Oaxaca”, conta. Os três amigos pegam sua bola, regressam ao banco e contam o dinheiro. “Às vezes nem trabalhamos, só viemos jogar”, comentam.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_