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Depois de Fidel, o silêncio

Havana espera retraída pela despedida das massas ao líder da revolução. Opositores cancelaram sua marcha dos domingos

Pablo de Llano Neira
As ruas de Havana, dois dias após a morte do líder.
As ruas de Havana, dois dias após a morte do líder.S. RUIZ

“O Malecón está desanimado”, disse um vendedor de tabletes de chocolate na noite de sábado, 24 horas depois do anúncio da morte de Fidel Castro. Havana ficou em silêncio. Tranquila, mas sem a agitação normal de um fim de semana. O Governo declarou luto nacional até o domingo, 4 de dezembro, quando as cinzas de Castro serão depositadas num cemitério em Santiago de Cuba depois de terem percorrido a ilha em uma caravana de despedida.

Com o desaparecimento de Fidel Castro –o homem que se atribuiu o papel de dirigente, pai e mestre do povo, figura onipresente durante mais de meio século, líder onipresente, voz em perpétuo decurso–, desapareceu uma parte fundamental da identidade de cada cubano, partidário ou não. Isso foi sintetizado pelo jornal oficial Granma na capa da edição de domingo, com um desenho de Castro como guerrilheiro com um fuzil multiplicado por toda a página como uma coluna infinita de Castros e uma legenda em negrito sob a imagem: “Cuba é Fidel”.

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No âmbito político não são esperadas novidades em breve, mas a morte de Castro abre mais o horizonte de mudanças no médio prazo. “Existe uma grande tristeza, mas se olha para o futuro com serenidade”, disse o ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray. “Fidel não estará presente, mas estará Raúl e existe um projeto em andamento, com dificuldades, mas em andamento. E agora que Fidel não está será possível fazer coisas que provavelmente não se desenvolveram muito porque ele estava presente, como continuar as reformas econômicas ou abordar as transformações políticas na Constituição. Havia linhas vermelhas que não eram tocadas. De certa forma, era mais ou menos como quando você tem um pai idoso ao qual não quer desagradar”.

“Não acho que agora aconteça algo que não seja fazer um funeral antecipado há dez anos”, diz Rafael Hernández, diretor da revista Temas. “Tudo estava pronto para sua morte e o panorama político é o mesmo que já estava aberto antes disso”.

As Damas de Blanco, a organização de familiares de presos de consciência, cancelou pela primeira vez em 13 anos seu protesto de todos os domingos. “Não faremos a marcha para que o Governo não a tome como uma provocação e possa render suas homenagens”, disse a líder do grupo, Berta Soler. “Respeitamos seu luto, não comemoramos a morte de nenhum ser humano”.

O opositor José Daniel Ferrer dizia em Santiago de Cuba que sem o fundador da revolução, o sistema será obrigado a se transformar: “Sua morte é para o regime como se para a União Soviética tivessem morrido de repente Lenin, Stalin, Khrushchov e Brejnev. Por enquanto acredito que haverá mais controles e repressão, mas quando Raúl já não estiver virá um terceiro que terá de começar as reformas à maneira de Gorbachev e iremos rumo à democracia”.

Na rua, alguns preferem evitar falar sobre a morte de Castro. A maioria dos que se manifestam é elogiosa. Como Gianni Omar Sada, um jovem motorista de táxi que estava à procura de clientes no sábado. Desenvolto, penteado milimetricamente, disse que não se interessa por política –“Meu negócio é tratar de conseguir o que comer”–, mas se declarou admirador de Fidel. “Eu o vejo como um símbolo de rebeldia. Foi uma pessoa que se dedicou ao que quis e conseguiu. Minha mãe me diz que não, mas eu gostaria de fazer uma tatuagem dele”.

Pablo, Henry e Alex se reúnem todos os sábados no Malecón para ver o pôr do sol frente ao mar. Ontem eles voltaram. O primeiro é estudante de Direito, o segundo é tatuador, o terceiro é músico. Conversavam diante do muro marítimo bebendo uma garrafa de moscatel caseiro. Nos bares não é permitido beber álcool por ordem do Governo até acabar o período de luto.

“Perdemos um grande estadista, um grande político, um grande nacionalista”, refletiu Paul. “Não era um grande economista”, sorriu, “mas um político formidável”. A poucos metros, garçons de um restaurante amarravam as toalhas às mesas do terraço para que o vento não as levasse. “Ninguém esperava. Todo mundo pensou que era mentira”, disse Niurka González, frequentadora habitual do lugar.

“Foi um homem genial que passou meio século lutando contra o império dos Estados Unidos. Não houve um político como ele no século XX”, disse esta manhã Luis González, fumando ao lado de um edifício do Governo com um cartaz na entrada que dizia: “Fidel entre nós. Os heróis não têm idade, têm história, fazem história, são a história”.

Havana fica sem música

A capital de Cuba se prepara para as homenagens a Fidel Castro que acontecerão entre segunda-feira e terça-feira na Praça da Revolução. Entre as medidas de luto oficial figura a ordem de não servir álcool em restaurantes e bares, ou colocar música alta. As casas noturnas foram fechadas e os espetáculos recreativos foram suspensos. O concerto de Plácido Domingo previsto para ontem foi adiado e o cabaré Tropicana fechou suas portas até depois das cerimônias em memória de Castro. O esporte local por excelência, o beisebol, parou e as partidos da Série Nacional foram canceladas provisoriamente. Os escritórios estatais de turismo não terão atividades durante o luto. Em Havana e Santiago de Cuba, a partir de segunda-feira, serão disparadas salvas de artilharia em diferentes momentos do dia até o funeral de 4 de dezembro.

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