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Frei Betto: “Fidel morreu feliz pela coerência da sua vida”

Escritor e frade dominicano afirma que cubano foi o único líder que sobreviveu ao êxito da sua obra

Carla Jiménez
O escritor Frei Betto.
O escritor Frei Betto.José Cruz/ Agência Brasil

O escritor Frei Betto se encontrava em um retiro no Rio de Janeiro quando soube da morte de Fidel Castro. Comovido, abriu uma janela do seu recolhimento espiritual para atender à ligação dos jornalistas que queriam ouvir uma palavra sua sobre o amigo de longa data. Fidel escreveu o prólogo do livro Frei Betto – Biografia (editora Record), que será lançada na próxima semana. Frei Betto foi um observador privilegiado de vários movimentos de Cuba nas últimas décadas, como a reaproximação com os Estados Unidos. A última vez que estiveram juntos foi em agosto passado, no último aniversário do líder cubano. Quando o Papa Francisco visitou Fidel no ano passado, levou de presente o livro “Fidel e a Religião”, escrito por Frei Betto.

Pergunta. A pergunta óbvia, o que fica da morte de Fidel Castro neste momento?

Resposta. Com Fidel morre o último grande líder do século 20. O único que sobreviveu ao êxito da própria obra: a revolução cubana. E líder uma nação que há mais de 50 anos resiste à pressão dos Estados Unidos. Fica faltando apenas a suspensão do bloqueio econômico. O legado que ele deixa é inestimável. Uma nação de quase 12 milhões de habitantes, com muitos problemas, claro, mas que têm os direitos mais básicos assegurados: alimentação, saúde e educação. E hoje Cuba exporta professores e médicos para mais de 100 países, inclusive o Brasil. É um homem que, estejamos ou não de acordo, com as ideias e posturas, tornou Cuba uma nação soberana. Ocupa um território pequeno, mas um país onde qualquer coisa que acontece todo mundo presta atenção.

P. A jornalista Yoani Sánchez tuitou que Fidel morre com uma herança de um país em ruínas e onde os jovens não querem viver.

R. Dela só se poderia esperar isso. Pergunto a ela por que o povo cubano não se levantou contra o regime de Fidel então, como aconteceu em outros países. Ela é contra o reatamento de Cuba com os Estados Unidos, inclusive.

P. A relação de Fidel com o Brasil sempre foi estreita, embora muita gente ache que ele só tinha bom relacionamento com o PT, não?

R. Fidel mandava sorvetes da Copelia para José Sarney quando ele era presidente. Visitou o Brasil sempre. Todos os governos brasileiros têm boas relações com Cuba. Políticas, diplomáticas, etc. O Brasil é hoje o terceiro parceiro de Cuba, depois da China e da Rússia. E na frente da Venezuela, que com a crise perdeu esse lugar. As relações são muito estreitas, importamos muitas vacinas deles, além dos 11.000 médicos que atuam aqui.

P. Mas o destaque é sempre da amizade entre Lula e Fidel.

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R. Sim, sempre foram muito amigos, ele sempre manteve grande respeito com Lula. Mas para além do sorvetes a Sarney, ele teve relacionamento próximo com Roberto Marinho [fundador da rede Globo], por exemplo. Ele enviou flamingos que enfeitavam o lago de Roberto Marinho na casa dele no Rio. Veio à posse de Collor, de Lula... Todos se impressionavam com ele. Era aberto. Americanos, como Rockfeller, Carter, que ele recebeu, ficaram encantados com a personalidade dele. Era uma pessoa muito respeitada e admirada.

P. É uma coincidência a morte dele, símbolo da esquerda latino-americana, quando os governos de esquerda se recolhem no continente?

R. Morre o Fidel, mas não morre a revolução cubana. Cuba é o único país do mundo que recebeu quatro visitas de Papas. E não é um país predominantemente católico. Papa Francisco fez questão de ser Cuba a sede de sua reaproximação com a igreja ortodoxa, e da reaproximação com os Estados Unidos. Acho que Fidel morreu feliz pela coerência da sua vida.

P. Era assim que Fidel se sentia quando o senhor esteve com ele este ano?

R. Estive com ele no dia 13 de agosto, aniversário de 90 anos dele, e era assim que se sentia. Olhava com cautela a reaproximação com o os americanos. Ele me disse – Obama esta mudando seus métodos, mas também que mude seus objetivos. Ele não queria que o futuro de Cuba fosse o mesmo do Panamá ou da Guatemala. Cuba não tem máfias de drogas, não tem famílias morando embaixo da ponte. Com os Estados Unidos faltava apenas o fim do embargo e devolver a base de Guantánamo. Fidel sempre sublinhava esse aspecto.

P. Acha que isso pode ocorrer depois da sua morte?

R. Não enxergo esse risco. Não corre esse risco. Porque Cuba é uma nação onde as pessoas têm muito educação e saúde. Isso está presente dos dados da Unesco. Aliás, Cuba em junho deste ano, ultrapassou o Japão em número de centenários, em proporção à população. O surto do ebola foi controlado com um papel fundamental dos cubanos. Onde há uma catástrofe, estão os cubanos, sempre solidários.

P. Como o senhor enxerga o futuro de Cuba agora com a vitória de Trump?

R. Trump é uma caixinha de surpresas, não sei o que esse homem pensa. Ninguém sabe exatamente a política exterior dele em relação a Cuba.

P. Qual sua opinião sobre este momento do Governo Temer no Brasil?

R. Um país que quer se acertar no econômico e não se acerta na ética é muito complicado. Antes de jogar pedra no vizinho – criticando o Governo Dilma – se olhe no espelho.

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