Uma vida à espera de um lar
Dona Rosa luta por um terreno onde possa plantar. Por toda a vida, trabalhou em terra de terceiros
Os calos bem marcados nas mãos e as rugas cortando a pele negra, acentuadas pelo excesso de exposição ao sol, atestam que Rosimar Barros da Silva, a dona Rosa, uma agricultora de 56 anos, sempre cavucou a terra para ter o que comer. Antes de participar do acampamento do Grotão do Mutum, o primeiro a ocupar uma área da Vale na região de Canaã dos Carajás, no Pará, trabalhava em uma fazenda alheia, dando parte do que produzia em troca de um espaço para plantar. Até hoje, três de seus filhos trabalham no local. "Meu véio trabalhava roçando juquira [tirando o mato para a plantação]. Era um trabalho difícil, mas o patrão pagava no valor, era gente de ouro", conta ela.
"Eu nunca pensei em entrar em movimento. Eu via muitas pessoas sem-terra que não trabalhavam na terra. Tem muitos que querem um terreno, mas não querem trabalhar nele", conta ela. Mas, um dia, ela resolveu que já era hora de tentar ter sua própria área. Ficou sabendo por uma das filhas que agricultores da cidade começariam a ocupar terrenos comprados pela Vale e que diziam ter sido adquiridos irregularmente, pois era área pública e não podia ter sido vendida -a mineradora nega. "É o meu sonho: ter meu cantinho para morar, criar meus porcos, minhas galinhas. Aqui na roça, uma hora chega uma [visita] surpresa e você vai lá, pega uma galinha, um frango, faz uma comidona pro povo. Entra no chiqueiro e mata um porco. É assim o sonho que eu quero realizar", conta.
O Grotão do Mutum ficava na Fazenda São Luís, adquirida pela Vale para fazer a compensação ambiental exigida pelo Governo brasileiro para o projeto de extração de ferro S11D, que entrará em funcionamento nos próximos meses e promete ser o maior do mundo. Eles permaneceram na área por oito meses, desde junho do ano passado, até que a mineradora conseguiu na Justiça a reintegração de posse da área, feita com ajuda policial.
"Era de manhãzinha, na base de umas 7h30, quando eles chegaram. Eu tomava meu café quando saí na estrada e disse: “Vixe, meu véio, ô ali o tanto de polícia!”. Mas lá tinha polícia, dona moça. Não era pouca, não, era muita! Tinham caminhão, caçamba, tudo", conta ela. As fotos guardadas pelos sem-teto mostram o trator usado para derrubar as casas de madeira feitas por eles. "Tinha plantado mandioca, alface, couve, cheiro verde. Tinha 360 pés de tomate já botando. Feijão, limão, pé de mamão, pepino, milho, muito milho", lista dona Rosa. "Foi o momento mais difícil que passei na minha vida. Trabalhamos tanto e não colhemos nada. Não gosto nem de lembrar", afirma. A mineradora diz que entre a reintegração de posse dada na Justiça e o despejo passaram oito meses.
Depois de saírem da Fazenda São Luís, os sem-teto ocuparam uma área que pertence à prefeitura, onde permanecem desde fevereiro. "Nós que erguemos a casa. Fiz essa parede, aquela outra. Fiz esse forno de barro", aponta ela, orgulhosa. Para tomar banho, usa uma casinha de tábua, feita do lado de fora da casa. Não há energia elétrica e, depois que escurece, é preciso recorrer a um lampião. "Eu não tenho o sonho de uma casa. Eu tenho o sonho de uma terra. Quero mesmo uma casa simples. Nem que não seja rebocada. Dois quartos, um para os meus filhos. Não quero cerâmica, nada. Piso morto mesmo. Isso, pra mim, é o mesmo que ter um prédio."
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